Capítulo 26

361 40 6
                                    

Rhysand

Minha última lembrança foi perceber que havia sido envenenado. Eu não sabia como Amarantha conseguira levar o veneno para dentro de mim, mas não importava. Tudo que eu conseguia pensar era em Ayla. 

Acorde. Levante. Eu ordenei a mim mesmo, mas meus olhos estavam pesados, os membros se recusavam a obedecer. 

Senti mãos me arrastando pelo chão e o contato de um metal gelado em meus punhos e tornozelos. 

Abra os olhos, abra a merda dos olhos

Minhas pálpebras demoraram alguns segundos para responder ao comando, mas finalmente consegui abri-las. Levei um tempo para focar a visão do que estava à minha frente. 

Ayla estava ajoelhada em frente ao trono de Amarantha, a alguns metros de mim. Suas mãos e pés acorrentados e o Attor segurava uma corrente que passava ao redor de seu pescoço. Ela olhava com ódio para a rainha, que sorria com desprezo. Ayla falou alguma coisa, mas não fui capaz de escutar por conta do zumbido insistente em minha cabeça. 

Ao lado de Amarantha, Julius estava jogado no chão, parecendo pálido e à beira da morte. Ele conseguiu se mover quando percebeu minha atenção em si, e não foi preciso muito esforço para entender quando seus lábios se moveram. "Me desculpe."

Olhei de volta para Ayla, que tinha lágrimas escorrendo por seu rosto ao ver o estado de Julius. Ela o veria morrer pela segunda vez, e agora seria real. 

Ayla se virou para mim, alívio percorrendo sua expressão quando me viu acordado, e seus olhos estavam tão brilhantes. Mais brilhantes do que eu já havia visto. Não só seus olhos, percebi. Seu corpo inteiro irradiava uma fraca luz dourada. 

- … seu ponto fraco. - a voz repugnante de Amarantha me atingiu quando minha audição retornou. - O grande general de Helion não lutou mais depois que achamos sua parceira e filho. Ele cantou como um passarinho.

Amarantha riu como se contasse uma piada e meu peito se apertou. Julius deveria desejar estar morto agora. Era inútil desejar que a vadia da rainha não tivesse matado sua parceira e filho, eu sabia que eles estavam mortos. 

Por mais que eu quisesse culpá-lo por nos entregar, eu não podia. Como ele poderia ter feito diferente? Com a vida de sua parceira e seu filho em jogo, ele deveria ter contado absolutamente tudo a Amarantha. Não o julguei, eu teria feito o mesmo.

E Helion… Amarantha mataria Helion. Se ao menos eu pudesse usar meus poderes para avisá-lo. Mas a névoa do veneno me impedia.

- Foi realmente de partir o coração. - ela continuou. - Até o momento que percebi que sua parceira era uma humana repugnante. E a prole, uma aberração semifeerica. - Amarantha fez uma cara de desprezo enquanto passava a mão no osso que usava como colar. - Eles mereceram a morte. 

Pelos deuses, uma humana. A parceira de Julius era uma humana. Eu não conseguia imaginar a dor que ele sentira quando soube que ela teria uma vida efêmera e passageira, que sua vida não seria nada comparada a dele. Parecia mais uma maldição do que uma benção, ganhar sua parceira para depois vê-la ser tirada de si pelas garras do tempo. 

Eles teriam tido sorte, entretanto, se a Mãe os tivesse abençoado com um destino assim. Mas no lugar disso, as pessoas mais importantes da vida do general haviam sido arrancadas dele por aquela sádica. E seu filho, pelos deuses, deveria ser apenas uma criança. 

- Você vai morrer por isso. - Ayla rosnou, tentando se livrar das correntes, mas o Attor deu um puxão, fazendo-a cair no chão. 

- Querida criança, o que a faz pensar que pode tirar minha vida? Ou pelo menos algo de mim? - Amarantha perguntou, com um sorriso sarcástico no rosto. Deuses, eu odiava aquele sorriso. 

Ayla sorriu maliciosamente, seu rosto se transformando numa máscara de desprezo que eu nunca havia visto antes. 

- Eu já tirei o que você tinha de mais útil. - ela olhou em minha direção, seus olhos tão dourados que pareciam pegar fogo. - Foi tão fácil usar meus poderes e entrar na cabeça de seu cachorrinho. Ele nem percebeu o que estava acontecendo. - ela riu, e o brilho de sua pele se intensificou ainda mais. - Que vergonha para você, rainha, tirou tanto os poderes do seu daemathi que o deixou vulnerável para qualquer um que soubesse como o manipular. Foi tão, mas tão fácil obrigá-lo a me trazer aqui, que eu me perguntei se esse era realmente o Grão-Senhor da Corte Noturna ou apenas um substituto inútil que você arranjou. 

Pela Mãe, o que ela estava fazendo? Eu queria brigar e dizer para que parasse de falar. Por que ela estava irritando Amarantha? A rainha iria matá-la lentamente e me faria assistir tudo. 

Ayla olhou para mim e por um segundo aquela máscara caiu. Me desculpe por isso, por tudo. Eu amo você, Rhys. Não há nada que eu não faria por você. Se tudo der errado, quero que tenha uma chance de sobreviver. Sua voz entrou em minha cabeça, apesar de parecer fraca e distante. 

Eu queria me mover, queria ir até ela e tentar nos atravessar para longe. Ou pelo menos morrer ao seu lado se esse fosse nosso destino. Mas tudo que consegui fazer foi piscar os olhos quando as lágrimas borraram minha visão. 

O que está fazendo? O que quer dizer? Perguntei enquanto Amarantha rosnava e gritava em sua fúria. 

Estou tentando acabar com tudo isso. Me perdoe. Se eu não conseguir, não desista, Rhys. Lute por seu futuro, por sua vida. Você merece felicidade, e lembre-se, não importa o que ela faça ou o obrigue a fazer, não significa nada. Você é bom, não a deixe convencê-lo do contrário.

Ayla, por favor, eu também amo você, vamos dar um jeito nisso juntos. Por favor. Senti quando sua luz dourada acariciou minha mente e se foi. Tentei jogar meu poder para ela, eu precisava que ela parasse o que quer que estivesse prestes a fazer. 

Ayla já havia aceitado sua morte, mas eu não poderia. Não conseguiria viver sabendo que ela havia morrido por minha culpa. Porque eu a havia levado até ali. Se ao menos eu tivesse me oferecido para pegar o amuleto, apenas eu morreria, ela ainda estaria viva e livre para seguir sua vida. 

Foi em vão tentar falar com ela novamente. Ayla tinha feito uma verdadeira fortaleza em sua mente e meus poderes estavam fracos demais pelo veneno para conseguir atravessá-la. 

Ela iria se sacrificar por mim, por nosso povo, por Prythian. Eu queria chorar e gritar, mas nem isso meu corpo conseguia fazer. A única parte boa, a única felicidade que ainda existia em minha alma estava se desfazendo. E eu não sabia o que fazer, estava completamente impotente. Não conseguia mover um dedo para tentar salvar a fêmea que eu amava da morte certa. 

- Onde está? - Amarantha gritou. - Aquele velho ridículo morreu protegendo seu segredo e esse inútil não sabe. - ela chutou Julius nas costelas, que mal se moveu com a agressão.

Ayla sorriu e uma raio de luz dourada atingiu meu rosto quando seus olhos me fitaram.

- É estúpida o suficiente para achar que pode usar o amuleto? Você não passa de uma assassina fraca e covarde que precisa se esconder atrás de feitiços e bestas para assegurar seu poder. 

Amarantha rosnou e se levantou do trono, caminhando na direção de Ayla. A rainha empurrou o Attor para o lado, pegando a corrente que passava pelo pescoço da minha melhor amiga. 

- Vai dizer antes ou depois que eu começar a esfolar sua pele? 

Tentei forçar as correntes que seguravam minhas mãos, mas tudo que consegui foi mandar uma corrente de dor por todo meu corpo.

Ayla sorriu abertamente olhando para a rainha apenas a alguns centímetros de distância. Suas mãos brilharam num dourado ofuscante quando ela quebrou sem nenhuma dificuldade as correntes que seguravam seus pulsos. Amarantha, perdida em sua fúria, não pareceu perceber.

- ONDE ESTÁ O AMULETO? - ela gritou, puxando a corrente do pescoço de Ayla e obrigando-a a levantar. 

Ayla passou suas mãos brilhantes pelos braços de Amarantha, a puxando mais para perto, quando todo seu corpo começou a brilhar e pulsar com poder.

- Você está olhando para ele.

Com um último sorriso para mim, Ayla brilhou num dourado ofuscante quando tudo explodiu. 

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora