Capítulo 21

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Rhysand

Aquela lembrança, tão antiga que eu nem sabia que ainda existia, passou por minha mente enquanto eu a encarava. 

Como nunca percebi que havia algo de especial nela? Não só das vezes que Ayla tinha se curado instantaneamente quando éramos crianças, mas na aura de poder que ela exalava. Claro que eu não teria sentido sua magia quando éramos pequenos, mas agora era quase palpável o poder reluzente ao seu redor. 

Herdeira de um Grão-senhor. Se Thesan não tivesse mais nenhum filho, Ayla assumiria o trono. Nunca em Prythian uma fêmea havia feito tal coisa. Parecia adequado que ela fosse a primeira.

- Por quê? Por que ninguém pode saber? Thesan parece ser um bom macho, tenho certeza que acolheria você.

- Não é tão simples, Rhys. - Helion finalmente falou. - Você tem ideia do que os irmãos de Thesan fariam se soubessem que uma fêmea é a próxima na linhagem?

- Não ficariam felizes, mas acredito que Thesan faria de tudo para manter sua filha segura. - Olhei diretamente para ela. - Eu o conheci em Sob a Montanha. Thesan é um macho bom, decente.

- Ele pode ser, mas não é Grão-Senhor há tanto tempo. - Ayla falou - Seu pai, meu avô, era um homem cruel e rigoroso. Não tenho dúvidas que teria me matado se soubesse de minha existência. E, se tivéssemos ficado juntos, eu e você, certamente os outros Grão-Senhores teriam passado a prestar mais atenção em mim, e isso levaria a perguntas de onde meus poderes surgiram… Eles descobririam, e isso levaria a uma guerra, uma da qual sei que você não fugiria. Eu nunca poria você e sua família em risco dessa maneira.

- Eu teria feito qualquer coisa por você. Teria dizimado a Corte Crepuscular se fosse preciso. Eu não me importaria. - Eu olhei em seus olhos, deixando que ela visse o quanto havia me machucado. - Qualquer guerra teria sido melhor do que a mentira. Como acha que me senti quando você simplesmente me abandonou sem dar nenhuma explicação? Por décadas eu fiquei me perguntando se tudo tinha sido uma brincadeira para você, se eu tinha sentido tudo sozinho, já que foi tão fácil assim para você virar as costas e dizer adeus. 

Eu não queria machucá-la, mas tinha que dizer o que estava me sufocando. Eu não conseguia aguentar mais guardar tudo aquilo dentro de mim. Com ela, aquele vazio excruciante e a sensação de solidão tinham aplacado, mas agora eu não sabia mais o que sentir. Estava totalmente perdido e sentia medo de voltar àquele poço de escuridão e angústia que tomavam meus dias antes de sua chegada.

A imagem de Ayla ficou embaçada à minha frente, e percebi que eram as lágrimas lutando para sair de meus olhos. Helion murmurou algo sobre nos dar privacidade e atravessou. Para onde, eu não sabia. Nem me importava. 

Ayla tinha uma expressão de dor em seu rosto, uma que eu apostava ser um reflexo da minha própria expressão. 

- Eu sinto muito, Rhys. - Ela sentou ao meu lado e fez menção de tocar meu braço, mas se afastou no último segundo. - Nunca quis que sofresse, achei que iria me esquecer logo. 

- Eu nunca poderia esquecer você. Como pode dizer isso? Eu pedi, implorei, para que casasse comigo, e não com ele. E mesmo assim você foi embora. - Passei a mão pelos cabelos, ainda completamente fora de mim. Eu sentia como se eu estivesse fora do meu corpo, apenas um espectador, esperando que, mais uma vez, tudo desse errado. - Eu não consigo entender, nós poderíamos ter dado um jeito. Poderíamos ter consertado tudo.

- Eu sei, e me arrependo de tudo, Rhys. - Ayla tocou meu braço e eu não pude evitar as lágrimas que caíram por meu rosto.

Ayla colocou meu rosto entre as mãos e beijou cada uma das lágrimas que molhavam minhas bochechas. 

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora