A.M.

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Naquela noite, acabamos indo dormir relativamente cedo após uma intensa maratona de Netflix. Não demorei a cair no sono e tive um sonho estranho: basicamente uma fanfic clichê, onde Harry magicamente me enxergou no meio de mais de dez mil pessoas e se apaixonou por mim. O encontrei no camarim e trocamos números.

Contudo, ele era meu namorado, e eu não sei o motivo de ter sonhado com aquilo.

E ele me chamou para o visitar no hotel onde estava com os meninos, jantamos juntos e eles cantaram para mim. E quando estávamos prestes a se beijar, eu acordei num pulo.

E eu fiquei tão triste que poderia chorar.

Cocei os olhos e encarei o teto branco, o quarto estava parcialmente iluminado pela luz da lua e sentia meu corpo mole. O relógio marcava duas da manhã, Harry se mexeu ao meu lado e logo me virei para o ver com uma expressão um tanto confusa:

— Te acordei, amor? — praticamente sussurrou.

— Aconteceu algo? Por que está acordado? — perguntei antes de bocejar.

— Perdi o sono... — murmurou, colocando os cabelos para trás.

Mas algo não parecia certo.

— Venha aqui. — Dei leves batidas nas minhas pernas.

Harry deu um sorriso mínimo e se virou, deitando a cabeça na altura da minha barriga e juntando as mãos no peito. Era uma posição engraçada, mas confortável: acariciei seus cabelos e percebi que uma fina camada de suor havia se formado na testa, mas não questionei.

E nos embalamos naquele silêncio pelo que julguei minutos, intercalava o olhar entre seus cabelos e o teto, sua respiração parecia um tanto irregular.

— Está tudo bem, amor? — acariciei sua nuca.

— Sinto falta deles.

— Deles quem, amor?

— Dos meninos.

Um silêncio absurdo se instaurou novamente. Céus, eu mal sabia o que dizer.

— Sempre fico pensativo antes de voltar para casa, aquele lugar me lembra tudo que passamos, sabe? Desde que deixei de trabalhar numa padaria para subir em palcos ao redor do mundo inteiro... — havia dor em sua voz, perceptível suficiente para que um bolo se formasse em minha garganta. — Eu não me arrependo, mas sinto falta deles. Até de ficar no estúdio e cantar tanto que minhas cordas vocais doessem, de dormir dez minutos durante as tours e mal conseguir comer de tanto stress.

— Harry...

— A One Direction foi um sonho, Olivia. Um sonho que mudou minha vida do dia para a noite e a deles também, mas tiveram tantas coisas ruins no meio. Nós adoecemos. — Engoliu seco, conseguia perceber que tentava ao máximo não chorar.

— Como fã, até me sinto um pouco egoísta. — Murmurei, ainda acariciando seus cabelos, mas ele pegou uma de minhas mãos e abraçou.

— Não, vocês não têm como saber tudo que aconteceu, amor. Está tudo bem, não precisa se sentir culpada. — Amenizou, mas o sentimento ainda continuava ali. — Mas o que quero dizer é que pagamos um preço caro para conquistarmos isso. Foram os melhores anos da minha vida, sem dúvidas, mas teve tanta coisa... aquelas experiências me marcaram. Nós tivemos momentos incríveis, até escrevi uma música sobre isso. Mas dói, Olivia. Dói.

Porque eles foram explorados, sexualizados numa idade nova e endeusados, tiveram sua privacidade tirada do dia para a noite e qualquer deslize se tornava uma notícia. Com uma quantidade exorbitante de dinheiro tão jovens, longe de suas famílias e trabalhando como loucos.

E, como fã, sentia que havia falhado em os proteger.

Algo que sempre especulamos, mas ouvir aquilo saindo da boca de Harry era cruel: havia uma tristeza grande em sua voz, e por mais que sentisse falta dos meninos, não sentia falta de tudo de ruim que veio junto com a banda.

— Eu não conseguia confiar nas pessoas. Se aproximavam de mim por fama e dinheiro, me taxaram como uma máquina de sexo e até meu namoro com Louis eu tive de esconder. — Soou receoso na última frase. — Ao mesmo tempo, eu amava dormir com eles naquele ônibus de viagem e fazer festas no hotel, sair para explorar a cidade de noite e tentar retribuir metade do amor que recebia das pessoas que gostavam do nosso trabalho. Sinto falta até de brigar com Liam por ele ser tão mandão ou com Niall por pegar minhas cuecas. Nós conhecemos o mundo e tanta gente. Mas aquilo acabou com a gente, Olivia. Quando fiz uma inscrição para O X-Factor, não imaginava que minha vida ia mudar dessa forma.

Eu sabia que eles tinham se pegado um dia. Mas não era momento para comemorar isso.

— Deve ter sido muito difícil para você, amor. — Tentei lhe trazer algum conforto.

— Quando Zayn disse que ia sair, por mais que aquilo quebrasse meu coração, eu entendi o lado dele. Ele estava mal, amor. Mal como nunca havia visto, e eu preferia o ver feliz longe de nós do que sofrendo ao nosso lado, eu não podia ser tão egoísta. Não foi uma separação fácil, mas tivemos de aceitar. Mas chegou um momento que tivemos de seguir nosso próprio caminho, muita gente espera que eu diga que odiei tudo que vivi ao lado deles, mas seria uma mentira fodida. Eu amo o que faço e eu amei tudo que vivi.

— Está tudo bem, amor. Você pode amar e ver o lado ruim ao mesmo tempo.

A fama foi cruel com eles. A maldita empresa acabou com eles, e por mais que se falassem agora e com certeza tivessem resolvido tudo de ruim que tinha acontecido, aquelas feridas ficariam ali. E era a primeira vez que Harry falava sobre a One Direction tão abertamente comigo, a primeira vez que o via tão exposto.

— Queria estar com eles, mas sem toda a parte ruim. — E, ali, desabou.

Harry apertou minha mão contra seu peito e senti uma gota no dedo, seu choro era baixo e quase imperceptível, mas à medida que a respiração se tornava mais descompassada meu coração apertava.

— Vai ficar tudo bem, amor. — Era a única coisa que conseguia dizer.

Harry confiava em mim suficiente para desabafar sobre tudo aquilo, e ele não precisava saber que eu estava com vontade de chorar após aquelas palavras dolorosas escaparem de seus lábios, porque foi a primeira vez que o vi tão vulnerável. E pensar que ele se martirizava tanto por aquilo me quebrava por dentro, deve ter sido tão difícil para eles...

Eu só queria poder abraçar todos os meninos e os proteger daquilo.

Naquele quarto, Harry chorou preso em memórias até sua cabeça doer, continuei minhas carícias com todo o amor do mundo e fazia preces silenciosas para que ele ficasse bem.

Era tão íntimo...

Londres foi o lugar em que tudo começou, talvez isso o deixasse tão emotivo. Quando sua respiração voltou a calmaria e ele adormeceu ainda abraçando minha mão, foi o momento que me deixei chorar baixo por tudo aquilo.

E, do fundo do coração, esperava que a nossa ida para sua casa fosse repleta de coisas boas.

Olivia [H.S/PT BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora