20 | Eye talk

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Os corredores estavam confusos e ocupados. As luzes pareciam piscar contra o escuro noturno que estava minha mente, mas eram apenas minhas pálpebras insistindo em desmoronar. Tateava as paredes, tentando não cair. Apesar de ser funcionária ali, eu mais parecia alguém doente.

Observei meus colegas de trabalho passarem por mim e fingirem que era uma estranha que os olhava de volta. Minha boca não fez o menor esforço para abrir e questionar para onde haviam levado meus pais, já que sabia que não teria respostas. Me sentia uma leprosa presa em um zoológico, como uma atração que as pessoas evitavam notar muito.

Dobrei a direita em um corredor após o saguão, perto da porta principal. Meus sentidos misturavam-se a tanto branco, assumindo o tom de nada do concreto que me cercava. Estava tão mal iluminado, claramente não era a ala de emergência, pois essa aqui ainda estava dormindo.

Talvez a emergência fosse depois, à esquerda?

Segui o caminho sugerido por mim mesma e me deparei com escadas. Não havia escadas na emergência, para facilitar a locomoção. Que porra eu estava fazendo naquele espaço?

Queria morrer, mas seria meio difícil estando em um hospital com tantos profissionais da saúde. Então, me virei para voltar, mas havia mais corredores do que percebi. Todos se abriam profundamente, misteriosos e sedutores, como se eu tivesse que adivinhar em qual não tinha um lobo mau esperando para me atacar.

Minha visão ficou turva ainda mais, e logo o dobro de vias surgiram na minha frente.

Branco, branco, branco, branco. Em todos os cantos. Entretanto, nenhum sinal de paz.

Eu queria gritar, mas o barulho estava preso em minha garganta, junto com as lágrimas. Minhas pernas cederam, assim meus joelhos tocaram o piso gélido.

"Não pode fumar aqui, eu já disse." Ouvi Jane repetir, autoridade em sua voz. "Volte a dormir, e se o remédio não fazer efeito, a morfina fará." Abriu a porta, seu rosto ainda virado para o paciente. A fresta expandiu-se e a enfermeira olhou para mim com pena e desgosto.

"E bom dia para você, Evelyn." Cuspiu, carregando a prancheta e puxando a maçaneta para a fechadura.

É, os boatos voam na velocidade da luz.

Ela soltou o objeto, porém ele não colidiu contra a guarnição. Uma mão impedia que se fechasse totalmente.

"Alguém de ressaca?" Quase não consegui identificar Kurt, que se escorou na entrada do quarto.

"Cala a boca..." Gemi, com raiva. Exceto que soei exatamente o que sentia: necessidade de ajuda.

Ele desfez o jeito arrogante, seus braços caíram ao lado do corpo. "Pensei que tivesse dito adeus, Ev." Deu um passo em minha direção, ainda incerto. Meu corpo queria reagir, mas seu estado imitava um peixe fora d'água, completamente confuso e desamparado. Não havia salvação para mim.

"E eu disse. Não vim por você, só quero encontrar meus pais." Meus olhos inundaram-se, eu estava implorando. O vocalista sumiu atrás da porta.

Alguns segundos depois, voltou com um cobertor dobrado. Passos firmes e ágeis vieram até mim e fui envolvida pelo tecido que cheirava a mofo.

"Me solte."

"Claro." Disse, quando minha consciência viajava nas lâmpadas de led do teto. "Te solto assim que estiver confortável." Carregou-me, fria e mole, para me deitar na segunda maca que seu quarto contemplava.

Os lençóis de algodão estavam quentes e com seu cheiro. Odiei, mas também agradeci, pois me aqueci bem rápido. Cobain colocou o cobertor sobre mim e ficou me encarando, em silêncio, orgulhoso.

Salvando Kurt CobainOnde histórias criam vida. Descubra agora