16 | Sappy

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"Ele vai te manter em um pote e você pensará estar feliz." Assim que Kurt percebeu que sua presença causara o choque em mim, ele prosseguiu com a canção, fechou os olhos e distanciou sua alma dali.

Minha boca permanecia aberta, tentando assimilar o fato dele ter descoberto meu novo lar. Em um momento eu não significava mais nada para o vocalista e no outro, ele havia escrito uma nova música e praticamente me rastreado até extinguir os 7 quilômetros que havia entre nós. Kurt era contraditório, sempre soube, e por mais que eu houvesse cogitado sua vinda, não acreditava que chegaria a esse ponto.

"Você está em uma lavanderia..." Continuou, dando ênfase maior a essa frase. O cenho franziu e os dedos pressionaram com maior força as cordas do violão cor de caramelo. "As pistas que vieram até você, oh..." Murmurou então, entre os acordes, um 'droga, Evelyn.' depois desse verso e junto com seu 'oh', foram as palavras mais paradisíacas e angelicais que deixaram sua boca. Senti-as derreter em meus ouvidos e arrastarem-se, contra minha vontade, até meu coração. Havia muito sentimento e dor na banalidade delas.

"Se você enganar a si mesma, você o fará feliz. Ele vai te manter em um pote e você pensará estar feliz." A brisa leve balançava seus rebeldes cabelos e eles teimavam em tocar sua boca. Por um momento, os invejei. O movimento da água da piscina, tão inquieta quanto meu peito, me despertaram desse sentimento e me limitei apenas a ouvir.

"Você está em uma lavanderia, você está em uma lavanderia..." Kurt repetia, chegando ao final da música. Doce, mas perturbador. "As pistas que vieram até você, oh..." Finalizou, deixando as enigmáticas palavras pairarem no ar. Queria desvendá-lo, mas não tive coragem de ir até o outro lado da piscina para questionar.

"Sappy." Pronunciou, quase em sussurro. Sua voz rouca e profunda parecia ter sido feita para me fazer estremecer. "É o nome da música. Relativo a excessivamente emocional."

Enquanto eu abraçava meu corpo e fugia de seu olhar, um sorriso debochado fluiu de forma automática em meus lábios. Não podia controlá-lo. Excessivamente emocional? A frieza o roubara há dias, bem diante dos meus olhos.

"Não é o que demonstra." Respondi, simplória e vaga demais comparado a tudo que havia passado. Gostaria que ele percebesse e se arrependesse do que fez, mas meu esforço já não era mais tão digno dele.

"Vim até você, não vim?" Levantei meus olhos para sua figura. O céu escuro não diminuía aquele brilho que Kurt sempre teve. De fato ele veio, de fato estava aqui.

"Como?"

"Foi fácil subornar Ana até ela me dizer seu novo endereço." Replicou, pacífico, e colocou ao lado o seu instrumento. O peso da sua total atenção estava sobre mim.

"Isso é desonesto, é jogo sujo." Me aproximei, fuzilando-o com minha indignação súbita. Quase cheguei a outra margem, perigosamente perto da cerca. Os detalhes da sua calça jeans clara e rasgada nos joelhos, e de seu All Star imundo, estavam nítidos, bem em minha linha de visão.

"É o preço a se pagar." Acendeu um cigarro. "Não que você se importe. Já tem até outro cara." Levantou-se, me obrigando a sair da água e ir ao seu encontro.

"Não seja hipócrita, Kurt Cobain..." O molhado de meu corpo corria até o gramado, tão veloz quanto meu sangue. Me irritava sua postura plena e 'cool'. "Amy de lingerie no seu quarto não foi nenhuma miragem."

"De lingerie? Ev, eu juro que não sei do que está falando." Tentou segurar minhas mãos através das grades. Seu semblante havia mudado, preencheu-se de aflição. "Amy é minha traficante, mas não temos nada."

"Se for para mentir, cale essa boca..." Lágrimas traíras surgiram. "Ela estava até segurando uma de suas camisas."

"Evelyn, por favor, me escuta." Recuei um passo, negando seu pedido com a cabeça, mas o vocalista continuou. "Só aceitei a encomenda e segui para o ensaio. Não sei o que mais ela fez ou deixou de fazer a partir do momento que estive fora."

Salvando Kurt CobainOnde histórias criam vida. Descubra agora