Capítulo 25 - Masoquismo

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Todas aquelas lembranças nunca eram fáceis de se mexer. Doía muito e me envergonhava ao extremo recordar a que ponto eu havia chegado.

Ainda que não lembrasse mais nada daquela noite, despertar em um quarto branco de hospital, ligada a tubos e soros e com aquele barulho irritante que contava meus batimentos cardíacos foi um choque instantâneo.

Overdose. Foi essa a palavra que o médico usou. No primeiro instante não acreditei, mas bastou ver a cara abatida de Poncho entrando pela porta do quarto, que me convenci da gravidade e a vergonha me cobriu.

Me senti péssima. Embora não estivéssemos bem, me doía vê-lo daquela forma. Parecia tão... preocupado, arrependido, como se toda a culpa fosse dele. E claro que não era. Eu fui tomar aquelas porcarias porque estava ferida e ele tinha parcela de culpa nisso. Porém eu também tinha, afinal não devia ter tomado nada. Devia ter sido mais forte.

Aos poucos, começamos a conversar. Ele perguntou como eu estava e eu também. Pediu desculpas e eu também. Perguntei de Alice e ele me disse que ela tinha resolvido ir embora, porque iria cuidar de um parente doente. É claro que eu sabia que não era isso, mas não tinha mais importância, ela estando longe de Poncho já era bom. Foi a vez dele me perguntar sobre Diego, na verdade apenas confirmou que os comprimidos de ecstasy eram dele  e então me disse que meu ex-namorado não voltaria tão cedo. Eu nunca soube o que Poncho e Diego conversaram, mas a sensação que tenho é que meu amigo ameaçou de contar a verdade à reitoria e desde então ele sumiu da minha vida.

Aliás, a Universidade foi outro problema. Quando a reitoria ficou sabendo do caso de overdose quase fui expulsa, só não aconteceu porque Poncho jurou que eu havia “tomado sem saber” e Christian alegou que eu não tinha um histórico plausível que justificasse uma expulsão. Porém para provar que se tratava apenas de um caso isolado, eu tinha que me submeter a um exame, uma espécie de anti-dopping, a cada dois meses. Era óbvio que eles diferenciavam um remédio comum de outras drogas, mas era um saco ter que ficar prestando contas, ainda que eu merecesse é claro.

Mas tudo isso era passado. Eu tentava a cada dia esquecer que tudo aquilo havia acontecido, porém a única coisa que conseguia era passar levemente por cima. A simples presença de Alice deixava muito claro que nunca seria tão fácil deixar o passado.

E agora eu estava com medo... Depois que Alice e Diego saíram de nossas vidas, eu e Poncho fizemos uma promessa. Não voltaríamos a falar, pensar e muito menos nos envolver com aqueles dois, mas agora me vinha a duvida: Poncho cumpriria mesmo a sua parte? Até quando? A situação entre ele e Liz tinha ficado muito mal resolvida e eu tinha medo que ele       quisesse voltar atrás.

Balancei a cabeça tentando tirar aquelas imagens da minha cabeça. Embora estivesse com um dos braços engessados achei melhor levantar e fazer alguma coisa antes que ficasse louca.

Me espantei ao ver pela janela da cozinha que já havia anoitecido. Como não conseguia fazer grande coisa, resolvi fazer um chá. Com muita dificuldade, peguei a xícara, o pote e pus a água pra ferver. Enquanto esperava tentei não pensar em mais nada.  

A porta da cozinha se abriu e mesmo sem olhar eu já sabia quem era. Não era um pressentimento e sim uma certeza. Apenas nos fitávamos, as palavras ainda que fossem necessárias, pareciam não ser capazes de saírem da minha boca e muito menos da dele.

DespretensiosaOnde histórias criam vida. Descubra agora