Capítulo 23. Tudo ficaria bem

861 121 13
                                    

Hemilton, Gruffin – 1829.

Quando Grace pressionou o pano contra a ferida, Caleb não reagiu. Péssimo sinal. Isso queria dizer que provavelmente aquela parte já estava muito afetada pela infecção. A ferida de bala não era algo bonito, não era um corte uniforme como um de faca, era como se a carne tivesse se rasgado, e aquele tinha a profundidade de um dedo.

Ela esfregou o pano contra o machucado até que um pouco de sangue começou a verter dali. Ótimo. Caleb soltou um lamurio quase inaudível e se debateu contra os pulsos firmes de Thomas, que seguravam seu peito. O sangue que vertia não era nada mais que o pus avermelhado da ferida, translucido e amarelado.

- O láudano. – Grace disse. – Vamos dar um pouco a ele antes de continuar.

Ela pegou o frasco sobre a mesa de cabeceira e a colher que a criada havia trazido, despejou um bom tanto na colher e levou aos lábios do marido, que Emma já tinha conseguido faze-lo abrir.

- Não é muito? – indagou Emma. – Quando Thomas usou, o médico disse que pode causar malefícios se dado em excesso.

Grace abriu um sorriso.

- Já vi homens muito mais esguios tomarem todo o vidro e continuarem perfeitamente bem. – Ela deu de ombros. – Caleb pode aguentar uma boa dose de láudano, o único problema é ficar viciado na droga.

Emma apenas assentiu, mas parecia desconfiada. Grace pegou a pequena faca que as criadas haviam trazido, do tamanho de um abridor de cartas e com uma lâmina de um modelo estranho que Grace não se importou em catalogar, enfiou-a na água quente para desinfeta-la e olhou para seus ajudantes.

- Esta é a pior parte. – Avisou. – Ele vai se debater muito e provavelmente até acorde, mas tudo que dirá será fruto dos delírios da doença, não o solte em hipótese alguma.

Thomas assentiu, engolindo em seco.

Grace levou a lâmina ao ombro dele, próximo do corte, e fez um pequeno furo na pele. Caleb urrou de dor e se debateu, mas Thomas o segurava com força. O pus da infecção começou a verter ali também e Grace usou outro pano para limpar a sujeira.

Ela levou a lâmina para um ponto um pouco mais distante do corte e pressionou com determinação, mas sem muita força, contra a pele dele. Outro urro de dor escapou da garganta de Caleb e ele abriu os olhos, revelando aquele azul profundo, mas dessa vez ele não se debateu apenas, usou o braço esquerdo para desferir um golpe certeiro na orelha de Thomas, que se desequilibrou e quase caiu para o lado, mas Emma o segurou.

- Isso também é normal? – indagou ele, olhando para Grace.

Ela encolheu os ombros.

- Bem, eu disse que ele reagiria. Acho que deveríamos ter imobilizado o braço bom também. Sinto muito.

Thomas balançou a cabeça em negativa, colocando-se de volta no seu lugar.

- Acho que deveríamos cobri-lo pelo menos da cintura para baixo. – disse Thomas, de forma educada. – Um cavalheiro não gostaria de ficar exposto desta forma enquanto está enfermo, e o médico não precisa ver todo o corpo dele. Pode ser constrangedor.

- Se ele sobreviver, pode ficar à vontade para se sentir constrangido pelo médico e os criados terem visto as pernas dele. – Grace disse secamente e posicionou a lâmina em outro lugar. – Segure firme. O braço também.

- Gostei dela. – Emma declarou com um sorriso orgulhoso nos lábios, olhando para o marido, como se dissesse "Gostei deste filhote, vamos leva-lo para casa e chama-lo de Rubby."

- Eu sei, querida, eu sei. – disse ele com um sorriso insolente e olhou para Grace.

Grace não esperou mais, fez outro furo no ombro de Caleb, desta vez torcendo para ele desferir um golpe em algum dos dois, apenas para compensar o fato de que falavam como se ela não estivesse ali ou não soubesse que falavam dela. Para a tristeza dela, Caleb apenas sacudiu a cabeça e se debateu contra os dois que o seguravam.

Paixão ao pôr do solOnde histórias criam vida. Descubra agora