capítulo 2 Prisioneiro

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  Numa floresta escura e assombrada por almas perdidas, havia uma cabana de cuja chaminé subia uma fumaça escura. Uma mulher velha remexia num caldeirão como um cliché quando alguém bateu à porta. Ela reconhecia as batidas e já abriu a porta sorrindo.
– Como vai, Kajinski! Não esperava vê-lo tão cedo!
  Kajinski entrou, desconfiado. Se a bruxa não sabia prever que ele poderia aparecer, como poderia prever outras coisas?
– Sente-se! Estou fazendo uma sopa de cogumelos!
  Ela serviu a sopa para o troll que torceu o nariz.
– Não vim aqui para comer, velha.
 – Você está tão mal humorado, seu velho diabo... O que houve? Achei que agora que conseguiu que o último membro da realeza assumisse o trono, seus problemas tinham acabado...
  A mulher de cabelos crespos e esvoaçantes, já meio grisalhos,     sentou-se diante dele e mergulhou um pedaço de pão na sopa quente.
– O problema é que ele anda tendo sonhos com sua vida como humano. Quero saber se há o risco dele se lembrar de tudo.
– Hum... Entendo... Trouxe meu pagamento?
  Kajinsky retirou um saquinho de seu manto e entregou para a mulher que o pegou e abriu com ansiedade. Pedras coloridas brilharam à luz da lamparina sobre a mesa.
  – São lindas! Mas muito pequenas! Veja se me traga pedras maiores da próxima vez, seu troll pão duro!
  O troll bufou, mas a mulher nem ligou. Começou a olhar para a sopa diante dela e a dizer palavras que ele mal ouvia.  Então, ela começou a dizer o que via em seu próprio prato.
– Bem... As lembranças dele querem voltar... Se voltarem, ele mudará. Voltará a ser o que era. É isso.
  E então ela voltou a comer.
 – Ele não pode se lembrar!!! Kajinski bateu na mesa. – Vai colocar todo o meu plano a perder!
  A bruxa nem piscou, continuando a saborear sua sopa.
– É muito simples, meu caro Kajinski. Basta que você alimente nele as memórias que o fazem ser um troll. E afaste toda e qualquer lembrança
do que ele já foi. Com certeza, há coisas e pessoas que vão despertar o melhor nele. E o melhor nele é o que você não quer.
  Kajinski olhou longamente para um canto escuro. Havia alguém em especial andando pelo reino que certamente despertaria o passado de Zac.
  E essa pessoa seria um perigo constante enquanto caminhasse  livremente por aí...

     *****

  O caminho foi desconfortavelmente silencioso até a Cidade dos Ventos. Aparentemente, cada um estava imerso em seus próprios pensamentos e sentimentos. Não demorou muito a avistarem a cidade. Caminharam entre as pessoas – ou o que quer que fossem – numa rua movimentada como dia de feira num domingo. Era uma cidade bem maior do que a Vila das Fadas D’Água, com grandes construções em estrutura
greco-romana e centenas de pessoas caminhando por suas largas ruas.
– É o lugar ideal para desaparecermos na multidão – disse Bran.
  E nesse exato momento, uma guarda élfica foi avistada ao fim da rua onde caminhavam. Arregalaram os olhos ao identificar os uniformes dos soldados de Asram. Bran imediatamente puxou as meninas para uma rua lateral, onde podiam se esconder nas sombras.
– Estão procurando pela gente? – perguntou Analice.
– Não, estão comprando meias-calças!   – respondeu Bianca. – É claro que estão procurando a gente!
– Vamos ter que ser cuidadosos. Venham!
  Bran as guiou até uma loja de roupas, perucas e sapatos cuja vitrine mostrava um chapéu engraçado com um manto, numa combinação meio estranha. Meia hora depois, saíram os três de lá com outras roupas. Analice escolheu também um chapéu com uma aba que ocultava parte de seu rosto, já que os guardas certamente a reconheceriam imediatamente se a vissem.
  Bran preferiu um manto com capuz, muito utilizado por viajantes em geral.
Já Bianca preferiu se vestir de homem. Prendeu o cabelo e o escondeu dentro de uma boina, sentindo-se muito confortável com as calças e o colete sobre a camisa de algodão.
– E agora? – perguntou Analice.
 – A mulher da loja me disse que tem um homem muito velho na cidade que sabe de todos os seres abissais do reino. Vamos até ele. Provavelmente, ele saberá nos indicar onde fica o Castelo de Frabatto ou as horríveis referências que Bianca tem do lugar.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora