capítulo 23 A canção das fadas

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  A conversa no celeiro seguiu o rumo de algo parecido com um plano. Pé de Vento fora escravo tempo o bastante para saber algumas coisas sobre esse bizarro mundo escravocrata e isso poderia ajudá-los bastante.
– Então esse Klaus domina as arenas... – disse Marcel.
– Não é a única coisa que ele faz, mas é sua especialidade – respondeu Pé de Vento. – Ele também vende escravos para piratas e para as minas de kobolds.
– Como vamos saber para onde mandaram Urbain? – perguntou Marcos.
– Descrevam o seu amigo – pediu Pé de Vento.
  Antes que Lorena e Marcel abrissem a boca, Marcos resumiu as virtudes de Urbain Grandier.
– Alto, forte, bonito, arrogante, quizumbeiro, encrenqueiro e teimoso feito uma mula.
  Pé de Vento não precisou pensar muito.
– Arena, com toda a certeza!
– Você sabe chegar lá? – perguntou Lorena, com Eileen sentada em seu colo brincando com uma florzinha de sete pétalas da cor do céu.
– Sei. Podemos partir agora.
– É muito longe? – perguntou Marcos.
– Um pouco – respondeu Pé de Vento, levantando-se. – Uns cinco dias daqui. Se pegarmos alguns atalhos, fazemos em três.
– Melhor em três então – decidiu Lorena. – Precisamos ir rápido.
– Acha que conseguimos comprá-lo desse tal de Klaus? – perguntou Marcel.
  Pé de Vento fez uma cara séria.
– Infelizmente, não há nada que não possam comprar naquela cidade.
  Marcel abriu o mapa e Pé de Vento mostrou onde precisavam ir e qual a rota que fariam. Com tudo combinado, se prepararam para partir.
  Recolheram as coisas e Lorena pegou a mão de Eileen. Juntas, seguiram para a porta do celeiro, onde o sol já cobria as verdejantes pradarias.
– Quando vamos ver Ban?
  Lorena olhou para a pequena menina fada que olhava para ela enquanto caminhavam para os cavalos.
– Em breve, meu bem, em breve... – respondeu Lorena.
  A menina não pareceu acreditar. Baixou o rostinho triste olhando para as pedrinhas sob seus pés.
– Eileen com saudades...
  Lorena se abaixou e a olhou nos olhos.
– Eu sei, minha linda fadinha... – disse ela, com um sorriso. – Eu também estou com muitas saudades. Mas nós vamos encontrá-lo e quando o fizermos, vamos abraçá-lo bem forte para que nunca mais vá embora! Vamos fazer um grande bolo de chocolate com cobertura e pipoca quentinha, e vamos ver filmes juntos, ir à praia, passear na floresta, ir ao parque e compensar todo esse tempo perdido.
  Ela ajeitava o cabelo da fadinha enquanto falava, imaginando se poderiam mesmo fazer tudo aquilo, não porque tivesse alguma dúvida sobre encontrar seu marido, pois tinha certeza de que o encontrariam. Mas a verdade é que não sabia como iriam voltar para casa. E se voltassem, o que fariam com a fadinha? Poderiam levá-la também?
– Tudo pronto?
  Lorena viu Marcel montando no cavalo, garboso e elegante como ele sabia ser. Marcos vinha logo atrás com sua mochila cheia de cacarecos que ele acreditava terem valor quando voltassem ao seu mundo.
– Onde está Pé de Vento?
  Olharam em volta e perceberam que o índio tinha sumido.
– Iiiih... – falou Marcos. – O vento levou!
  Ao som de galopes, Pé de Vento chegou. Tinha um cavalo também.
– Onde conseguiu o cavalo?
– Troquei.
– Pelo que? Você não tem nada?
  O rapaz abriu um grande sorriso de dentes muito brancos e contra o sol ele ficou parecendo algum pôster de filmes para meninas de 15 anos.
– Tá, deixa pra lá! – Marcel desistiu de saber como ele conseguira o cavalo. – Vamos embora.

   Saíram a galope com o sol nascente às suas costas, esperando que Pé de Vento soubesse para onde estavam indo.
  Algumas horas depois, numa colina verdejante, fizeram uma parada para esticar as costas e descansar os cavalos. Eileen brincava com dentes de leão que voavam e faziam desenhos. Lorena admirava a vista. A relva de um verde brilhante era suave e mudava de cor conforme o vento a tocava. Abaixo, via um rio que brilhava ao sol, se tornando dourado, uma floresta e, muito a frente, montanhas azuis com picos de neve. Acima deles apenas um céu azul com algumas nuvens esparsas alaranjadas.
– Este lugar é lindo demais!
  Lorena olhou para o lado e viu Marcos, admirando a paisagem ao lado dela.
– Não é incrível que possa ter tantas coisas terríveis em um lugar tão bonito? – continuou ele.
– Não é diferente do nosso mundo... – respondeu Lorena. – Lá também há coisas belas e coisas terríveis. É estranho imaginar que a mesma espécie capaz de criar uma sinfonia pode também causar sofrimento em outros seres.
– Belo ou cruel, não importa... – disse Marcel, chegando ao lado deles. – Tudo o que eu quero é recuperar nossas pessoas perdidas e voltar para casa.
– Vocês não são daqui.
  Aquilo não foi uma pergunta. Foi uma afirmação. Eles se viraram para Pé de Vento, que estava deitado na relva, esticando as costas ou olhando o céu, ou ambos. Não sabiam de fato porque ele estava deitado. Pé de Vento se levantou e ficou sentado olhando para eles.
– Eu suspeitei. Não são daqui. De onde vocês vieram?
O trio trocou olhares.
– Somos do mundo real – respondeu Marcel.
  Pé de Vento riu.
– Aqui o mundo é real!
– Ele quis dizer que viemos do mundo dos humanos.
  Pé de Vento arregalou os olhos levemente numa expressão de surpresa contida.
– Como vieram parar aqui?
– Os trolls sequestraram um amigo nosso – Marcos contou. – Nós viemos atrás dele. Aí, quando chegamos aqui, deu tudo errado e nos separamos e estamos até agora tentando achar uns aos outros.
– Vocês conhecem as regras, não conhecem? – perguntou Pé de Vento, vendo que aqueles três sonhavam com uma volta que ele não tinha certeza se era possível.
– Não podemos comer ou beber nada daqui e não podemos beijar um ser deste mundo, ou ficaremos presos aqui para sempre – contou Lorena. – Sim, nós conhecemos as regras.
– Felizmente, ganhamos um presente de umas fadas d’água e podemos comer e beber de tudo – completou Marcos.
  Marcel se afastou do grupo e foi até seu cavalo. Marcos se aproximou de Pé de Vento e continuaram a conversa, enquanto Lorena foi até Marcel, percebendo que algo o aborrecia. Ela tocou em seu ombro.
– Nós vamos dar um jeito – disse ela com a suavidade que lhe era característica.  – Você vai voltar conosco!
  Marcel a olhou por alguns momentos e ela não soube exatamente o que passou pela sua mente. Então ele sorriu e concordou levemente com a cabeça. O descanso acabou e retornaram à caminhada, durante a qual Pé de Vento ficou sabendo um pouco mais sobre aquela estranha família que se perdera no mundo das fadas.

***** 

  Bianca, Analice e Bran estavam felizes com a presença das fadas. Não só porque era o que tinham planejado, mas porque era belíssimo. Elas mediam cerca de 20 centímetros e volitavam em volta deles, com suas asas brilhantes e seus corpos emanando um brilho próprio. Elas preencheram o lugar de cores e era impossível não se deixar envolver por aquele momento de magia onde o impossível os cercava em todas as cores.
– Amigas aladas, precisamos de sua ajuda! – disse Bran.
– Em verso! – disse uma delas.
  Eles não entenderam de pronto.
– Rimando! – pediu outra.
– Cantando! – ordenou uma fada de asas violetas.
  Bianca não entendeu muito bem, mas obedeceu.

– Fadas, fadinhas, da sua ajuda precisamos!
  Na Colina dos Amores Perfeitos precisamos chegar
  Por isso para vê-las nós cantamos e dançamos
Esperando que vocês pudessem nos ajudar!
 
As fadas voaram felizes, soltando risadinhas e batendo palmas, deixando Bianca orgulhosa.
  – Peçam rimando, peçam cantando! Se gostarmos, seu desejo realizamos! – disse uma fadinha com guirlanda de flores na cabeça.
Analice se pronunciou.
– Temos pressa e nossa causa é nobre!
Queremos impedir uma guerra de espadas
  Não pedimos ouro, nem prata, nem cobre Apenas que nos indiquem um círculo de fadas!

  Mais risadinhas felizes ecoaram pela floresta. Aparentemente, versinhos para elas era uma grande diversão.
– Venham com a gente, o caminho mostraremos!
  Para o círculo de fadas que um portal abrirá Para na Colina dos Amores Perfeitos Mais perto poderem chegar.

  As fadas voaram em grupo e eles correram atrás delas, pegando atrapalhadamente as bolsas que estavam no chão. As fadas voavam no crepúsculo espalhando uma alegria juvenil e cores brilhantes num caminho de sonho que eles seguiam correndo e saltando. Eles começaram a rir também, contagiados pela alegria do povo pequeno.
  Correndo entre as fadas, Bianca viu Analice sorrindo e sorriu também. As moças riram porque aquele era um momento único e elas se lembrariam dele para sempre. Saltaram troncos de árvore, correram com seus vestidos esvoaçantes e sentiram o vento no rosto. Correr entre as fadas era como voar com elas.
  E de repente, chegaram.
As fadas circularam um local e perceberam um círculo de fadas, feito com cogumelos em um círculo perfeito, onde pequenas flores amarelas também nasciam, deixando o centro vazio. Então, as fadas se foram, tão repentinamente quanto vieram. O vento passou e a noite chegou, tudo num passe de mágica.
– Isso foi incrível... – murmurou Bianca.
– Nem acredito que funcionou! – exultou Bran. – Conseguiremos chegar muito mais rápido agora!
  Bianca abriu um grande sorriso.
– Viram? Quando esperamos o melhor, o melhor acontece! Esse lugar tem coisas maravilhosas também!
  E assim que Bianca disse isso, uma sombra voou entre eles. Analice foi jogada no chão e Bran recebeu um golpe que o jogou contra uma árvore.Bianca mal viu o que a agarrou e, mesmo se debatendo, não conseguiu escapar. Atordoados, Bran e Analice ainda gritaram por Bianca e tentaram correr atrás dela, enquanto um troll a levava voando por entre as árvores escuras.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora