capítulo 37 Reflexo

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  Bianca acordou com um raio de sol em seu rosto. Abriu os olhos rapidamente quando sentiu um bater rápido de asas diante dela. Ela achou que era um beija-flor. E era! Mas tinha uma fada montada nele. Eles ficaram diante dela por alguns segundos e então voaram para uma parte mais alta da árvore. Zac acordou e sorriu para ela.
– Vamos aproveitar a luz!
  Calçaram os sapatos e pegaram o manto que lhes servira de cama.
Ele a abraçou e desceram juntos até o pé da gigante árvore. Ele já ia embora quando ela perguntou:
– Não vai agradecer?
  Ele se virou confuso, procurando alguém além deles.
– À árvore! – explicou ela, como se fosse óbvio. – Ela nos deu pousada durante a noite, temos que agradecer!
  Ele voltou, meio perdido.
– Tá bom!
  Então ele se virou para a árvore e disse:
– Valeu!
– Não é assim!
  Bianca o puxou e colocou as mãos dele e as suas no casco da árvore.
– Agora, feche os olhos e sinta gratidão.
– Como é isso?
  Bianca respirou profundamente. Era como ensinar uma criança.
– Pense na noite que tivemos, no sono, na lua e se sinta feliz e mande essa felicidade para a árvore, pois isso não teria sido possível sem ela.
  Zac sabia que ela não ia sossegar até que ele fizesse aquilo, então fechou os olhos e pensou na noite. Poderia ter dormido em qualquer lugar, não via sentido em ser grato por ter dormido. Até que se lembrou do beijo que deu em Bianca. Nesse momento, seu coração se encheu de algo precioso, como se ele mesmo estivesse transbordando do néctar mais doce. E aí ele entendeu que isso era gratidão.
  Bianca também agradeceu.
– Quem lhe ensinou isso? – perguntou ele, quando voltaram a caminhar pelo bosque dourado.
– Você! – respondeu ela. – Quando me guiou aqui da primeira vez.
  Zac sorriu, achando aquilo tudo incrível. Nunca parara para pensar em de onde vieram, ou para onde iriam. Era surpreendente que tivessem vindo de tão longe e ainda não tivessem limites para onde pudessem ir.
– Você tem alguma ideia de onde podemos achar esse círculo de fadas?
– Eles costumam ficar perto de flores de fadas, como dedaleiras... – disse Zac, olhando em volta.
  E seguindo rastros de flores, eles não demoraram a encontrar o que estavam procurando.
  Ficaram parados olhando para o círculo de pedras e cogumelos branquinhos.
– E agora? – perguntou Bianca.
– Sei lá! – retrucou Zac. – Achei que soubesse! Os amigos são seus!
  Bianca colocou a mão no queixo pensando em como seria bom ter um celular nesse momento.
– Sabe o que seria ótimo? – disse ela, desiludida. – Que eles aparecessem na nossa frente nesse exato instante!
  E então, Analice e Bran apareceram no círculo de fadas bem na frente deles.
– Puxa! – espantou-se Zac. – Você é boa!
– Bianca!!! Você está viva!
  Analice saltou num abraço para a amiga.
– Claro que estou!
– E você achou o Zac! – disse Bran.
– Pois é! Mas o pó do espelho das almas ficou com você! – explicou Bianca. – Ainda está, né?
  Analice remexeu na sua bolsa e pegou o saquinho vermelho, para alívio de Bianca e Zac.
– Ótimo! Vamos fazer isso logo! – disse Zac.
  Ele se colocou parado a alguns passos dele, nitidamente ansioso. Bianca respirou fundo. Era a hora da verdade. Ele poderia voltar para ela. Ou não. Poderia escolher ser um anjo. Poderia voar para longe de uma vez por todas.
– Você verá suas vidas passadas e então é só escolher a vida que você quer ter agora – explicou Bianca.
– Está bem! Ande logo!
  Bianca meteu a mão no saquinho e puxou um punhado de pó cor de prata e brilhante. E então jogou na frente dele, esperando que funcionasse.
  O pó fez um desenho de redemoinho e se uniu em raios de luz prateada, como uma teia. E então, num brilho único, transformou-se em um espelho flutuando diante dele, fino como um cílio e numa perfeição de imagem que parecia real.
  Então, Zac, Bianca, Analice e Bran começaram a ver a imagem de Zac desaparecer e o viram se transformar num troll. Não no troll bonitão que ele era agora, mas numa criatura bem esquisita e grotesca. Ele voava e sequestrava humanos e fadas, sempre sob o comando de seu irmão, que Bianca gelou em ver de novo.
  O momento em que algo mudou dentre dele, quando ajudou o humano prisioneiro da Corte Unseelil, foi seguido por um céu azul de construções magníficas. Bran não conseguiu prender um “UAU” ao ver tamanha beleza em um lugar acima das nuvens. Ele se viu como um elemental do ar, em uma forma cada vez mais suave e delicada, a serviço dos anjos de Raphael. A seguir, ele ganhou forma e asas. Viu sua missão ao lado de Bianca e sua morte. E aquilo foi um choque, pois foi como morrer de novo. Analice levou a mão à boca, suprimindo uma expressão de espanto e Bianca sentiu os olhos se encherem d´água.
  E então o espelho mostrou o universo, espirais de estrelas e dois anjos a sua volta. E a seguir, ele era um humano. Um humano qualquer, um humano normal, um humano ordinário, o que era tudo o que ele gostaria de ser.
  Em sua mente, fez sua escolha com tanta força e certeza que até na lua o ouviriam.
  A imagem no espelho ficou esmaecida, assumiu a cor violeta e então mostrou novamente seu reflexo.

  Seu sorriso de ansiedade se desfez. Era seu reflexo, ainda como um troll. Nada mudara.
  Bianca deu um passo a frente, estupefata.
– Não pode ser! Você não fez direito!
– Eu fiz! – defendeu-se Zac. – Eu pensei na minha escolha!
– Então não era para pensar! Era para dizer! Diga!
– Eu escolho ser humano! – disse Zac.
  Bianca o olhou com surpresa e um sorriso. Mas ele logo se apagou quando voltou a ver a imagem no espelho ficar violeta e voltar a mostrar o reflexo dele como o que ele era naquele momento: um troll.
  Os olhos de Zac se encheram d’água. Seu rosto se contorceu. Num golpe de fúria, deu um murro no espelho e este se desfez em milhares de pontos luminosos que desapareceram no ar.
  Bianca olhou para o saquinho em sua mão, atônita e desapontada.
– Foi isso mesmo o que Frabatto disse? – perguntou Analice.
– Será que erramos em alguma coisa? – disse Bran.
– Nosso erro ... – respondeu Zac, cabisbaixo.
  Ele se virou para eles com olhos muito magoados.
– ...foi acreditar que alguém como eu podia ser mais do que é.
  E então bateu asas e desapareceu acima das copas douradas. Bianca ainda o chamou, mas ele não voltou.
Bianca teve uma vontade quase incontrolável de jogar aquele saquinho, que ainda continha pó, contra o tronco de uma árvore, mas sabia que isso não ia resolver nada.
– O que fazemos agora? – perguntou Bran.
  Bianca pensou um pouco.
– Precisamos levá-lo ao Frabatto.
– Mas ele...
– Ele vai voltar! – respondeu Bianca. – Mas precisamos dar um jeito em Asram também.
– Como assim? – assustou-se Analice. – Vamos matá-lo?
– Não, Analice! Não queremos matar ninguém!
– O Zac quer! – completou Bran.
– Sabe? – disse Bianca olhando para ele. – Eu gostava mais quando você era quietinho e quase não falava!...
– O que você tem em mente? – tornou Analice.
  Bianca começou a andar pelo lugar.
– Analice, quem mandava naquela bagaça eram os pais de Asram, certo?
– Sim, o rei Oldebaran e a rainha Nístika.
– E onde eles estão?
– Foram visitar um reino vizinho para um casamento.
– Essa visita ia demorar muito? – perguntou Bianca.
– Algumas semanas. Ainda não teriam voltado.
– Não tenho certeza disso – disse Bran.
  As meninas olharam para ele.
– Quando Asram capturou vocês e Zac virou um troll, achei que tinha que avisar ao rei e à rainha sobre o que estava acontecendo – explicou Bran. – Mas eu não podia usar os meios padrões, ou Asram ia me jogar no calabouço por traição.
– O que você fez? Mandou um e-mail? – perguntou impaciente Bianca.
  Bran não tinha ideia do que era um e-mail, mas ele não entendia metade das coisas que Bianca falava mesmo, então prosseguiu.
– Eu mandei um silfo levar o recado para eles.
– E aí?
– E aí que nós fugimos logo depois e eu não tive como pegar nenhuma resposta!
– Como você faz para pegar a resposta?
– Vou até ao local onde o silfo mora e o chamo com um encantamento e o pagamento.
– Onde é isso? – perguntou Bianca, tramando um plano em sua cabeça.
– Não muito longe daqui – respondeu ele.
  Bianca andou mais um pouco. Então parou e tomou sua decisão.
– Vocês dois vão até o silfo e tentam descobrir qual foi a resposta do rei e da rainha.
– E você? – perguntou Analice.
– Eu vou levar Zac até Frabatto. Ele saberá o que fazer.
– Sozinha? – retrucou Bran. – Não é seguro!
– Bran, nós estamos nas portas de uma guerra entre trolls, humanos e elfos! Isso vai ser uma carnificina se não impedirmos. Eu estarei bem, acredite! Vão e vejam se o rei e a rainha concordam com os desmandos do filho deles!
  Analice abraçou a amiga. Trocaram de bolsas e se abraçaram de novo. Então os dois saíram correndo, pois Bianca estava certa. Não tinham muito tempo.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora