capítulo 17 Notícias ruins sempre nos encontram

14 3 0
                                    

  Urbain e Edward correram com seus cavalos recém roubados para longe por alguns minutos, mas sabiam que não podiam manter aquele ritmo sem correr o risco de cair num precipício, num buraco, num lago ou que os cavalos tropeçassem e sofressem um acidente. A lua iluminava certas partes do caminho, mas em outras, ela era encoberta por nuvens que não estavam colaborando com a fuga no meio da noite.
  Acharam uma caverna e levaram os cavalos para dentro.
  – O que fazemos agora? – perguntou Edward.
  – Esperamos – respondeu Urbain, sentando-se.
  – Nem acredito que conseguimos! –   Edward parecia ter recuperado a confiança perdida.
  – Às vezes, só é preciso tentar – 
concluiu Urbain, procurando descansar um pouco.
Na manhã seguinte, Urbain e Edward estavam prontos para partir. Só não sabiam exatamente para onde.
  – Bem, eu preciso voltar para meu
capitão e minha cidade – disse Edward.  – Eu lhe serei eternamente grato.
  – Essa fuga não teria sido possível sem você, então não me agradeça – respondeu Urbain, aceitando o cumprimento de mão.
  – E você? Para onde vai agora como homem livre?
  Urbain olhou em volta. A verdade é que não tinha a menor ideia de onde estava e mal tinha ideia de para onde ir.
  – Preciso chegar à Vila das Fadas D’Água. Sabe onde fica?
  – Desculpe, não conheço. Gostaria de poder ajudar mais...
  E então Edward seguiu seu caminho. Urbain alisou seu cavalo, vendo seu companheiro de fuga desaparecer no sol amarelo da manhã.
  Talvez devesse ter seguido com Edward, até ao menos ter um mapa. Ele levantou a cabeça. Um mapa Lembrou que havia um mapa nas mãos do homem negro que os levava. Bastava voltar à carroça e pegá-lo!

  Montou no cavalo e partiu na direção da carroça, onde deixara seus captores acorrentados a uma árvore. Esperava que ao menos os escravos que deixara livres tivessem aproveitado a oportunidade e sumido dali.
  Pouco antes de chegar ao lugar, desceu do cavalo. Queria saber se os homens ainda estavam presos e se era seguro, pois a última coisa que queria era voltar para os grilhões. E foi aí que alguma coisa aconteceu. Sem saber como, sem saber por que, ele simplesmente se perdeu. Sabia que o local deveria estar a apenas alguns metros dele, mas ele simplesmente não o encontrava. Começou a andar em círculos. Achava o caminho e a seguir o perdia. Seus pés estavam doendo e começava a experimentar a velha ira que o consumia. Pela posição do sol, passaram-se horas e ele simplesmente não conseguia achar o caminho para a carroça, nem o caminho de volta à caverna.
  Sentou-se numa pedra, cansado. E foi quando ouviu gritos. Levantou a cabeça e ouviu passos na sua direção. Levantou-se com a espada em riste e viu Bianca correndo e olhando para trás. E então, um troll pousou diante dela e apertou seu pescoço.
  Ah, a boa e velha ira... A que o fez ser amado e odiado. A que o fez ser preso e perseguido. A que o fez defender a cidade de Loudun quando precisou. A que o fez inflamar sermões inspiradores contra injustiças. A que o fez criar muitos, muitos inimigos... Achou que ela estava controlada. Que bom que se enganou.

   ***** 

  Bianca sentiu a consciência voltar aos poucos. Achou que estava sonhando, mas quando abriu os olhos percebeu que as coisas podem, de fato, melhorarem.
  – Pai!!!
  E ela se agarrou em seu pescoço, chorando de felicidade, sentindo o abraço apertado de seu pai, que acabara de salvar sua vida.
  – Você está bem? – perguntou ele, também com olhos marejados.
  – Estou!
  Passos apressados fizeram com que Urbain se levantasse rapidamente com a espada em guarda. Bran e Analice estancaram ao ver o homem de preto com a espada para eles. Bran apontou seu arco. Mas Analice o acalmou.
  – É o pai da Bianca!!!
  Bianca se levantou, explicando ao pai que Bran era um amigo. E assim as armas foram baixadas.
  Uma breve apresentação e Urbain e Bran trocaram apertos de mão. Bianca olhou em volta, procurando por alguém.
  – Onde está Eileen?
  Se Bianca tivesse notado a expressão no rosto de Urbain, teria pressentido o pior, como Bran e Analice, que estavam olhando diretamente para ele na hora da pergunta. Urbain se viu numa situação muito difícil.
  Deveria quebrar o coração da filha e lhe contar a verdade? Ou deveria mentir e adiar a dor da perda injusta?
  – Ela está com você? – perguntou Bianca. – Ou a deixou em algum lugar?
  Urbain puxou a filha para um tronco caído onde alguns matinhos verdejantes cresciam teimosamente. Eles se sentaram e ele lhe contou o que aconteceu. Um pouco mais longe, Analice e Bran e viram Bianca desabar em lágrimas num abraço de acalento do pai.
 
  Urbain não era assassino. Mesmo em seu tempo em Loudun, quando ele era uma peste, nunca matara ninguém. Mesmo quando a vontade era grande, pois algumas pessoas não facilitam, isso nunca lhe passou pela cabeça. Depois, ele veio a ter que matar para não morrer, mas ele não considerava isso um assassinato. Era autodefesa e sobrevivência. Por isso ele se sentia diferente agora. Naquele momento, em que consolava a filha, seus olhos negros brilhavam e seu coração enraizava o desejo que já nascera quando aquela casa pegou fogo. Ele iria matar aqueles homens.

******* 

  Lorena, Marcos e Marcel seguiram Pé de Vento até a saída mais próxima. Esperavam que os homens caídos lá atrás não chamassem a atenção de alguém antes que estivessem fora dali. Aparentemente, pessoas roubavam e morriam com certa frequência, pois nada acontecera até que chegassem ao portão de ferro. Seguiram por um túnel até uma escadaria que os levou a um alçapão.
  Era um porão cheio de coisas velhas. Estava escuro e a luz da lua não chegava ali. Lorena tropeçou em alguma coisa, Marcos se assustou e Pé de Vento fez um SSSHHH!
  Obedeceram e fizeram silêncio, esperando os olhos se acostumarem com a escuridão. A porta se abriu e uma mulher trazia uma lamparina. Lorena colocou Eileen no colo, por precaução.
  – Quem são vocês e o que...
  Ela não terminou a frase, pois Pé de Vento lhe acertou um soco bem no meio do nariz, jogando-a para trás já desacordada e pegando a lamparina antes que esta caísse com ela.
  – Nossa, cara! Você é um grosso! – reclamou Marcos. – É só uma mulher!
  – É uma mercadora de escravos.
  – Ah... – compreendeu Marcos. – Então pode bater!
   Com a lamparina, subiram escadas mais iluminadas até uma casa onde homens e mulheres jogavam e bebiam. A porta de saída estava bem no caminho.
  – Se nosso amigo bonitão aí não tivesse socado a dona lá embaixo, poderíamos sair tranquilamente agora – sussurrou Marcel. – E agora?
Como saímos sem que nos vejam?
  Pé de Vento se transformou num pequeno ciclone e passou pela sala levantando cartas, copos, cadeiras e pessoas. Em alguns segundos, estavam todos no chão, tontos ou desacordados, e ele já estava na porta, chamando os outros, que correram para a saída.

  Correram para longe dali até uma estrada iluminada pela lua. Passaram pelo lugar onde deixaram os cavalos amarrados e os pegaram. Lorena e Pé de Vento dividiam um cavalo, enquanto Eileen seguia com Marcos. Quando já estavam a uma certa distância, decidiram se afastar da cidade, pois ela não parecia um lugar muito seguro, com tantas entradas para o Submundo.
  – E então? – perguntou Marcos para seu novo companheiro de viagem. – O que diabos é você?
  – Marcos, não seja grosso!!! – ralhou Lorena. – O rapaz está nos ajudando!
Pé de Vento não sorria muito. Mas dessa vez esboçou um sorriso.
  – Vocês não são daqui, são?
  – Não, somos de um mundo distante – resumiu Marcel. – Você deve ser daqui, imagino...
  – Sim, sou daqui. E sou humano, como vocês.
  – E como você faz essa parada esperta??! – perguntou Marcos, curioso, fazendo com a boca e as mãos uma imitação de um furacão.
  – Ganhei um presente dos silfos.
  – E como conseguiram te prender se você pode fazer isso? – perguntou Marcel.
  – O ferro das correntes corta meus poderes.
  – Que interessante! – exclamou Lorena, atraindo o olhar do rapaz. – Digo, interessante o seu poder, não a história do ferro!
  – Vejam! Uma fazendinha! – apontou Marcel.
  Caminharam para lá e viram que a pequena fazenda tinha um celeiro ao lado, onde dormia uma vaca e um cavalo.
  – Podemos dormir algumas horas aqui – sugeriu Lorena, vendo Eileen já apagada dormindo nos braços de Marcos. – Descansamos e ficamos longe de problemas.
  Todos concordaram. Faltavam poucas horas para o amanhecer e precisariam usá-las para um merecido sono. Seus dias não prometiam ficar mais simples.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora