capítulo 41 Tão perto do fim

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  A noite não foi das mais fáceis para Zac e Bianca. A ideia de um julgamento não lhes caiu muito bem. Mas ao menos era melhor do que os executarem de vez. Quando se está numa cela escura, onde a única luz é a lua por uma janelinha gradeada, pensa-se muito. Zac ainda estava todo dolorido, mas Bianca não o via reclamar. Ele parecia, no entanto, muito melancólico.
– Você está bem? – perguntou Bianca.
Estavam sentados juntos, apoiados um no outro, como sempre foi, e ele olhava longamente a lua na janelinha.
– Estou pensando na Lua Azul...
Bianca sorriu, lembrando da canção e do momento mágico chamado Lua Azul.
– A Lua das Fadas... – disse ela. – Foi como tudo começou, não?
– Eu gostaria que essa história tivesse um fim diferente...
– Ainda não terminou, Zac! Você é sempre tão pessimista, não sei como conseguiu esse emprego de anjo!
  Eles riram juntos. Estavam de mãos dadas, sentindo o calor um do outro.
– Se tudo acabar amanhã – disse Bianca, – nunca mais verei meus pais...
– Eu sinto muito...
– Não se lamente. Não é culpa sua. Mas, eu juro, se eu morrer, vou assombrar Asram até o fim dos dias dele! Vou ser pior que poltergeist ou aquela boneca do demônio, a Anabelle!
  Zac riu da ira da menina e então lembrou de uma história.
– Você conhece a história da Canção dos Quatro Ventos?
  Bianca disse que não, então ele contou.
– Há seres encantados que pertencem ao norte. São os gnomos e elementais da terra. Há os do Sul, que são as salamandras, elementais do fogo. Há os do Leste, silfos e fadas do ar. E há os do Oeste, ondinas e ninfas da água. Acredita-se que o vento traz a energia de cada um dos reinos de acordo com a direção de onde ele sopra, se os elementais estiverem em equilíbrio. Um vento do norte, por exemplo, traria prosperidade e riquezas. O vento do Sul traria coragem e vitória. O vento do Leste traria inspiração e amizade. E o vento do Oeste traria amor e emoção. Mas há uma lenda que diz que quando tudo está perfeito, em total equilíbrio, o vento sopra das quatro direções e em seu assobio, ele canta uma canção perfeita que realiza todos os desejos.
– Que bonito!...
  Ele se virou para ela e sorriu.
– Bianca, quando estou com você, eu ouço a canção dos quatro ventos. Não importa se estamos num parque de diversões, na casa da sua família, no cinema ou numa cela escura esperando um julgamento. Quando estou com você, tudo está perfeito. Sempre.
  E então ele a beijou e ela sentiu que lágrimas nasciam de seus olhos.
Quando se separaram, secaram as lágrimas no rosto um do outro.
– Talvez tudo acabe amanhã... – disse ela, em tom sério, mas calmo. – Eu entendo o que está acontecendo. Zac, eu quero mais! Eu quero crescer com você! Nós não temos nem 20 anos! Quero descobrir coisas com você, aprender coisas novas, viajar, viver novas experiências! Quero que você seja a última pessoa que eu vejo de noite e a primeira que eu vejo de dia.
Ainda há muita coisa... Tanta coisa... Quero ver os filmes mais mentirosos ao seu lado e torcer na próxima Copa pra gente não perder de 7 a 1!
– Eu também! – riu ele. – Eu também quero viver muitas coisas com você, Bianca! Você me faz rir e querer ir mais longe. Ir até outros mundos!
  Então ela calou por alguns momentos.
– Mas talvez isso não aconteça... – disse ela.
  Ele parou de sorrir e acariciou os cabelos dela, sem tirar os olhos de seu rosto.
– Eu sei...
– Mas que quero que saiba que se tudo acabar amanhã... – disse ela.
– Se tudo acabar amanhã, eu estarei muito feliz de ter vivido tudo isso com você. Não acredito que a vida se trate de quantidade. Acredito que se trate de qualidade! E eu tive a melhor vida que alguém poderia ter. E se eu tiver que terminá-la, que seja ao seu lado, porque ao seu lado eu também ouço a canção dos quatro ventos. Mesmo no último minuto.
  Eles se abraçaram e choraram por algum tempo. Depois, secaram as lágrimas e falaram sobre sua defesa. Tentaram dormir, mas não conseguiram. Então conversaram sobre a vida que gostariam de ter quando aquilo tudo acabasse.

****

  Para surpresa deles, o julgamento não seria realizado no castelo, mas ao lar livre. Havia uma bancada com o trono de Asram e cadeiras imponentes onde conselheiros respeitáveis se sentaram. Zac e Bianca logo avistaram dois postes. Bianca esperava forcas ou guilhotinas e não entendeu muito bem o que era aquilo. Preferiu não pensar nisso e focou sua atenção no que estava acontecendo diante dela.
  Ao redor deles, o povo estava assistindo, curioso. No final das contas, aquele mundo não era assim tão diferente do seu.
  Asram se levantou e começou o julgamento. Como esperavam, ele os acusou de tramar uma guerra desde a primeira vez em que estiveram em seu castelo, levando um dragão, um inimigo natural dos elfos, e insistindo em ficar mesmo quando foram instruídos a irem embora. Asram apontou o dedo para Zac, acusando-o de usar magia para se transformar num troll e assim incitar a guerra entre eles e a Corte Unseelil. Ele colocou todos os argumentos de forma inflamada e Bianca teve que fazer um grande esforço para não gritar que tudo o que saía de sua boca eram mentiras.
  Quando ele terminou, Zac se pronunciou de forma calma e contida.
Explicou que nunca tiveram a intenção de provocar nenhuma guerra.
Contou como foi sequestrado do mundo dos homens para assumir um trono que não queria. E que nada daquilo teria acontecido se não tivesse sido cruelmente torturado pelo príncipe Asram, o que despertou o pior nele e o transformou no troll que ele já foi.
  Bianca falou sobre como foi enganada por Asram e como ele tem sido covarde em suas ações que não condizem com um príncipe.
  A multidão fez silêncio quando eles terminaram. Foram palavras duras e os olhos de Asram brilhavam de ódio. Ele pediu aos conselheiros que dessem o veredicto. Os cinco homens discutiram brevemente o caso. E então, desconfortavelmente rápido, decidiram.
  Cada um foi dizendo seu veredicto.
– Culpados – disse o primeiro.
– Inocentes – disse o segundo, provocando um olhar de soslaio de Asram.
– Culpados – disse o terceiro.
– Inocentes – disse o quarto.
  Um burburinho se elevou na multidão. Restou ao último conselheiro o resultado final. O homem de longas barbas demorou um pouco e finalmente falou.
– Culpados!
  Bianca e Zac apertaram as mãos um do outro sem acreditar. Asram sorriu e se levantou, dando a ordem para que a execução fosse imediata. Guardas arrastaram os dois jovens para os postes que Bianca vira e os amarraram neles. Arqueiros se posicionaram e aí Bianca entendeu como morreria. O capitão mandou os arqueiros se prepararem.
  Bianca olhou a multidão, pasma, mas inerte. Quis gritar para fazerem alguma coisa. Quis gritar que não queria morrer. Mas então eles se olharam, ainda perplexos. E ela se acalmou. Ele sorriu, aquele sorriso de que tudo ia ficar bem. Ela sorriu também e olhou para frente, os olhos cheios de lágrimas. Olhou as montanhas no horizonte, o céu colorido e as árvores balançarem. Mergulhou na beleza daquele lugar e no amor que sempre sentiria. E deixou o medo partir de seu coração.
  A ordem foi dada e as flechas voaram. Zac fechou os olhos lentamente quando elas partiram. Bianca ficou de olhos bem abertos, pois não queria perder nem um segundo de vida. Se havia algum remorso naquele momento foi dos momentos perdidos com bobagens. Momentos de birra em que deixou de falar com seus pais, ou com algum amigo. Momentos em que preferiu jogar vídeo game do que estar com Cacau.
Momentos que escorreram pelos seus dedos e ela não fez nada para impedir, gastos na Internet, vagando tolamente sem se fixar em nada. Ah, se pudesse ter esses momentos de volta!...

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora