capítulo 14 ventanias

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   No castelo de Frabatto, Bianca, Bran, Analice e o mago conversaram sobre seus próximos passos. Agora, tinham posse de informações importantes. Sabiam que Urbain estava com problemas, que Lorena, Marcos, Marcel e Eileen estavam juntos e, aparentemente, bem. Sabiam que Zac podia voltar a ser o que era, mas não podia matar ninguém. Só não sabiam exatamente o que fazer.
  – Precisamos ajudar meu pai... –pensou Bianca, tentando estabelecer prioridades.
  – Sinceramente, Bianca –interrompeu Analice. – Eu conheço seu pai e ele se vira muito bem. Acho que precisamos nos concentrar no Zac. Se ele matar alguém, acabam as chances dele voltar a ser quem era.
  – E pior! – lembrou Bran. – Teremos um rei definitivo da Corte Unseelil e nada poderá deter uma guerra que afetará todo o reino.
  Bianca se virou na direção de Frabatto, como que procurando por uma resposta.
  – Pense no que é mais importante agora, minha amiga. Mas afaste o medo.
  Bianca respirou fundo e pensou por um momento. Abriu os olhos com uma decisão.
  – Vocês têm razão – disse ela. – Zac é a prioridade.
  – Como o encontraremos? –perguntou Bran.
  – Nas cercanias da Colina dos Amores Perfeitos – respondeu Analice.
  – É onde ele está atacando.
  – Puxa! Que ótimo! – riu Bianca. – Vamos voltar para a boca do leão! Temos que voltar para o reino de Asram!
  As janelas estremeceram e um assobio foi ouvido. Logo depois, uma janela se abriu violentamente e Frabatto se levantou para fechá-la. Ele ficou observando as árvores se revoltando lá fora enquanto nuvens escuras se aproximavam. Os jovens chegaram perto, olhando o retrato da tempestade que se aproximava.
  – Isso vai nos atrasar... – disse Bran.
  Frabatto tinha um ar sério, coisa rara no mago bonachão.
  – São os ventos no norte... –murmurou ele.
  – O que isso significa?
  O vento espatifou uma janela e um galho de árvore se partiu com a violência, O mago deu um longo suspiro, observando folhas e pássaros sendo levados pelos redemoinhos.
– Considerando a violência da ventania, nada de bom...

  ****

   Lorena, Marcos e Marcel caminhavam naquele estranho submundo buscando informações sobre um feiticeiro da lua negra que teria sido vendido como escravo. Apesar de não ter ligado para o escravo que fugiu, Marcel começava a se preocupar com o fim do dinheiro que Oisin lhe dera.
  – Restam menos de 30 moedas – disse.
  – Ainda temos as pepitas de ouro que achamos na casa incendiada – lembrou Marcos, segurando Eileen pela mão.
Marcel concordou com a cabeça e viu que Lorena conversava com um homem que lhe apontou uma direção. Logo depois, ela voltou com a primeira informação relevante.
  – Aquele homem disse que um feiticeiro da lua negra foi vendido há dois dias aqui.
  – Ele sabe quem o comprou?
  – Sabe, um tal de Klaus. Os homens dele o levaram.
  – Pra onde? – perguntou Marcos.
  – Meu dinheiro acabou e a memória dele também.
  Marcel deu suas moedas para Lorena e ela voltou ao homem. Minutos depois, ela voltou, o rosto apreensivo.
  – Eu sei para onde o levaram. Eles o levaram para as arenas.
 
  Eileen chamava a atenção. Não era um lugar para uma menina fada, ou uma fada menina, fosse lá o que ela fosse. Olhos de más intenções começavam a recair sobre eles. Pessoas que tinham algum cuidado com uma fadinha daquelas eram tidas como fracas, tolas ou ingênuas, e esse tipo de pessoa era sempre uma boa presa. Marcel foi o primeiro a sentir os pelos da nuca se eriçarem.
  – Lorena já tem as direções. Melhor sairmos daqui. Não é um lugar seguro.
  Ninguém argumentou. Começaram a procurar a saída daquele lugar, até que perceberam que estavam sendo seguidos. Apertaram o passo. Tentavam voltar por onde vieram, mas já não tinham certeza se estavam na direção certa. O lugar era enorme. Viraram à direita onde não deviam e se viram num beco sem saída, repleto de poças de sei lá o quê, e paredes de pedras escorregadias. Atrás deles, seis homens tão cheios de más intenções que transparecia em seus olhos. Um deles puxou uma corrente, o outro puxou uma faca.
  – Vão passando todo o dinheiro e talvez nós os matemos rápido... – disse o homem da faca, um sujeito de rosto sujo e alguns dentes negros. Lorena imediatamente passou Eileen para trás, mandando-a se esconder. A fadinha já conhecia essa rotina que Urbain lhe ensinara e logo achou um cantinho atrás de uma caixa velha abandonada e se abaixou. Com a menina fora do caminho, os três puxaram suas espadas.
  – São apenas seis! – disse Marcos. – Vai ser mole!
  Ao vê-los armados, o cara da faca gritou para trás:
  – Eles têm espadas!
  E então mais cinco homens armados surgiram.
  – Droga... – resmungou Marcos.
  – Há alguma forma de conversarmos sobre isso? – perguntou Marcel, que começava a ficar preocupado.
  Um chicote estalou perto de seu pé, o que o fez saltar. Os homens avançaram para cima deles e a luta começou. Lorena feriu dois homens, mas uma corrente se enrolou em sua espada, desarmando-a. Um chicote fez o mesmo com a espada de Marcos. Marcel usou sua espada para cortar o chicote que agora prendia o braço de Marcos, conseguindo libertar o amigo, mas um grito o fez parar. Lorena tinha uma faca no pescoço. Marcel paralisou.
  Era óbvio que se ele largasse a espada, não haveria chance para nenhum deles. No entanto, se não largasse, o que aconteceria com Lorena?
  De repente, o homem que segurava Lorena arregalou os olhos como se tivesse visto algo assombroso. E provavelmente viu. Lorena sentiu que a pressão em seu pescoço cedera e logo depois, o homem que a segurava caiu morto no chão com uma faca nas costas. Sem pensar muito, ela pegou a espada que tinha caído e correu para perto dos outros, ao mesmo tempo em que uma confusão se formara no meio de seus agressores.
   – O que é isso? – perguntou Marcos, que, como os outros, não conseguia entender o que estava acontecendo.
  Um furacão do tamanho de uma pessoa passava pelos homens e então eles caíam. Alguns feridos, alguns mortos. Estavam no subsolo. Não poderia ter um furacão de verdade. Em questão de segundos, seus inimigos estavam fora de ação. Alguns fugiram, outros ficaram pelo chão mesmo. E então, o furacão parou e surgiu a figura de um homem.
   – Pé de Vento???
   O jovem se aproximou.
   – Eu lhes devo minha liberdade – disse ele. – E não gosto de dever nada a ninguém. A dívida está paga!
  – Não está não! – Marcel se adiantou.
  Pé de Vento franziu o cenho. Como não? Não tinha acabado de salvar a vida deles?
  – Eu salvei suas vidas!
  – Nós estávamos indo muito bem, obrigado! – retrucou Marcel. – Se quer mesmo pagar a dívida, nos ajude a encontrar uma pessoa, um escravo
como você já foi.
  Pé de Vento pensou um pouco. Então concordou com a cabeça.
  – Ele foi levado por um homem chamado Klaus para as arenas – explicou Marcos, na esperança de que Pé de Vento soubesse ao menos uma direção.
  – Isso não significa nada para mim – respondeu Pé de Vento, acabando com as esperanças de Marcos.
  – Você sabe como sair daqui? –Perguntou Lorena, pegando Eileen
no colo novamente.
  O homem anuiu com a cabeça e correu, sendo imediatamente seguido pelos outros.

*****
  A ventania não trouxe chuva ou tempestade. Apenas um momento
de destruição e caos na natureza lá fora. Logo, as nuvens se dissiparam e o vento parou, voltando tudo a ser como antes. Mesmo assim, já era tarde e logo iria escurecer. Frabatto aconselhou-os a passarem a noite ali, pois a noite no mundo das fadas era perigosa e inesperada. O encontro com o Kelpie, o cavalo dos infernos, avivou a memória de Bianca sobre os perigos da noite e decidiram partir somente pela manhã.
  Bianca dividiu a cama com Analice no antigo quarto que dividira com Zac da primeira vez em que estiveram ali.
  – Esse lugar é incrível! – disse Analice. – Frabatto é incrível!
  – Sim, ele é – concordou Bianca.
  Ficaram em silêncio por alguns segundos, olhando o teto.
  – Você se lembra quando fazíamos isso na minha casa? – perguntou Bianca.
  Analice sorriu.
  – Nós víamos filmes de terror e sua mãe fazia pipoca quentinha com manteiga pra gente!...
  – E depois nós íamos dormir com medo e deixávamos a luz acesa! – riu Bianca.
  – E aí ainda ficávamos falando de histórias de fantasmas, ficando com mais medo ainda!
  Elas riram, imaginando que isso nem fazia tanto tempo assim.
  – Agora nós enfrentamos castelos assombrados ao vivo... – comentou Analice.
  Elas riram e suspiraram. A Lua iluminava o quarto e podiam sentir o
calor uma da outra.
  – Estou com medo, Analice... –confessou Bianca.
  A amiga a olhou com surpresa.
  – Você? Você não tem medo de nada!
  Bianca a olhou longamente mostrando sua vulnerabilidade.
  – Mas estou. Frabatto me fez ver que estava sendo consumida pelo medo. Me desculpe se fui ríspida ou bruta nos últimos dias. Você tem sido uma boa amiga e não tem culpa do que aconteceu com Zac. Mas o medo me transformou em outra pessoa. Uma pessoa pior.
  Analice abraçou a amiga.
  – Não pense nisso agora. Estamos aqui e estamos seguras. Vai ficar tudo bem...
 

  Cansadas, adormeceram. Na manhã seguinte, acordaram cedo e tomaram café. Frabatto lhes deu alimentos para a longa viagem, assim como um mapa. Nem podiam acreditar que estavam tristes em deixar um lugar que quase os matou de medo, embora fosse quase impossível associar o atual castelo de Frabatto, com jardins floridos e árvores frondosas, ao lugar em ruínas cercado por lápides e seres monstruosos. De qualquer forma, estava na hora de se despedirem.
   – Alguma chance de você vir conosco? – perguntou Bianca, achando que valia a pena a tentativa.
  Frabatto deu sua risada gostosa.
   – Outros assuntos me prendem aqui, meus amigos, mas sei que estarão bem e cumprirão sua missão com esmero.
  Ela o abraçou carinhosamente, sendo abraçada de volta.
   – Obrigada, meu amigo... – disse ela.
   – Não tem de que. E não se esqueça: não tenha medo.
   E assim eles partiram, retomando o caminho para a Colina dos Amores Perfeitos, onde esperavam encontrar um troll zangado e tentar não esbarrar em um elfo traiçoeiro ou qualquer um de seus soldados.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora