Epílogo

21 3 1
                                    

  Não se volta o mesmo de uma aventura como essa e agora a família que se reunia com constância compartilhava segredos e uma história inimaginável. A cadeira vazia de Marcel sempre foi sentida e não houve uma única vez em que seu nome não foi mencionado. Lorena, vez por outra, se flagrava chorando pelo amigo que deixou no outro mundo.
  Mas a vida continua e ela continuou. Zac saiu dos correios e resolveu tentar a faculdade. Bianca seguiu o mesmo caminho. Nenhum dos dois tinha certeza do que queria e era normal. Marcos os aconselhava:
– Não importa o que façam, divirtam-se sempre!
  O jovem casal decidiu fazer uma viagem para a Irlanda, onde aprenderiam inglês e conheceriam lugares novos, antes de mergulharem numa faculdade. Ninguém se opôs. Era mais do que claro que aqueles dois sabiam se virar. Trabalharam por quase um ano para ajudar a pagar a viagem, tiraram passaporte e fizeram planos.
  Às vezes, Zac era surpreendido por uma lembrança. Ele e Bianca passaram o ano tentando entender como a vida dele era possível ali no mundo dos homens. Chegaram à conclusão que não importava e que deveriam desfrutar a chance que lhes foi dada. Mal sabiam eles que Uriel tinha seus truques.

  Urbain e Lorena viam Bianca e Zac começarem a alçar voos cada vez mais distantes e mais longos. A lembrança de Eileen e a ausência de Marcel deixaram um buraco permanente neles e ambos sentiam isso. Até que um dia, Urbain se virou para Lorena numa tarde de domingo quando olhavam os pássaros nas árvores no bem cuidado jardim.
– Vamos ter um bebê?
  Lorena olhou para ele e se deparou com aquele sorriso que a conquistou. Ela também abriu um sorriso.
– Se você não quiser ter, podemos adotar! – continuou ele, sabendo o quanto a gravidez exigira de Lorena da primeira vez.
– Que tal fazermos ambos?
  E então se beijaram, fechando o acordo.

  Marcos não estava brincando quando falou do apartamento e carro de Marcel. Ele realmente se apossou e passou a morar lá. Usou o escritório para começar a escrever seu livro. Arrumou a mesa, pegou todas as suas anotações, pegou uma caneca de cappuccino, colocou uma música e... Nada aconteceu. Ficou diante da tela em branco. Começou 38 vezes e 38 vezes apagou a frase. Os dias se passavam e a tela continuava em branco. Marcos começou a desanimar.
  Aquele livro seria a realização de sua vida. Passara a vida se divertindo e levando a vida numa boa, mas agora sentia a necessidade de fazer algo relevante. Por isso queria escrever o livro, contar tudo o que viu e tudo o que ouviu. Bianca continuava desenhando e Zac gostava de pintar. Resolveu inserir os dois no seu projeto e fazer um grande livro ilustrado dos seres encantados.
  Porém, nada disso iria acontecer se ele não o escrevesse.
  No terceiro dia, a tela continuava em branco. A janela estava aberta.
Marcos não viu, mas sentiu uma brisa diferente. Olhou para a janela onde viu um passarinho colorido no batente. Ele tinha o peito laranja, o corpo azul real e o rabo vermelho, com uma crista amarela. Atrás de Marcos, Leanan Sidhe soprava seu brilho de estrelas, envolvendo-o por completo.
Ela olhou para a janela e sorriu para a menina fada sentada no batente, usando um vestido laranja e vermelho, com um laçarote azul real.
  E então Marcos voltou a olhar para a tela branca. Seus dedos começaram a se mover rapidamente pelo teclado e não pararam mais. Ele nunca mais viu uma tela em branco por muito tempo.

Um ano depois...

  Lorena não estava brincando quando disse que queria filhos. Entraram na fila de adoção e foram chamados para uma criança linda de quatro anos que muito lembrava Eileen. Logo depois, ela engravidou. Urbain estava orgulhoso e feliz e sentia que aquele era o melhor momento de sua vida.
  Numa noite, ele ouviu um barulho na cozinha. Levantou-se e verificou o quarto da pequena Amanda. A menina dormia tranquilamente. Ele a cobriu e beijou sua testa carinhosamente.
  Desceu as escadas e foi até a cozinha. Não havia nada. Pegou um copo com água e o levou. Ouviu outro barulho, dessa vez na sala. Mais cauteloso, caminhou até lá.
  Discerniu uma sombra com mais de dois metros e meio recortada no meio da sala. O coração acelerou. Acendeu a luz e perdeu a cor.
– Olá, padre...
  Urbain se assustou e derrubou o copo. Para sua surpresa, o copo parou centímetros antes de alcançar o solo e ficou paralisado. Ele voltou a olhar para o fauno ancião que continuava ali, no meio de sua sala, com um sorriso enigmático, tomando uma xícara de chá.
– O quê... o que você... – balbuciou Urbain.
  O fauno sorriu e seus olhos brilharam.
– Lembra que você me deve um favor? Pois bem... Vim cobrar...

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora