capítulo 16 A Feira Encantada na Estrada Assombrada

12 3 0
                                    

  Estavam a caminho da Colina dos Amores Perfeitos há cerca de uma hora, conversando sobre detalhes do plano que não tinham. Na bolsa de Bianca, o bem guardado saquinho vermelho do pó de espelho das almas era a esperança de tudo dar certo. De vez em quando, Bianca apalpava a bolsa de tecido para ver se ainda estava lá.
  Bran mantinha a atenção no caminho e em qualquer movimento suspeito. De vez em quando, paravam para ver o mapa e conferir se estavam na direção certa.
  – Quanto tempo levaremos para chegar lá? – perguntou Analice.
  – Se nada nos atacar e se encontrarmos aquele círculo de fadas, uns dois dias...
  – Eu estava pensando nisso! – disse Bianca. – Se acharmos um círculo de fadas, podemos economizar muito tempo!
  – Não é tão fácil! Precisamos saber para onde o círculo de fadas vai.
  Continuaram com suas conjecturas até que chegaram à velha estrada que costumava ser assombrada pelo gigante Jack, o Acorrentado. Era dia e havia ali uma espécie de feira de elementais, com goblins, duendes e gnomos vendendo frutas, caçarolas e bolos.
  Ninguém pareceu se importar com a presença deles e Analice logo se interessou pelo que estava sendo vendido. Bianca, no entanto, continuava olhando em volta, esperando um tremor assustador denunciar a presença do gigante assassino a qualquer momento.
  – Isso é tão estranho... – murmurou Bianca.
  – O que é estranho, menina? – perguntou um duende com cara marota.
  – Esta estrada costumava ser assombrada por um gigante horrível! E agora virou uma feira!
  – Ah, sim! Jack, o Acorrentado! – concordou o duende.
  – O que aconteceu com ele? – perguntou, curiosa, Bianca.
  – Ninguém sabe! O que importa é que ele não está mais aqui! Que tal comprar sapatos novos?
  – Olha! – disse Analice contente. – Um par de brincos!
  Bianca concordou que eram lindos e comprou três pedaços de bolo de uma gnoma. Não estava com fome, mas sabia que os seres encantados possuíam um código de comportamento muito diferente dos nossos e temeu que passar por uma feira sem comprar nada pudesse parecer falta de educação.
  Foram andando e comendo o bolo, observando a alegria da feira, onde alguns elementais tocavam instrumentos e outros dançavam rodopiando. Assim que terminou o bolo, Analice começou a colocar os brincos. E foi quando Bianca a viu fazer isso que sua mente se acendeu numa lembrança.
  – Eu conheço esses brincos! – disse ela, pegando um deles da mão da amiga.
  Bianca colocou o brinco diante dela para ter certeza.
  – Estes são os brincos que dei à Leanan Sidhe!
  – Quem? – perguntou Analice.
  – A fada da inspiração. Uma mulher desejada e muito difícil – respondeu Bran. – Você se encontrou com ela?
  – Me encontrei! Da primeira vez em que estive aqui, com Zac. Dei os brincos a ela em troca de...
  Bianca preferiria não ter começado a frase, mas agora que começara, teria que terminar.
  – Bom, em troca dela não beijar Zac!
  Bran e Analice não seguraram o riso. Era engraçado ver Bianca com ciúmes.
  – Vocês estão perdendo o ponto! –  ralhou Bianca. – Como os brincos que estavam com ela vieram parar nessa feirinha?
  – Podemos perguntar para quem vendeu! – sugeriu Bran.
  Eles se viraram para voltar e não havia mais feira nenhuma. Apenas a estrada enorme e deserta, com descampado ao redor e uma brisa fresca.
  – Eu odeio quando isso acontece... – reclamou Bianca.
  – É... – concordou Bran. – Eu também. Mas é comum que essas atividades de elementais surjam e desapareçam num piscar de olhos.
  Analice não se preocupou muito e colocou os brincos. Bran esqueceu o assunto. Bianca, porém, continuava encucada. Algo não estava certo.
 
  Assim que saíram da estrada, encontraram a floresta. Pela posição do sol, já passava do meio-dia.
  – Foi nessa floresta que encontramos Leanan Sidhe! – lembrou Bianca.
  – Então está explicado! – resolveu o caso Analice. – Ela os perdeu, ou não os quis mais e aquele duende os encontrou.
  Não deixava de fazer algum sentido, dada à proximidade. Mas Bianca continuava com aquele ar de desconfiada que não a deixava até que desvendasse o mistério. Continuaram andando e foi quando Analice viu algo que poderia poupar muito tempo.
  – Olhem! Um círculo de fadas!
  Foram até lá para olhar com atenção. Bran observava com desconfiança.
  – Eu nunca vi um círculo de fadas com cogumelos negros...
  – Pode poupar tempo! – disse Bianca.
  – Pode nos mandar para muito mais longe! – explicou Bran.
  – Nossa, Bran! Você tem que ser sempre tão pessimista?
  – Alguém aqui tem que ser! – justificou ele.
  Depois de uma breve discussão, acabaram por acatar a decisão de Bran. Seguiram caminho e Bran teve que aturar as duas moças reclamando do quanto estavam andando e que seus pés estavam doendo. Ele já ia sugerir uma parada para descansarem e beberem um pouco d’água, quando ouviram um pesado bater de asas.

  Folhas caíram e três trolls pousaram na frente deles. Bran puxou o arco e preparou a flecha, dando passos para trás, protegendo as duas meninas. Analice e Bianca também davam passos para trás, tentando pensar no que fazer se aquelas coisas atacassem.
  – Veja! Ela tem uma garrafinha no pescoço! – disse Task. – É o que nosso rei pediu!
  – Você! Venha conosco! – declarou Jurubin.
  – Uma ova! – gritou Bianca.
  Bran disparou uma flecha que passou raspando pelo braço de Boldan, que foi rápido em desviar. Os três jovens saíram correndo, mas os trolls voavam.
  – Por que essas coisas voam??!!! –  gritou Bianca, inconformada com alguns critérios do Universo.
  Aparentemente, só estavam tentando capturá-los, o que explicava estarem inteiros ainda. Como eram pequenos e muito ágeis, escapavam com facilidade das garras dos trolls.
  – Por aqui! – gritou Bianca.
  E os amigos a seguiram. Só perceberam onde estavam quando Bianca parou de repente e ficou esperando algo acontecer.
  Bran olhou preocupado para o círculo de cogumelos negros.
  – Não sabemos onde essa coisa vai dar! – disse.
  – É. Mas sabemos onde essas coisas vão dar! – justificou Bianca, apontando para os trolls que corriam na direção deles.
  Pouco antes deles os alcançarem, tudo ficou turvo e a floresta onde estavam desapareceu. Em seu lugar, surgiu uma outra, meio morta, muito seca e fria.
  – Melhor continuarmos correndo! – declarou Bran. – Vamos!
  Saíram dali e correram sem saber para onde. Quando o fôlego acabou, pararam um minuto.
  – Que lugar é esse? – perguntou Analice.
– Não sei... – Bran olhava em volta,  tentando achar algum sinal.
  Ouviram pedidos de socorro. Seguiram as vozes com cuidado, pois era sabido que muitos goblins e fantasmas sabiam imitar vozes de pessoas para atrair humanos incautos para suas ciladas. Encontraram uma carroça sem cavalos, grande e fechada, com apenas umas janelinhas gradeadas. E dois homens acorrentados a uma árvore.
  – Por favor! – pediu um deles, um negro sem cabelo. – Nos ajudem!
  – O que aconteceu com vocês? – perguntou Bran.
  – Fomos roubados! – respondeu o outro. – Estamos aqui desde ontem!
  – Onde estão as chaves? – perguntou Bianca.
  – Os ladrões levaram, mas tem uma extra ali na carroça, na parte de baixo!
Bianca foi até a carroça e achou uma chave escondida numa fenda da carroça. Chegou correndo e começou a soltar os homens.
  – Muito obrigado, donzela! – diziam eles, enquanto ela os soltava. – Somos muito gratos! Está salvando nossas vidas!
  Bran, que analisava a carroça, se virou para os homens.
  – O que vocês transportavam? – perguntou.
  Os homens, já livres e de pé, se entreolharam. Bianca se afastou, achando que eles eram grandes demais.
  – E se os roubaram, por que ainda estão com suas algibeiras? – tornou Bran, já pegando o arco e colocando-o em posição.
  – Vamos nos acalmar, meus jovens... – disse o negro. – Nós não mentimos. Fomos mesmo roubados. E somos mesmo gratos pela sua ajuda.
Mas compreendam que precisamos repor a mercadoria perdida...
Bran atirou. O negro desviou e antes que o elfo conseguisse atirar a segunda flecha, correu e pegou Analice como refém.
  – Solte a arma agora se não quiser que eu quebre o pescoço dela!
– Se quebrar o pescoço dela, não vai recuperar seu prejuízo! – retrucou Bianca.
  Bran baixou a arma. E então um troll pousou entre eles e gritou, mostrando os dentes e as garras.
  – Eles são nossos!!! Solte nossas presas!!!
  Analice aproveitou o momento de estupor do homem que a segurava e mordeu seu braço, obrigando-o a soltá-la. Nesse momento, os dois homens e os dois trolls se engalfinharam, enquanto os três jovens correram para o mais longe que podiam dali. No desespero, se separaram.
  Quando Bianca percebeu que se perdera dos outros, parou. Nesse exato momento, um terceiro troll parou na frente dela. Ele tinha um chifre quebrado e era maior que um homem normal. Ele olhou para a garrafinha, agora vazia, que ela trazia no pescoço.
   E então ele a pegou pelo pescoço e apertou. Bianca sentiu o ar faltar e ele continuava a estrangulá-la com desconfortável facilidade e apenas uma mão.
  Uma espada fez um corte profundo em seu braço e o troll grunhiu e soltou Bianca, que caiu de joelhos, tossindo com a mão no pescoço.
  Com o braço bom, o troll tentou acertar seu agressor, mas este se abaixou e deu outro golpe na perna do troll, fazendo-o cair. O troll deu uma patada em quem o atacava, mas seu oponente não se intimidou. O troll levantou voo e então voou diretamente num mergulho agressivo para seu adversário. Suas garras se fincaram nos ombros que sangraram, mas seus olhos esbugalhados perderam a luz em alguns segundos. O corpo do troll caiu inerte com uma espada no coração.
  Bianca estava tonta e a visão estava turva. E por isso ela não tinha muita certeza do que estava vendo. E então tudo escureceu muito rápido.

a canção dos quatro ventosOnde histórias criam vida. Descubra agora