Mas os pobres nunca serão esquecidos, nem se frustrará a esperança dos necessitados.
Salmo 9: 18
Ingênua, Zangado pensava toda vez que via a garota falar do tal Príncipe Encantado que ela jamais vira, e do beijo mágico que resolvia todos os problemas.- Eles sempre terminam vivendo felizes para sempre... - ela cantarolou, os olhos aguados de brilho, os outros seis anões hipnotizados por ela. Até o Mestre.
Ingênuos.
Um dia, depois de um jantar escasso, Zangado abriu a boca.
- Os pais abandonam as crianças para sobreviver, há bruxas e ogros por toda a parte, e você vem falar de "felizes para sempre"? Onde isso existe?!
- Achoooo! Porque você está sempre zangado? - Atchim perguntou.
Zangado o encarou com o cenho franzido mas não respondeu.- Há beleza e magia, vivemos em uma floresta encantada! - Branca de Neve falou, empolgada, novamente hipnotizando os anões. - Anjos, fadas e lindas sereias.
- Brughff. Há dragões. DRAGÕES. Princesas aprisionadas em torres, príncipes transformados em sapos e feras, fadas maléficas, bruxas do mar...
- Não veja apenas o lado ruim das coisas. - Mestre aconselhou.
- Vocês vão morrer cedo! - Zangado devolveu, por fim, saindo com sua picareta e batendo a porta com força.
Branca de Neve empalideceu, mas o Mestre disse, com a mão em seu ombro:
- Ele só precisa quebrar algumas pedras.
Branca desviou os olhos do Mestre para encarar o caminho de Zangado.
- Ele pode ter um final feliz também... - ela disse, pensativa, como se visse alguém na porta fechada.
***
Uma ou duas horas haviam passado. Zangado enxugou a testa encardida e pegou o lampião para sair da caverna.
- Droga, vamos precisar de pão. - ele se lembrou. - Dunga não se lembra de nada!
Ao pôr-do-sol, quando Zangado chegou na cabana, encontrou Dunga chorando ao lado de Atchim na entrada.
- O que foi, viram uma borboleta morrer?
- Branca... atchoom - Atchim enxugou o nariz cor de tomate com uma toalha, e Zangado foi pessoalmente ver o que era.
Ela parecia tão pálida e magrela quanto sempre, mas dava para notar que logo não restaria mais nada. Nada.
Zangado apoiou as mãos no caixão de vidro.
- Como isso aconteceu? - ele exigiu.
Mestre explicou:
- Uma bruxa, com uma maç...
Zangado xingou, socando o caixão de vidro.
- Eu já estou cansado disso! De vocês, de tudo!
- Irmão... - Mestre tentou acalmá-lo, em vão.
- O senhor pode ficar aqui com todas as maldições, pobreza, rainhas demoníacas e bruxas de doces. Eu não vou continuar neste inferno. E se não tem como sair, que eu pelo menos morra tentando.
Os anões o observaram mudos enquanto ele preparava sua bolsa e pegava sua picareta para partir.
Deu uma última olhada para sua família.
- Cresçam!
E saiu.
Foi a primeira vez que os anões viram o Mestre chorar.
***
A noite escurecia rápido, mas havia postes iluminados por velas em uma trilha no bosque que dava para a cidade.
Um relincho fez a mula de Zangado parar.
- Nobre anão - o cavaleiro o cumprimentou. Usava trajes brancos e caros.
- Meu lorde - Zangado cumprimentou, xingando em pensamento - estou apressado.
O homem tinha cara de idiota mas um olhar penetrante e desafiador.
- Só preciso que me diga, se souber, onde está a mais bela de todas, ela que meu coração deseja encontrar, ela cujo nome os bardos eternizarão como as constelações, enquanto nosso romance será ecoará pelas lendas?!
Outro ingênuo que morrerá cedo.
- Há uma donzela pra lá na direção de onde eu vim - quem sabe ele acorde ao encontrá-la morta.
- Glória! Minha mais profunda gratidão, grande anão.
Zangado resmungou aliviando quando o homem partiu.
"Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês', diz o Senhor, 'planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro." Jeremias 29:11
____ALGUMAS PALAVRAS____
Acho que todos sabemos como essa história acabou para Branca de Neve e seu Príncipe Encantado. Agora sabemos como acabou para o Zangado. Como prefere fazer a sua acabar?
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Fragmentos de Ecos Esquecidos
Short StoryColetânea de cenas e contos de fantasia, ficção científica, horror e outras quase-realidades que recebi a graça de conhecer.