"Ninguém será capaz de resistir a você em todos os dias de sua vida; como fui com Moisés, serei contigo; não te deixarei nem te desampararei."
Josué 1:5C-lo desceu de rapel no interior do prédio soterrado, a lente enorme de seu elmo projetando luz neon azul em cada pedaço de parede descarnado que via. Circuitos verdes com cheiro de sangue jazendo sob a tinta desgastada. Vários andares expostos, corredores escuros com máquinas tão antigas que nem tinham alma artificial. Se eu pudesse ir até aí... Pelo menos seu elmo gravava tudo o que ele via. Era uma pena que suas missões quase sempre terminassem com um pequeno exército de robôs, vespas nanitas, ou mutantes geneticamente aprimorados o perseguindo nas ruínas de corporações extintas.
O som da corda cortada lhe deu um choque frio, e C-lo despencou no chão, tentando controlar a queda mas perdeu a noção da altura no escuro. Ai.
A batida foi como se o chão martelasse seu cóccix, e seu traje deu um breve curto soltando faíscas.
No topo do túnel, uma aranha rastejava nas paredes. Parecia um diagrama anatômico 3D das placas e mecanismos de um computador feito para parecer uma aranha. Ótimo, uma devora-dados. Os mutantes teriam sido tão mais fáceis...
Pressionou a tela macia em seu pulso e o GPS lhe indicou a localização do DriveMaster: dez metros no corredor ao norte.
- ...hrsshhhhh....
Um grunhido de máquina dando curto e uma moeda raspando carapaça de um carro.
A devora-dados estava descendo a parede. Segundo as réguas em seu visor, tinha o tamanho de um tanque de guerra. O zoom focou em seus olhos negros, parecendo vidros cheios de uma água cor de sangue coagulado. C-lo prendeu a respiração por um instante. A abominação dos homens tinha presas que Deus não teria criado.
Correu em busca da Sala de Dados, um vazio frio no estômago, ignorando as máquinas exóticas à sua volta. Com uma martelada em seus olhos, suas pernas petrificaram. Um sinal piscava vermelho em seu visor e C-lo segurou o ar.
Um passo à frente no corredor havia teias invisíveis de dados nocivos concentrados. Se avançasse, as teias iriam envenenar seu sistema, e seu traje o mataria, o guardando para a aranha como um sanduíche congelado para micro-ondas.
Garra frias apertaram seu peito. O dispositivo eficaz contra teias fora danificado na queda. Franziu o cenho e arremessou o dispositivo na teia. A caixinha metálica com tela quadrada parou no ar e começou a soltar fumaça, gemendo como um gato e temperando o ar de ácido.
Lá trás, a aranha, perdida com seu faro de curto alcance, procurava seu jantar, patas grossas como um gabinete e pontudas como agulhas, mudas ao pisotear no escuro. C-lo cerrou os punhos e encarou o demônio semivivo. Nunca gostei de aranhas.
Se apoiou na parede, músculos tensos, uma mão enluvada no rosto, suor salgado. Segurou seu colar em forma de cruz, e procurou em seu visor o áudio que sempre ouvia nestas horas. Era a última mensagem que recebera de sua mãe, antes dela morrer quando a MegaTumba foi aberta e um CEO despertou de sua cama criogênica para retomar seu impéro comercial com gelo e metal. Parecia uma era atrás, mas eram apenas dois anos e C-lo se lembrou que ainda era um adolescente de 15 anos.
"Você pode conquistar o mundo".
A voz era um lindo eco distante de um tempo perdido. Como uma lembrança do calor do sol na pele.
Deu um sorriso tímido, a respiração acalmando como um celular recarregando. C-lo espanou os medos da mente e se afastou da parede. O corredor escuro parecia uma garganta de baleia.
OK, ou removo meu traje e procuro o DriveMaster sem tecnologia, ou arranco os dados dele de suas entranhas, aranhinha. O monstro virou o rosto de circuitos negros para ele, o ar ficou com gosto de sangue e plástico. Algo gosmento e sem reflexo pingava das presas mais caninas que aracnídeas.
Abaixou o elmo, tirou a pistola da coxa, projetou uma katana de luz azul, e correu em direção à aranha com um sorriso mais louco que o dela.
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Fragmentos de Ecos Esquecidos
Short StoryColetânea de cenas e contos de fantasia, ficção científica, horror e outras quase-realidades que recebi a graça de conhecer.