Capítulo 1

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Capítulo 1

Todas as famílias infelizes são iguais e a família Matarazzo não fugia a regra. Seguia com esmero a cartilha da infelicidade corriqueira nas famílias tradicionais brasileiras, com o velho clichê de apelar pela falsa moralidade para esconder suas patologias.
Raúl Matarazzo, patriarca da família, gostava tanto do clima familiar que possuía duas famílias: a oficial com a esposa  Sônia  e o filho Ivan, e  a segunda família composta por sua cunhada Fernanda, a  sua  filha Luzia e o seu sobrinho-enteado Gael.
Ambas as irmãs estavam a par da situação e por isso, cortaram laços familiares entre si, mas nenhum delas queria interromper os relacionamentos com Raúl. O amor ao dinheiro era muito maior que as suas dignidades. Enquanto , as irmãs sonhavam em herdar a fortuna do rico proprietário da bem conceituada e sucessedida construtora Matarazzo, elas desfrutavam os privilégios de gastar o dinheiro do companheiro em comum.
Mesmo a vida dupla de Raúl Matarazzo não sendo do desconhecimento de ninguém, todos apelaram pelo silêncio, temiam um escândalo e assim perder o direito para criticarem a vida alheia.
Exceto Raúl, que se gabava entre os amigos de ser um homem mulherengo, falando de suas esposas e de outras amantes que colecionava.
Dizia com o peito estufado, com orgulho que o seu filho Ivan, de apenas doze anos, havia herdado a sua habilidade com as mulheres. Mentia para os amigos que Ivan ficava com todas as menininhas da escola, fazendo o menino corar de vergonha.
Contudo, entre quatro paredes,  Raúl era rude com o filho e exigia do menino ter uma namorada.
_ Filho meu deve ser pegador. Mulheres foram feitas para serem desfrutadas. Não quero saber de filho boila.
Ivan não tinha trejeitos femininos e muito menos expressava gostar de garotos, mas não demonstrava nenhum interesse pelas meninas que o abordavam com declarações  de amor pueril.
O menino crescera ouvindo da família que gays eram aberrações e pervertidos. Nas conversas familiares gays eram abordados de dois modos: ou com nojo e repúdio, ou sendo ridicularizados nas piadas feitas entre os parentes, e Ivan não queria ser tratado de nenhuma dessas maneiras.
Por esses motivos, Ivan escondia as sete chaves, nas profundezas do seu coração o seu amor platônico pelo seu primo Gael.
Durante o ano, Ivan contava os dias para que chegasse às férias e pudesse ver o primo no sítio da sua avó Cristiana.
A poucos dias das férias, Ivan tomou coragem para se declarar para Gael numa carta de amor, composta por palavras românticas e exageradas que a puberdade nos faz expressar sem medo do ridículo.
Mesmo temendo a rejeição do primo, enviou a carta, pois no fundo, tinha esperanças de ter o seu amor correspondido.
Gael recebeu a carta espantado, não pelo conteúdo, pois já desconfiava do amor platônico que Ivan sentia por ele, e sim pelo fato do primo lhe enviar uma carta em plena década de 2000, onde essa atividade era considerada  tão arcaica.
Mas, Ivan era romântico, acreditava que ao enviar um texto escrito a próprio punho era um jeito especial de se expressar, onde poderia caprichar na sua caligrafia inglesa, desenhos de corações e por o seu perfume favorito.
Para a surpresa de Ivan, Gael respondeu a carta declarando que correspondia os sentimentos amorosos do primo e que gostaria que sua iniciação ao prazer fosse com Ivan.
Gael era o filho do primeiro casamento de  Fernanda. O adolescente de treze anos não suportava o tio Raúl desfilando na sua casa vestindo bermudas e chinelos com ar dono do pedaço. Mesmo sendo tão jovem,  Gael não aprovava a relação imoral da mãe com o tio.
Fernanda o reprimia quando o menino expressava desagrado com o tio-padrasto. Ela dizia que Gael deveria ser mais gentil  com Raúl,  pois graças a ele a família vivia num luxuoso apartamento em frente à praia, frequentava os melhores restaurantes, fazia viagens internacionais, tinha empregadas e tanto Gael quanto Luíza estudavam num dos melhores colégios do país. O que para o adolescente não era justificativa para tolerar a arrogância de Raúl.

Ivan estava tão empolgado com a viagem, que esqueceu de guardar as cartas nas malas e as deixou na escrivaninha do seu quarto. Queria chegar ao sítio o quanto antes para ver Gael.
_ Não vai dar um beijo na mamãe?_ perguntou Sônia antes que o filho entrasse no carro com o motorista da família.
Como qualquer adolescente, Ivan estava na fase de sentir vergonha de expressar amor pela mãe em público e por isso a ignorou, entrando no carro.
Sônia lamentou a frieza do filho com o marido, que ouvia sentado na sua poltrona favorita,  tomando um Uísque, com um charuto entre os dedos.
_ Ah, deixe de bobagens. Homem de verdade não pode ficar expressando sentimentos. Isso é fragilidades, que são coisa de mulheres e boiolas.
_ Eu sou a mãe dele! Não há nada de errado em me dar um beijo.
Raúl não estava a fim de ouvir os lamentos da esposa e usou a vontade de urinar como desculpas para fugir da conversa.
Ao ir ao banheiro, passou pela porta do quarto do filho e se irritou ao perceber que Ivan deixou a porta aberta e as luzes acesas.
_ Esse menino está pensando que sou sócio da companhia de energia elétrica.
Entrou no quarto e se surpreendeu ao ver o envelope em cima da escrivaninha.
Estranhou o fato de jovens ainda escreverem cartas. E presumiu que se tratasse de uma  carta de alguma namoradinha.
Sorriu com a possibilidade.
Tomado pela curiosidade, decidiu invadir a privacidade do filho sem nenhum remorso e pegou o envelope, logo se decepcionou ao vê que era de Gael.
Contudo, ficou ainda mais curioso em saber de que se tratava o conteúdo, pois mesmo os primos morando em cidades diferente, eles se comunicavam via MSN e ligações telefônicas.  Então, por que enviaram cartas um ao outro cartas?
Os olhos de Raúl percorriam as palavras da carta e o seu coração batia com tanta velocidade que parecia saltar do peito. Suas mãos ficaram trêmulas e o ódio o dominou por completo.
Com fúria, rasgou a carta e derrubou os objetos que estavam sobre a escrivaninha.
Saiu do quarto como um furacão, com os olhos arregalados e as narinas abertas.
_ O que houve?_ Sônia perguntou assustada.
_"O que houve?" Houve que o seu filho é um veadinho!
_ O que você está dizendo, Raúl?
_ Eu não admito isso na minha família! Não admito! Eu vou matar o Gael.
_ O que o Gael tem a ver com isso? Eu não tô entendendo!
_ Você é uma das culpadas! Não faz porra nenhuma. Não trabalha e nem estuda, a sua única função é criar e educar um moleque. Mas é uma incompetente! Se soubesse educar o menino, ele não teria se tornado uma bicha!
Raúl andava de um lado para o outro bufando de raiva.
_ Você pode me explicar que merda está acontecendo?
_ Eu encontrei uma carta do Gael para o Ivan, em que ele dizia coisas indecentes. Eles estão combinando de transarem lá no sítio. Era por isso que aquele moleque estava todo empolgado para viajar. E eu idiota, nem suspeitava.
Sônia pôs a mão na boca expressando espanto.
_ Não pode ser. O meu filho não é... não é! Não, Não e não! Temos que impedir! Ivan é só uma criança!
_ Ligue para a casa da sua mãe e diga a ela para não deixar os dois se encontrarem. Eu vou até lá.
Obediente, Sônia ligou para a mãe, mas o telefone estava fora de área.
_ Não há o que esperar. Temos que ir até lá imediatamente. _ Sugeriu a mulher.
O casal saiu às pressas. Raúl dirigia feito louco. Para ele ter o filho gay era o pior que poderia acontecer na vida.

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