Capítulo 2

184 18 5
                                    

Capítulo 2

Andréia depositou o seu corpo cansado no banco do ônibus. Apoiou a cabeça no vidro da janela com a intenção de descansar um pouco até chegar em casa, depois de um dia fatigado de trabalho e faculdade.
Passar horas em pé na loja de roupas masculinas atendendo clientes, alguns chatos e assediadores, não é uma tarefa fácil.  Em seguida, encarava cansada as aulas da faculdade de Direito, onde é bolsista integral.
Às vezes, pensava em desistir de tudo. Contudo, pensava  no filho Victor e retomava a  coragem para seguir em frente na sua luta diária para proporcionar o melhor para o filho.
Há dezessete anos foi abandonada pelo namorado ao anunciar a gravidez. Ele queria que Andréia fizesse um aborto e assim ambos se livrariam da responsabilidade.
Mesmo sendo uma adolescente de quatorze   de anos de idade,  vivendo com o pai e a madrasta sobre dificuldades financeiras, Andréia se negou a interromper a gravidez. Para ela esse ato era inadmissível. Dizia que o seu filho não tinha culpa da irresponsabilidade do casal e não era justo que ele pagasse com a vida pelos erros deles.
Enfurecido, Ricardo a humilhou com palavras duras e disse que  a criança não era problema dele, que os seus  dezoito anos não seriam jogados fora por causa de um filho indesejado.
Andréia não teve mais notícias do namorado, mas recebeu todo o apoio do pai Paulo  e da madrasta Roseli.
Depois de dar a luz a um lindo menino, Andréia o batizou de Victor e passou a dedicar a sua vida a ele.
Assim que concluiu o ensino médio e Victor já tinha quatro anos, Andréia viu a necessidade de trabalhar para ajudar nas despesas da casa e pagar uma escola para o menino. Por isso, desistiu do seu sonho de cursar psicologia para poder trabalhar como vendedora numa loja de sapatos.
Durante anos trabalhou em diversos lugares para sustentar o seu menino.
Depois de aposentado, Paulo junto com a mulher e filha comprou um sobrado para a família viver. Eles moravam no segundo andar e o primeiro o homem transformou numa pensão, onde vendia comida caseira e lanches como sanduíches naturais e salgadinhos.
Mesmo com todas as dificuldades da vida, anos depois Andréia retornou aos estudos, ingressando na faculdade de Direito, graças a uma bolsa integral que conseguiu com o PROUNI. A mulher desistiu de cursar psicologia como sonhava antes, porque viu que com o diploma de Direito teria mais chances em prestar um concurso público em diversas áreas e assim, proporcionar ao filho uma vida melhor.

Andréia chegou em casa às  vinte e três horas e se surpreendeu ao ver que o pai e a madrasta a  aguardavam na sala para jantar.
_ Ainda bem que você chegou. O estrogonofe de frango esfriou. Vou ter que requentar._ disse  Roseli indo para a cozinha.
_ Vocês não precisavam me esperar. Não é bom para o Victor jantar a esta hora. Falando no Victor, cadê ele?
Andréia depositou as sacolas em cima da pia.
_ Está no quarto. Victor! Victor! _ Paulo gritou pelo neto sem se levantar do sofá.
O garoto entrou na sala sorrindo e abraçando a mãe.
_ Oi, mãezinha! Como foi o seu dia?
_ Normal. E o seu, meu amor?
Andréia acariciava os cabelos dourados do filho.  Admirava o quanto ele estava crescendo, se tornando um belo homem.
Roseli pôs a mesa e Andréia não gostou ver as batatas fritas.
_ Eu não acredito que você fez batatas fritas. Isso não são horas de comer comidas gordurosas.
_ Eu disse que você não ia gostar, mas Vitinho pediu e você sabe como a Roseli mima esse menino.
_ Mimo mesmo. Deixe de ser chata, Andréia. Vitinho não vai morrer se comer umas batatinhas fritas de vez enquando.
_ Não vou mesmo.
_ Você está em fase de crescimento, precisa comer alimentos saudáveis. Eu vou preparar uma salada pra vê se dá uma equilibrada.
_ Mamãe é exagerada.
Andréia lavou as mãos e retornou da cozinha trazendo salada de alface e tomates.
Victor aproveitou que a família estava toda reunida e pediu permissão a mãe para ir à parada  LGBT com uma amiga  do colégio.
Tinha esperança que os avós o ajudassem a convercer Andréia a  autorizar. E não foi bem sucessedido.
Mesmo com as insistências do pai e da madrasta, Andréia se manteve firme em sua negação.
Victor era a sua maior preciosidade. A mulher cuidava do filho com tanto esmero, que temia que algo de ruim acontecesse com o garoto. Por esse motivo, quase nunca o deixava sair de casa, somente para o colégio e curso de inglês.  Ou, quando saía, era acompanhado de um adulto em programas de família, o que não agrada em nada um adolescente de dezessete anos que deseja curtir a vida.
Nem os lamentos e choros do filho a conivenciam a afrouxar. Segundo, Andréia era melhor ele chorar por não poder sair, do que ela chorar se algo ruim acontecesse com ele.
_ Mas mãe, eu já tenho dezessete anos!
_ Você quer dizer que só tem dezessete anos? Ainda é uma criança e esse mundo é muito perigoso.
_ Eu não sou mais criança!
_ Você não diz isso quando ganha presentes no dia das crianças.
_ Mas mãe, todo mundo do colégio vai está lá.
_ É sério que você vai me fazer repetir a frase clichê que "você não é todo mundo"? Depois vocês dizem que todas as mães são iguais.
_ Não são mesmo. As mães dos meus amigos não são estraga prazeres como você.
_ Victor, esses lugares são perigosos. Há muitos homofóbicos infiltrados com  má intenção.
Victor se levanta da mesa e corre para o quarto.
_ Eu acho que você está exagerando, Andréia.
_ Não se meta nisso, Roseli.
_ Eu me meto sim. Eu amo o Vitinho como se fosse o meu neto. Não acho justo que você o prive de aproveitar a vida.
_ Minha filha, o Vitinho é jovem. Deixe ele ir à parada?
_ Ah, pai. Até o senhor?
_ Desse jeito o seu filho vai ficar com raiva de você.
_ Vocês não entendem o quanto este mundo é perigoso para o Victor?
_ O que há de perigoso numa parada LGBT, onde os gays podem ser livres para se expressar em público?
_ Roseli, o Victor não é como os outros garotos.
_Não há nada de errado com o Vitinho.
_ Com ele não, mas com as pessoas sim. Vitinho é um jovem gay, com trejeitos delicados e vive num país onde mais se mata pessoas LGBT.  Todos os dias vemos notícias horríveis de violência que essas pessoas sofrem. Eu não quero que o meu filho vire mais uma vítima de homofobia.
_ Não é impedindo dele viver que você vai protegê -lo. Me parte o coração ver o Vitinho sofrendo por querer sair com os amigos e não poder.
_ Deixe de ser exagerada. Além do mais, eu não conheço essas pessoas. Vai que tenha algum homofóbico no meio e maltratem o meu filho. Nem pensar. Ele não vai e fim de papo.
_ Como você é cabeça dura, mulher.
_ Você como também mãe de gay deveria me entender.
_ Eu entendo. E assim como você eu também temo que o meu Adrian seja vítima de homofobia, mas eu nunca o privei de viver. De conquistar a sua independência financeira e emocional.
_ Eu vou dormir, porque amanhã tenho que acordar cedo para trabalhar.
_ Minha filha, você não acha melhor rever e...
_ Eu já disse que não, pai! Basta deste assunto.
Andréia levantou-se e foi para o corredor, com a intenção de ir para o quarto, mas parou em frente ao quarto do filho.
Entrou e Victor, que estava sentado na cama, com as costas apoiadas na cabeceira, virou o rosto na direção oposta da mãe.
_ Boa noite, anjinho. Eu te amo muito. Você pode ficar com raiva agora, mas um dia irá entender.
Victor permaneceu em silêncio, cruzando os braços. Andréia beijou o seu rosto,  o cobriu e saiu do quarto, apagando a luz.
_ Bons sonhos, meu amor._ disse antes de fechar a porta.

Verdades secretas Onde histórias criam vida. Descubra agora