Capítulo 23

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   Toda tarde, quando volto da ONG, fico com meu pai. Conversamos sobre livros, assistimos filmes, vamos às consultas de rotina e quase sempre Estela está junto. Também tenho trocado mensagens com Jorge e, dia ou outro, nos vemos inclusive no clube, onde meu pai tem sociedade com o dono, Ricardo, que tem o nariz em pé e que só abaixa para olhar as mulheres de biquíni.
   Mais tarde, depois de nós três voltarmos do clube, estamos subindo as escadas quando meu pai anuncia.

- Meninas, vou tomar um banho agora, mas fiquem à vontade para dobrarem minhas roupas.

   O jeito convencido do meu pai nos faz rir.

- Está bem, querido!

   O amor com o qual Estela olha para ele é visível e inspirador. Eles devem ter uma história bem bonita juntos. Não posso deixar de pensar em quem meu pai mais amou, Estela ou minha mãe. Como isso não faz diferença agora, deixo para lá.
   Entro com eles no quarto, meu pai segue para o banheiro e eu resolvo ajudar minha madrasta no ofício, pego uma camiseta e começo a dobrar e a falar.

- Como vocês se conheceram?

   Admito outra de minhas muitas curiosidades. Claramente foi pega de surpresa.

- Ah, bom...

   Ela respira fundo, dobra a segunda polo e olha para mim.

- Um ano depois que você fugiu, Carlos comprou essa casa. Ele já estava há meses no negócio ilícito e fez tudo o que fez pensando em você.

   Seu olhar fica distante e seus olhos verdes brilham enquanto continua o raciocínio.

- Lembro do sorriso dele ao falar sobre a filhinha amada. Ele dizia o quanto se arrependeu por não ter sido um pai carinhoso na sua infância, mas que sempre te amou mais que tudo.

   Ela olha para mim e sorri, gentilmente.

- Falava também que quando você voltasse iria fazer tudo diferente. Ser mais presente.

   Concordo com a cabeça. Lembro do meu pai de quando eu era criança e comparo com o de hoje. Eles não são a mesma pessoa, o que me alegra.

- E conseguiu. Tenho muito orgulho dele por isso.

   Volto a pergunta que fiz.

- Mas voltando a vocês...

   Minha madrasta ri e continua.

- Assim que ele comprou essa mansão, viu que precisava de alguém para ajudá-lo a administrá-la. Então, contatou uma empresa para a qual eu trabalhava e me escolheu. Assim que cheguei já gostei dele, mas não podia demonstrar então fiquei na minha.

   Um verdadeiro romance.

- Só que percebi que ele me olhava mais que o normal. Sabia que também gostava de mim. Então resolvi contar e estava pronta para me demitir quando ele confessou que o meu sentimento era recíproco.

   Ela passa as mãos finas pelos seus cachos grossos perfeitos depois de colocar uma regata perfeitamente dobrada na cama.

- Contudo ele não podia corresponder, pois ainda estava de luto pela esposa falecida há apenas um ano. Nessa época, ele já sabia de sua doença e resistia a um novo relacionamento pelos dois motivos, creio eu.

   Será que ela sabe o que aconteceu com minha mãe?
   Ela continua dobrando.

- Continuei como governanta e um dia achei um exame dele em cima da mesa e o questionei. Ele confessou a doença e disse que estava feliz em ter uma amiga. Eu fiquei arrasada, mas não demonstrei pena dele. Nossa amizade evoluiu com ele sempre resistindo ao que sentia. Até que um dia, inesperadamente ele chegou para mim, choroso, dizendo que me amava, mas que não queria que eu o visse...

   Ela seca uma lágrima que cai e continua.

- Que eu o visse morrer.

   Resolvo ajudá-la a dobrar as roupas, juntamente emocionada.

- O que você respondeu?

   Ela me olha nos olhos.

- Que mais vale pouco tempo com a pessoa certa do que a vida inteira com qualquer outra.

Uau... Ela sabe das coisas!

   Começo a chorar baixinho para que meu pai não me escute e confesso.

- Não estou pronta para vê-lo partir.

   Estela acaricia minha mão com a dela.

- Nem eu. E nunca vamos estar, mas eu sigo confiante, ele está reagindo muito bem ao tratamento.

   Seu sorriso não me convence e começo a soluçar.

- Eu preciso estar preparada para o pior, não quero sofrer mais.

- Querida, você não precisa nada e eu sinto muito, mas quando acontecer, seja qual for o motivo e quando for, nós vamos sofrer.

   Ela termina a frase com um sorriso sofrido.

- Por que tem que ser assim? Isso não é justo.

- A vida não é justa, mas precisamos viver. E viver bem, o melhor possível com quem amamos. Esse é o sentido de tudo. Nunca foi quantidade. Será sempre qualidade.

   Como ela consegue ser tão forte eu não sei, mas sei que está certa e devo seguir seus conselhos.

- Terminando a história...

   Nós sorrimos secando as lágrimas em sintonia.

- Dois meses depois, ele me pediu em casamento, foi só no cartório, eu amo festas...

Como se não desse para perceber!

- Mas sabia que não era o momento.
Sábia, muito sábia.

- Então, um ano depois você voltou para a vida dele e chegou para a minha.

   Não consigo evitar as lágrimas novamente e meu agradecimento sai turvo então repito.

- Obrigada por ser quem é. Você é exatamente o que precisamos.

   Ela também cai no choro e me abraça.

- Ah, Larinha! Eu te amo como a filha que nunca tive.

   Nós nos afastamos e consigo ver a sinceridade em seus olhos mais vermelhos que verdes e sinto um conforto que há muito tempo não sentia. Um conforto maternal.

- Também amo você.

   Durante o abraço que uniu também nossos corações, papai Edu chega, orgulhoso.

- Minhas meninas!

   Não tentamos disfarçar o choro e nem precisamos. Sabíamos que ele sabia do que se tratava e resolveu não dramatizar a situação já dramática, perguntando o porquê. Agradeço em silêncio o gesto ou a falta dele e o chamo para perto enquanto Estela dá um gritinho.

- Abraço coletivo!

   Fico mais tranquila e também aliviada depois de desabafar com Estela. Sei da possibilidade de no futuro ser só nós duas nessa casa enorme, mas enquanto há vida quero viver, quero aproveitar cada minuto com meu paizinho e que seja com qualidade.
   Repito minha madrasta, com a voz embaçada pelos seus cachos cheirosos.

- Abraço coletivo!

Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora