Três dias depois de Esteban ligar, meu pai chega à ilha. Nesse período, Jorge até tentou se aproximar, mas o afastei. Esteban, por outro lado, foi meu amigo mais que nunca. Não sinto por ele o que sentia por Jorge, mas foi ele quem estava comigo quando Jorge me decepcionou mais uma vez. E ele é realmente incrível. Faz de tudo para me deixar melhor e consegue, na maioria das vezes. Não posso diminuir a sua importância para mim, não mesmo.O momento do encontro se aproxima. Visto uma bermudinha jeans e uma blusa de manga verde para ver meu pai na praia quando ele chega acompanhado dos meninos ao meu abrigo, me surpreendendo completamente.
- Filha!
Porque ele veio aqui? Que metido!
Por mais que eu queira, não posso ignorar a presença de Jorge. Há três dias não conversamos. Ele até veio aqui antes de ontem, mas não respondi, fingindo ausência. Ele foi embora e não tentou mais conversar. Isso de me dar espaço sempre que acha que eu preciso, de não insistir, de se ausentar quando algo ruim acontece sem se justificar ao menos, me agonia. No começo - no nosso recomeço aqui na ilha - eu achava isso bom, achava que ele me compreendia tanto que sabia que eu queria ficar sozinha. Mas não quero mais e o problema é que ele ainda acha que eu quero. Talvez o problema mesmo seja ele não fazer questão de me perguntar. Mesmo chateada com o que ele fez ou deixou de fazer por Cecília e com sua frieza comigo, sua presença me estremece e torço para que meu pai expulse logo esses meninos daqui. Esteban me acalma com um olhar solidário, mas agora não quero calma. Quero a verdade e com certeza ela não vai vir com quietude.
- Você fez tudo isso sozinha? Que orgulho!
Fico irritada por ter sido surpreendida e pelo elogio também.
- O que faz aqui? Não te convidei! Era para nos vermos na praia!
Seu sorriso diminui e posso perceber que sua pouca barriga também e seus cabelos estam mais ralos, diferente do normal. Não me abato por sua aparência deplorável. Quero começar logo a conversa para acabá-la o mais rápido possível, então continuo:
- Já que está aqui, sente-se. Temos muito o que falar.
Sua preocupação é notória.
- Como você está, Larinha? Quero saber de você. Conta um pouco, por favor.
Ele está abatido. Resolvo ceder ao que parece ser uma conversa comum entre pai e filha comuns. Não que seja verdade.
- Estou bem. Muito bem. Tenho mais do que preciso aqui.
Olho em volta dando credibilidade às minhas palavras.
Os meninos nos observam. E achei que isso fosse motivo de Carlos Eduardo pedir para que nos deixassem a sós. Mas ele não pareceu se importar dessa vez. Ele sorri para mim por saber que me ensinou tudo sobre sobrevivência e está claramente orgulhoso da mulher que me tornei.- Fiquei feliz por ter me chamado. Não sabia se isso aconteceria algum dia.
- Nosso último encontro não foi o suficiente para me contar toda a verdade. Por isso te chamei. Quero respostas.
Ele me ouve atento então faço a primeira pergunta:
- Quem é minha mãe biológica? E porque minha mãe mentiu para mim durante toda sua vida?
- É claro que já sabe disso.
Ele mira os meninos, insatisfeito e Esteban baixa os olhos.
- Larinha, quero te contar tudo mesmo, mas não quero que deixe de amar sua mãe, tudo que ela fez e foi por você foi sincero, ela te amava demais.
Lágrimas brigam para sair, mas as repreendo. Limpo a garganta para garantir.
- Tudo bem. Já aguentei pior.
Digo com a certeza que não tenho. Meu pai faz uma pausa e finalmente começa a explicação:
- Ok. Lembra da sua tia materna Carla?
Faço que sim com a cabeça com a intenção de não cortar seu raciocínio.- Ela nunca viajou para o exterior.
Estava de oito meses quando sua mãe foi visitá-la e então...
Hesita pigarreando e finalmente faz um sinal com a cabeça para que os meninos nos deixem. Eles obedecem. Assim meu pai consegue prosseguir:- Então Eva a sufocou com seu travesseiro.
Sem me olhar para perceber meu rosto em choque, ele continua narrando.
- Carla morava sozinha, abandonada grávida pelo namorado, Gregório. Pelos dois motivos ou mais, Eva sempre a visitava. Por serem irmãs, nada levantou suspeitas. Eva já tinha chamado a ambulância antes do ocorrido, a fim de que o bebê - ele me olha - você, não sufocasse também. Ela tinha pensado em tudo.
Fico sem palavras ouvindo todos estes absurdos, nos quais não quero acreditar.
Não posso!
Ele disse que minha mãe havia matado a própria irmã! É demais para mim. Só consigo soltar duas palavras em meio às lágrimas:- Por quê?
Seus olhos marejam em meio ao meu sofrimento.
- Eva não podia gerar filhos. Era casada antes de me conhecer. E o ex-marido a deixou quando descobriu que o problema era com ela. Teve depressão por um longo tempo. Quando voltou a sair, nos encontramos num bar e ali começou nossa história. Ela já tinha mostrado melhoras da doença, mas não estava curada. Tive certeza de que não, quando cometeu o crime, crime este que só fui descobrir na noite que...
Ele hesita novamente, ainda mais choroso.
- Que eu a matei.
Conclui. Juntando-se a mim em prantos, continua a dolorosa história de nossas vidas.
- Eu a amava, filha. - ele soluça - Eu a amava tanto...
Enxugando seu rosto e procurando palavras, prossegue.
- Quando nos conhecemos, logo de cara, ela me disse que era mãe de um bebê, no caso o bebê era de Carla. Eva já tinha tudo em mente. E executou com perfeição.
Ele solta o ar com força antes de continuar.
- No dia que Carla morreu, ela alegou à polícia que foi visitar a irmã e que ao chegar em seu quarto, a viu desmaiada, jogada na cama com as pernas para fora, posição em que Eva a tinha colocado, pretenciosamente. A perícia então concluiu que ela havia sufocado ao beber água e se afogou, já que tinha um copo caído no chão e sua mão estava jogada para fora da cama, como se ela tivesse tombado o objeto ao engasgar. Eva nem chegou a ser acusada. Encenou desespero e agonia com perfeição aos militares e conseguiu exatamente o que almejava. Você.
Meu pai me oferta um olhar sofrido, perdido, no qual eu finalmente me encontrei. Abraço-o com toda força que ainda me resta e me diluo em seus braços. O perdão que libero agora marca o fim de uma triste história e o começo de uma mais feliz.
Bem, pelo menos, é isso que eu espero...
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Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)
Roman d'amour🔴 A ideia de parar numa ilha deserta em busca de um recomeço não parece tão ruim se comparada à ficar na casa onde viu sua mãe ser assassinada. Lara assim começa uma jornada que imaginava ser desafiadora, mas que depois mostrou ser ainda mais que i...