Capítulo 18

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O cheiro de hospital me faz lembrar da minha infância, quando caí da minha bicicleta que ganhei da vizinha - ela tinha comprado um nova para a filha - torci o pulso. Quando minha mãe deu crise de apendicite e teve que passar por uma cirurgia de emergência - eu e meu pai íamos todos os dias visitá-la. Hospital me lembra isso, me lembra dor.
   Na cadeira no corredor me arrependo pela escolha da roupa, short jeans e uma regata não é a melhor opção para estar em um hospital, mas estar aqui não é uma opção então... Estela parecia saber o que ia acontecer. Ela usa um vestido azul marinho nos joelhos e trouxe um casaco mesmo estando trinta e quatro graus lá fora. Ainda bem que aqui tem ar condicionado.
   Um médico bem jovem de olheiras enormes vem até nós duas. Seu rosto cheio de sardas transmite pena, sentimento que abomino.

- Olá, sou Antônio, o médico que está cuidando do senhor Carlos Eduardo. Nesse momento o câncer dele está em estágio avançado.

O quê? Câncer? Ele está com câncer? Como assim não me contou?

- É de suma importância ele ficar internado, aqui podemos assistí-lo em tempo integral e será mais difícil nova alteração no pulmão prejudicado, ele deve evitar qualquer estresse, notícia ruim, brigas... Acredito que está aqui por algum desses motivos...
   O médico ruivo foca em mim como se soubesse que eu sou a culpada por ter discutido com ele.

- Enfim o câncer evoluiu desde a última vez que ele veio para fazer uma sessão de quimioterapia, - se vira para Estela - ele me contou que fez uma viagem cansativa e isso está fora de cogitação de se repetir, está bem? Tentem deixá-lo calmo, evitem mudanças de humor bruscas. Ele precisa da família. - ele olha para mim novamente.

   Fico trêmula. Seus olhos castanhos me culpando me deixa nervosa, ainda assim não desvio o olhar. Pedrifiquei.

- Doutor Antônio, com licença, o paciente do quarto seis acordou!

   Uma enfermeira de cabelos compridos e óculos me tira do transe. Será que esse paciente é meu pai? Passo a mão pelo meu rosto na tentativa de acordar do meu mais novo pesadelo, mas acontece que eu não estou dormindo. Sinto minha respiração entrecortada. Não posso acreditar que isso está acontecendo. Preciso falar com meu pai.

- Seu marido acordou, senhora de Alvarenga, vou checar e já chamo vocês para vê-lo.

   Demoro a entender que ele fala do meu pai porque se dirigiu a Estela com o meu sobrenome.

Marido? Onde eu estava para meu pai não me contar nada? Ah, acho que estava na ilha... Fugindo dele, inclusive.

   A sonsa olha para mim depois de concordar com o médico. Seu olhar é de culpa e era para ser mesmo, ela tinha que ter me contado. Droga, ele tinha que ter me contado!

- Desculpa...

- Como se isso adiantasse! - solto as mãos sobre minhas coxas. - Não acredito que ele está doente! Ele não podia ter escondido isso de mim! E é tudo culpa minha!

   Ela olha em volta para ver se tem alguém me repreendendo pela gritaria, mas eu não ligo de gritar.

- Por favor, deixe seu pai se explicar com você, ele me pediu para não falar nada exatamente por isso, para que não se sentisse culpada, Lara. Ele te protege até de você mesma. Ele te ama.

   Nem percebi quando comecei a chorar, mas estou em prantos quando Estela vem me abraçar. Pela primeira vez vi verdade nela. Ela queria meu bem.

- Mas eu sei que sou culpada, ainda o chamei duas vezes para a ilha, ele se esforçou demais por mim, eu estou acabando com a saúde dele, que filha horrível!

   As palavras saem como murmúrios e à medida que o choro aumenta, Estela me abraça mais forte.

- Não é culpa sua ele ter herdado essa doença da mãe, querida, não é culpa sua sua mãe ter falecido...

Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora