Capítulo 9

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O que era o tudo que meu pai queria me contar? A verdade que minha mãe escondeu de nós?
Não consigo parar de pensar no dia anterior. E aquela conversa que tive com Esteban foi um tanto reveladora, em dois pontos. Primeiro: ele estava preocupado comigo. Quer dizer então que ele gosta de mim. E segundo: sobre Jorge. Sempre que tento confiar nele, me dou mal. Por isso não tentarei de novo.
Chega, cansei!
Vou ser mais cautelosa a respeito dos meus sentimentos, mas também não vou ignorá-lo. Pretendo descobrir qual foi a conversa que ele teve com meu pai. E eu vou.

***

Desde que chegaram pessoas à ilha, meus banhos foram diminuídos pela metade, talvez menos. Neste dia em especial, não tive tempo de terminar antes que ele se aproximasse. Jorge. Assim que me vê solta um assobio seguido de risadas, levo um susto e me viro, o mandando cobrir os olhos, ele obedece:

- Desculpa...

Dá de ombros, ainda sorridente.

- Mas é que tinha que trazer isso e aqui não tem campainha.

Ela balança as mãos.
Quantas mais vezes ele atrapalharia meu banho? Sorte que, dessa vez, eu estava abaixada e ele não pôde ver mais que minha cintura nua. Estou irritada, mas não posso ignorar a grande mala preta que ele apoia sua mão direita. Depois de me vestir rapidamente, enquanto torço meus cabelos compridos, aviso a Jorge:

- Pode olhar agora.

Ele solta sua mão esquerda dos olhos e leva a mala até mim, entusiasmado:

- Seu pai te mandou presentes, disse que acha que vão ficar um pouco largas já que você emagreceu desde que veio para cá, mas que servirão. Experimente! Não são só roupas...

Ele olha para a mala e depois se volta para mim. Fico imaginando mais uma vez como foi sua conversa com meu pai ontem e sem rodeios pergunto:

- Sobre o quê falaram ontem?

- Como assim, Lara?

- Esteban me contou que viu você conversando com aquele cara despreocupadamente.

A raiva me sobe e começo a falar por entre dentes.

- O que vocês conversaram?

Exijo saber.
Ele coça a testa, morde os lábios e tem seus olhos fixos ao chão até eu chamar sua atenção com as mãos e ele olhar para mim. Suspira e começa a explicar:

- Lara, não ia te contar agora, você já tinha o episódio do seu pai para digerir. Julguei ser muita coisa para você, no momento, mas se insiste...

Ele parece procurar bem as palavras e enfim continua:

- Você precisa saber que diferente dos outros, não conheci seu pai há pouco tempo. Na verdade, eu o conheço desde criança e conheço você também.

Mas o quê? Quantos mais segredos ele esconde de mim?
Atônita, começo a pensar freneticamente. Forço a memória ao máximo até conseguir reconhecê-lo de fato. E consegui. Mesmo seu cabelo loiro escuro bem cortado, seus ombros largos e sua altura. Aqueles olhos eram familiares e aquele olhar, mais ainda. Meu coração dispara e num impulso para trás grito ofegante:

- Anjinho!

Pûs as mãos na boca após um suspiro e refolegando, prossigo:

- Não pode ser! Você se mudou para o exterior para estudar e morar com sua tia quando ainda éramos crianças, fiquei despedaçada na época, não tinha outro amigo, você era tudo para mim e agora você volta e trabalha com o meu pai para me capturar?

Desabo-me em lágrimas. Mas essas não são de desespero, tampouco de decepção. São de uma estranha alegria. Finalmente algo bom me acontece. Continuo tentando ainda assimilar tudo:

- Mas agora você está diferente, mentindo e escondendo coisas de mim... Não é o mesmo anjinho. Não é o meu anjinho!

Ele retruca:

- Lara, você não percebe o porquê de eu estar aqui? Vim te procurar, não pelo seu pai, mas por mim! Não imagina quantas saudades eu senti morando tão longe de você e quando volto te procurando, encontro seu pai e ele me conta o que aconteceu e que você fugiu. Fiquei desolado. Imediatamente me pûs a te procurar.

Jorge joga o cabelo para trás e prossegue.

- Seu Carlos disse que estava mesmo atrás de umas pessoas para irem atrás de você, mas que se eu quisesse ir, não poderia contar que te conhecia, isso acabaria com seus plan...

Eu o interrompo me jogando em seus fortes braços e empurrando meu peito contra o dele. Sem parar para pensar, Jorge me envolve com força, sendo inevitável ouvir seu coração pulsando e me fazendo sentir parte dele. Encosto a testa em seu pescoço e seu perfume natural de baunilha me ajuda a controlar a respiração. Jorge me empurra de leve, escorregando suas mãos das minhas costas para meus cotovelos e com os rostos ainda próximos, ele olha no fundo dos meus olhos castanhos e é possível contemplar um alívio e uma alegria genuína que irradia do seu olhar. Uma alegria de quem encontrou o seu lar. Depois de acariciar meu nariz com o dele e alisar minhas bochechas quentes com as mãos, Jorge agarra minha nuca à medida que aproxima sua boca da minha. Confesso que não sei exatamente o que faço e acompanho seus movimentos rápidos. Fico em dúvida se viro a cabeça para nossos narizes não se esbarrarem tanto, mas permaneço como estou já que não tenho certeza. Parecendo ter lido meus pensamentos, Jorge dá um toque na lateral da minha cabeça, o que vai de ótimo para perfeito.
Claro que ele sabe o que está fazendo, já deve ter beijado várias!
Aos poucos, o beijo que agora está mais habilidoso vai se intensificando e eu simplesmente não consigo parar. Não que eu queira. Não quero, definitivamente.
Meus pés parecem já não tocar o chão e minha cabeça nunca tinha ficado tão leve. Não ouço nada além de nossos arquejos sincronizados e intensificados. O aroma das flores foi encoberto pelo aroma dele, um cheiro mais que familiar, chega a ser meu quase tanto quanto é dele, se assemelha com baunilha, o melhor perfume que eu já senti na vida toda, acho que nada se compararia... Aos poucos, os lábios quentes e macios de Jorge se afastam dos meus, me levando de volta à realidade. Mordendo o lábio inferior, Jorge expõe seus dentes branquinhos. O sorriso mais lindo que já vi. Seus olhos transmitem algo novo para mim, que eu sei o que é. Então me contenho a olhar em seus olhos verdes provocantes e a pôr as mãos nos seus ombros largos. Para desviar daqueles fuzis verdes, olho para a minha direita e vejo a mala...
É mesmo, a mala!
Firmo os olhos semi-serrados nela, incentivando Jorge a fazer o mesmo.
Roupas de frio e maiôs, produtos de higiene, temperos e remédios, teberneiras e lampiões, facas e abridor de latas, comida enlatada, até outra manta me deu. E um colchão inflável também que está ao lado de um tênis novo.
Jorge se impressiona com a quantidade de coisas que meu pai espremeu ali. E eu também. Assim que tiro o colchão de lá de dentro, me deparo com uma foto num porta-retrato de vidro. Uma foto da minha família.
O que ele quer com isso? Lembrar-me de que um dia fomos felizes? Pois falhou. Só conseguiu me lembrar que nunca mais verei minha mãe e por culpa dele. Sequer encosto na foto, a deixo no fundo e jogo várias roupas encima dela, como se pudesse sufocar meu passado desastroso.

Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora