Capítulo 35

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   Acordo, mas enrolo para levantar, sei que hoje não tem aula nem trabalho, mas não estou disposta para encontrar o casal que, com certeza, está lá embaixo tomando café ou almoçando já que não sei que horas são. Tento, mas minhas preocupações e culpa não me deixam mais dormir, sei que só não passei a noite em claro graças à exaustão de ontem. Não me sentia tão cansada assim desde quando precisava caçar o meu jantar na ilha. Eu não me exercitei, mas o estresse mental é tomado pelo corpo e grande parte dele foi expulso durante a noite. Reparo que não tive sonhos com minha mãe, dela se penteando ou fazendo o jantar ou de sua morte, perdoar ajuda mesmo.

   Tomo coragem e me estico para pegar meu smartphone no criado-mudo ao lado esquerdo da cama. Onze e meia é o que surge para mim assim que desbloqueio a tela do aparelho. Já é tarde, mas ainda não tenho coragem para descer. Sento com meu cobertor novo ainda encima de mim e lembro de quando Jorge e eu nos beijamos pela primeira vez na ilha, do seu sorriso fofo ao tentar me dar aquele girassol, de sua mão na minha quando precisei enfrentar meus medos, volto mais alguns anos e nos vejo dividindo um sanduíche no intervalo das aulas no ensino fundamental, nos vejo passeando à beira rio Amazonas e lembro também de quando ele me deu a primeira flor... Não posso acreditar que todo esse amor a nós mútuo pode ser destruído por eu não ter conseguido me livrar de Miguel quando me beijou.
Ou por eu nem ter tentado de imediato.

   Eu não queria aquele beijo, foi roubado, mas enquanto acontecia, eu me senti tão bem e por isso me sinto tão mal agora. A verdade é que eu jamais teria um relacioamento com Miguel, ele é inconscintente, imaturo e inconsequente, somos opostos, mas ele sendo desse jeito e mesmo assim ter me beijado é o que me intriga, já que não demonstra seus sentimentos a ninguém, porque os expôs logo para mim? Será que fui a única pessoa para quem ele abriu seu coração? Será que fui a única a me importar e dizer que me importo com ele? E não o entendo, mas sei que ele vai muito além de ser um rapaz que não demonstra se importar com os outros, porque eu sei que se importa comigo, eu senti isso. Mas amo meu Anjinho e assim como ele não desistiu de mim quando fez besteira, eu farei o mesmo.

   Finalmente me levanto e arrumo a cama, então sigo em direção ao banheiro, tomo um banho e penteio o cabelo, o amarrando num rabo de cavalo. Coloco um vestidinho branco com cinto bege na cintura e calço uma bota curta. Desço as escadas, sabendo onde devo ir e o que devo fazer.

- Pai? Estela?

   Minha voz vacila e pigarreio, odiando Miguel por ter me feito gritar como uma louca ontem. Eles estão sorrindo quando ouvem minha voz fraca e se viram para mim. Minha madrasta com um sorriso de dó, mas seu Carlos não esconde a preocupação.

- Está arrumada. Vai sair?

   Gostaria de dizer que não preciso explicar para o meu namorado que beijei outro...

- Sim. Vou espairecer.

   Minto. Sei que meu pai não gostaria de ouvir que vou atrás do homem que me disse barbáries no dia do meu aniversário. Jorge foi realmente muito grosseiro comigo por causa de ciúmes de Esteban, mas meu pai não sabe que o que eu fiz antes disso merece um belo pedido de desculpas.

   Parecendo entender o real motivo da minha saída, Estela interfere.

- Está bem, querida! Mas leve essa torradinha com sua geleia favorita.

   Além da torrada, ela me oferece um sorriso, agora de compreenssão. Agradeço com um meneio de cabeça, olho rapidamente para meu pai e me retiro da cozinha e em seguida de casa.

***

   Saio do uber e o reconheço da calçada. Ver seu cabelo dourado caindo no rosto enquanto ele rega as plantas da mãe faz meu coração acelerar e sinto um calafrio. Não sei como vai reagir ou se ao menos consiguirei contar. Jorge me vê. Ele coloca o regador na grama e vem ao meu encontro abrir o portão envolto por um muro baixo. Eu entro em sua casa devagar, viro-me para ele e começo depois de uma tosse.

Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora