Ainda deitada, ouço um barulho vindo do corredor. Cochichos. De repente a porta se abre e minha família invade o quarto. Meu pai equilíbra um bolinho cor de rosa na mão e por sua vez, Estela segura uma sacola dourada.- Feliz aniversário, Lara, parabéns!
Ah é. É meu aniversário!
Pois é, esqueci. Com tudo que está acontecendo nem lembrei e também não sei para que comemorar, mas pensando melhor, pode ser meu último aniversário com meu pai, então me esforço para paracer feliz em meio a tantos pensamentos dolorosos.
Sento-me na cama enquanto Estela bate palmas sem ritmo, claramente animada. Levanto para cumprimentá-los.
- Obrigada, Estela, obrigada, pai! Vocês são demais mesmo!
Abro um sorriso amarelo.
- Assopre a vela, querida. E não se esqueça do seu desejo!
Qual é o meu desejo?
Talvez que minha mãe estivesse viva ou que meu pai não estivesse doente. Resolvo me deter ao mais simples e mais certo. Fecho meus olhos com força e desejo que eu tenha mais momentos como esse. Feliz, em família. Abro os olhos e sopro o dois e o um de uma vez só.
- Vamos comer o bolo na cozinha para não sujar seu quarto.
Estela sendo ela!
- Claro, podem ir, vou me trocar e já desço.
Ela arregala os olhos e dá um gritinho quando lembra de algo e estende a mão com a sacola para mim.
- Espero que goste.
Seus cílios compridos balançam sem parar. Sou obrigada a rir e aceito o que será, com certeza, um presente de muito bom gosto.
Eles se viram e fecham a porta me deixando a sós com meus pensamentos confusos. Eu os espanto tendo em mente que hoje é o meu dia e mereço um pouco de alegria sem ser seguida de drama, como sempre.
Abro a sacola dourada e desenrolo o papel de seda, encontrando um jeans. Ainda de pé, seguro suas alças na altura dos ombros e deixo o tecido cair. É um macacão, com bolsos quase rasgados e bainha dobrada nas canelas. Ele é lindo e merece ser usado num dia especial.
Como hoje!
Não demoro para vestí-lo, serve perfeitamente.
Impressionante como Estela é competente em tudo que faz.
Escolho uma camiseta branca para pôr por baixo. Meu tênis mostarda de camurça também é escolhido. Penteio meu cabelo que chega ao umbigo e ainda não gosto dele desse tamanho. Para disfarçar, faço uma trança embutida de lado. Minha mãe me ensinou quando eu era criança. Dói ao pensar na última memória que tenho dela. Das palavras dela. Daquela carta depressiva. Balanço a cabeça a fim de esquecer das más lembranças, pelo menos só por hoje. Na penteadeira, olho para o espelho e lembro que quase nunca uso maquiagem, mas hoje é exceção para isso também. Passo rímel e um gloss e estou pronta. Pego minha mochila, mas volto para deixá-la no mesmo lugar, lembrando que hoje não tem aula e que o dia será dedicado ao evento de Ramom e a mim, é claro. Abro o guarda-roupa e pego uma bolsinha marrom de obro, onde guardo o celular, assim saio do meu quarto e desço depressa as escadas.
Na cozinha, sinto cheiro de café. Joana quem está coando. Temos cafeteira, mas todos preferem o café da nossa amiga. Estela me pega roubando chantilly do bolo. Ela reclama.
- Mas então por que chamam o dedo fura bolo assim se não for para isso?
Meu pai ri e beberisca seu café saindo fumaça, mas a piada não funciona com Estela que vem para perto com um píres e um corta bolo. Sorrio para ela como uma criança pedindo perdão e pisco meus cílios tanto quanto ela mais cedo, fazendo com que ela ceda e sorria também.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)
Romance🔴 A ideia de parar numa ilha deserta em busca de um recomeço não parece tão ruim se comparada à ficar na casa onde viu sua mãe ser assassinada. Lara assim começa uma jornada que imaginava ser desafiadora, mas que depois mostrou ser ainda mais que i...