Com explicar sentimentos que nem eu consigo entender? Acho que tentando é a melhor resposta. Chego à praia e vejo Jorge tentando acalmar Ramom, mais de uma vez. Olho discretamente para a esquerda deles e o encontro a vários metros. Esteban estava dando voltas na areia, com as mãos entrelaçadas por trás da cabeça, preocupado, claro. Numa dessas voltas, seu olhar encontrou o meu. Eu o chamo em silêncio e ele vem lentamente até mim sem despertar a atenção dos outros.- O que foi, Lara?
Sussurra.
- Precisamos conversar.
- Ok. Vamos.
Dou mais uma olhada para Jorge e começo a caminhar para casa. Esteban não olha para trás. Seus olhos caramelados estão em mim. No meu corpo, para ser maiz exata.
Chegando, nos sentamos em frente aos lampiões carregados à luz solar, agora desligados, que meu pai também me deu. Esteban parece distraído e finalmente descubro o porquê.- Você está... Diferente! Esta-tá bonita.
Gagueja num sussurro e eu agradeço, corada.
- Sãos as roupas que ele me deu, decidi usá-las.
- Boa decisão.
Ela afirma, mostrando as covinhas sem mostrar os dentes brancos. Eu limpo a garganta e mudo de assunto, um assunto bem mais sério e que realmente me preocupa, ele imita meu gesto.
- Como está Cecília?
Percebendo a preocupação em meu olhar e em minhas olheiras, aposto, ele responde:
- Ainda não sabemos. Tentei falar com seu pa... com o seu Carlos e nada. Eles não retornaram a ligação ainda.
Faço uma pausa. Não era só sobre isso que queria falar com ele. Tínhamos uma conversa pendente, eu ia lhe contar o quanto gosto de Jorge, mas agora nem sei mais, não estamos mais juntos. Então não sei exatamente por que o chamei até aqui. Acho que queria só uma companhia. Sua companhia. Preciso de conforto e Jorge seria minha primeira opção, mas ele insiste em fazer besteira.
Faço menção a entrar no meu abrigo para pegar um cacho de uvas que colhi mais cedo para oferecer a minha visita quando a vejo se rastejando por debaixo do colchão de ar.
Não, não, não!
Uma serpente! Dou um sobressalto de susto e sem muito no que pensar, ando para trás devagar. Ela tenta me atacar, mas já estou longe o suficiente. Então a cobra sai do meu quarto e se apossa da minha sala de estar, que se resume às duas pedras e à fogueira. A repulsa e o nojo de vê-la se rastejando na minha casa, faz meu corpo arrepiar.
Eca. Vou ter que lavar tudo depois!
E se ela esteve aqui antes? E se esteve enquanto eu dormia? Acho que dei muita sorte durante esses anos.
Enquanto passo para o lado oposto de Esteban, que é o mais curto e seguro para mim, ele faz um sinal para que eu fique quieta. Obedeço, por mais que eu saiba como lidar com animais selvagens, ele me parece mais experiente. Esteban pega um pedaço de galho caído rente às raízes da laranjeira, ao seu lado esquerdo, e acha sensato ameaçar a cobra. Seu olhar é destemido, seus olhos cor de mel, arregalados. Assim que encosta a madeira no rabo da cobra e ela se irrita, percebo definitivamente que ele não sabe o que está fazendo. Balanço as mãos e lanço um olhar histérico para ele, que entende o motivo da minha irritação. Chamo-o para mais perto e dando a volta na fogueira, do lado contrário da cobra, é claro. Ele se aproxima.
Pego a madeira de sua mão e faço um sinal de reprovação, reclamando baixinho. Ele fica todo sem graça, mas ri. E acabo rindo junto. A serpente, derrepente, fica de pé e jorra seu veneno em nossa direção, errando. Levo um susto e imediatamente entrelaço meu braço no dele. Só depois dele ficar me encarando de modo gentil que percebo o quão próximo estamos. Percebo também que esse foi nosso primeiro contato físico.braço dessa maneira. Eu, segurando seu antebraço forte repleto de veias grossas. Depois de nos encararmos por um breve momento, resolvo soltá-lo e enquanto nos afastamos em sincronia andando pequenos passos para trás, ouço a serpente chacoalhar o rabo e a vejo pôr a língua para fora em tom ameaçador. Tomo um susto maior ainda. Agarro-o novamente, mas agora ainda mais colada. Esteban me olha carinhosamente e faz minha mão escorregar, pegando nela. Percebo seu carinho. E gosto. Quando nos distanciando o bastante do perigo, observando de longe a serpente voltar para a mata densa, ficamos sem graça e soltamos as mãos. Como por instinto, andamos mais a diante até não conseguirmos ver mais minha casa. Durante o percurso rápido, nos entreolhamos e não conseguimos segurar. Caímos na risada. Depois de refolegar o suficiente, Esteban diz:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)
Romance🔴 A ideia de parar numa ilha deserta em busca de um recomeço não parece tão ruim se comparada à ficar na casa onde viu sua mãe ser assassinada. Lara assim começa uma jornada que imaginava ser desafiadora, mas que depois mostrou ser ainda mais que i...