Acordo com o sol penetrando minhas pálpebras. É quente e úmido. Tenho a sensação de estar em uma praia. Abro os olhos com esforço, ponho minha mão esquerda sobre eles e os esfrego com a ponta da manga do meu casaco preto de linho. Abro os olhos e levanto quase num estalo, confirmando minha suposição. Estou numa praia. Totalmente desconhecida. Percebi que o pequeno veleiro do meu pai está quebrado em sua lateral e no fundo. Olho para o céu com a mão no rosto para me esquivar do sol e agradeço por estar viva. Saio do barco e o levo para mais dentro da areia. Olho para ver se sobrou algo que eu trouxe na minha mochila velha. Nada. A mochila não está mais aqui. Toda a comida e pertences que estavam comigo foram tomados pelo furioso mar de ontem à noite, com aquela tempestade foi difícil segurar qualquer coisa que não fosse o remo, já que a vela tinha partido ao meio.
Apenas uma coisa me restou. Para mim, a mais importante: a manta da minha mãe. Lembranças do dia de sua morte, apenas dois dias atrás, vêm me atormentar, afugento-as e sigo pé na areia quente e branca desta linda praia com uma floresta de plano de fundo, atrás de qualquer coisa que possa matar minha sede.
A medida que caminho, percebo que não é uma praia comum. Estou quase sem perceber virando lentamente à direita. Então me dou conta. É uma ilha.
Uma ilha!
Não era isso que eu pretendia ao fugir. Estava procurando um lugar para recomeçar, sim, mas não esperava por isso. O que eu vou fazer numa ilha?
Minha única opção é procurar por alguém que possa me ajudar, mas pessoas são dissimuladas, fingem ser boas a fim de algo em troca. Então resolvo me precaver. Volto ao barco e destaco uma parte mais fina, que me servirá como um taco.
Sigo em frente. Na esperança de encontrar alguém, mas ao mesmo tempo achando melhor não encontrar. Ninguém é tão confiável quanto parece ser. Chego a pensar que pode ser melhor ficar sozinha. Talvez vir parar nesta ilha foi um plano de Deus. Talvez esse seja o recomeço que eu tanto quero. Vou tentar dar uma chance para esse lugar, qualquer coisa é melhor que voltar para a minha casa, onde tudo aconteceu...
Pensamentos sombrios retornam, tento espantá-los, mas dessa vez está difícil. É tão recente, eu tinha minha mãe comigo todos os dias e agora não vou vê-la nunca mais. Seus olhos amendoados e castanhos, que eu herdei, dizendo que me ama sem ao menos dizer, suas mãos cheias de calos me dando carinho, passando seus dedos dentre meus cabelos esguios. Ela amava penteá-los. E eu amava ouví-la cantarolar enquanto o fazia. Sua voz era como o canto dos pássaros, contínua e suave.
Ah! Como eu amava esses momentos, em que eu tinha minha mãe. Mas ela se foi. Não de maneira natural, mas de um bruto assassinato.
Fecho meus olhos com força tentando apagar esse episódio da minha mente, mas acho que nunca esquecerei. Aquela cena dela no chão da cozinha esfaqueada entre os pulmões...
Quero que minha mãe seja vingada, mas como eu o faria? Mataria? Na minha vida só matei insetos, peixes e pequenas aves. Não tenho habilidades para isso, para um porte de um e oitenta de altura e noventa e cinco quilos, não que ele não mereça.
Por isso fugi. Fugi de ter que olhar para aquela cozinha de novo, de ter que enfrentar meus medos daquele lugar. Como eu deitaria na minha cama sem o beijo dela de boa noite? Como eu assistiria televisão sem o barulho de louças sendo lavadas?
A saudade foi meu combustível para ir o mais longe possível da cena da morte da minha mãe, onde eu costumava chamar de lar. E consegui.
Fisicamente, esse é o mais longe que eu nem imaginava. Mas as lembranças serão minhas bagagens por onde eu for.
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Ilhada - A ilha que habita em mim (LIVRO COMPLETO)
Romantizm🔴 A ideia de parar numa ilha deserta em busca de um recomeço não parece tão ruim se comparada à ficar na casa onde viu sua mãe ser assassinada. Lara assim começa uma jornada que imaginava ser desafiadora, mas que depois mostrou ser ainda mais que i...