Estou limpando algumas pequenas mesas do lado de fora do restaurante, já é uma da tarde e o sol está vibrante no céu, grande e quente, como se estivesse sorrindo para mim, debochando do meu péssimo humor. O restaurante está me esgotando mais a cada dia, meu sonho era se tornar um grande chefe de cozinha, mas não consigo ser feliz no que faço tendo que lidar com tantos problemas de uma vez só. Por sorte eu não tive mais nenhum sonho desgastante e confuso, e nem ouvi aquela voz de novo.
Termino de organizar a última mesa, quando sinto uma pequena mão apertar meu ombro.
— Com licença senhor, você poderia me ajudar? — Uma voz fininha fala e me viro até encontrar uma mulher pequena e sorridente. Os cabelos pretos preso numa trança lateral até o quadril e as roupas leves denunciam que ela é nova na cidade. — Acabei de chegar em Seul e estou um pouco perdida.
— Claro, no que posso ajudar?
— Você sabe onde fica o Kim’s Restaurant? Eu sou a sobrinha do dono e preciso muito falar com ele. Ele até me passou o endereço, mas eu consegui me perder mesmo usando o GPS. — Solta tudo num folego, sorrindo constrangida ao terminar.
A olho meio incrédulo, será que ela não viu a grande placa onde jaz “Kim’s Restaurant” bem acima de nossas cabeças? E também, acho que o chefe acabou comentando sobre um parente distante que se juntaria a equipe. Pelo que me lembro seu nome é...
— Você é a Kim Minji?
— Sim, sou eu mesmo! — Responde entusiasmada, mas logo sua expressão muda radicalmente. — Espera, como sabe meu nome? Você é um stalker? — Pergunta já agarrando sua bolsa e se pondo em posição de ataque.
— O que? Não, não. Eu sou Jisung, um dos cozinheiros do restaurante do Kim. — Minji suspira aliviada e volta ao normal, ela é meio doida, gostei disso. — Aliás, você está bem na frente do lugar que procurava. — Aponto para a fachada do restaurante.
Ela arregala os olhos e segundos depois, bate na própria testa.
— Céus, eu sou mesmo um desastre. Eu estava na frente do negócio, era só ter olhado. Me desculpe Jisung-ssi. — Diz corando levemente.
— Está tudo bem. — Acabo rindo um pouco, enquanto me direciono à entrada do restaurante, sentindo ela andando atrás de mim. — Mas então, o Kim comentou pouco de você para nós, vai entrar para a equipe do restaurante, ou...? — Posiciono o pano que eu usava para limpar as mesas no caixa já fechado do balcão, me apoiando e vendo ela repetir a ação.
— O plano é esse. Vamos ver se eu me acostumo. Eu trabalhava numa pequena cafeteria na minha cidade natal, nossa família sempre mexeu com restaurante e etc, eu gosto muito de cozinhar então, conversamos com meu tio Kim para eu tentar ajudá-lo aqui em Seul e ver se é isso mesmo que eu quero.
— Ah entendi, mas tipo, não tinha nada mais perto do que Seul para você tentar gastronomia?
— Sokcho é pequena sabe? Eu quero tentar algo grande, por isso a capital.
Sokcho... onde eu já ouvi essa palavra?
— Bom, espero que isso seja o que você procura Minji-ssi. O escritório do seu tio fica numa porta à esquerda da cozinha, pode entrar lá, ele deve estar tirando sua sonequinha rotineira.
— Muito obrigado Jisung-ssi.
Ela se vira e sai andando a passos pequenos para a cozinha, enquanto eu quase sinto meu cérebro derreter de tanto pensar em: aonde diabos eu ouvi aquela palavra?
O resto do dia se passa lento, e quando meu turno finalmente acaba, vou correndo para a casa, eu preciso dormir.
Entro no apartamento pequeno e tranco a porta, tirando os calçados e o avental sujo. Ouço Jeonjin cantar se achando a Madonna no banho e acabo rindo sozinho. Preparo uma janta simples para nós dois e o espero finalizar seu show para comermos.
Ele sai do quarto com uma toalha enrolada na cabeça, deslizando os pés descalços num moonwalk todo esquisito e finalizando com o gritinho único do Michael Jackson. Eu o observo do meu lugar da mesa, servindo os nossos pratos e rindo desacreditado do meu irmãozinho, como é esquisito.
— Oi maninho, gostou da minha dança? — Tira a toalha da cabeça e esfrega nos fios azuis para retirar o excesso de água.
— Achei fenomenal, quase esqueci que você fazia faculdade de design e não de dança.
— Ah, seu debochado, sei que tem inveja das minhas habilidades. — Diz convencido, se sentando ao meu lado e começando a comer. Balanço a cabeça concordando com ele.
— Como foi o seu dia? — Pergunto entre uma colherada e outra.
— Foi bom mas, eu não sei. Me sinto tão cansado da faculdade, Hannie.
— Acho que precisamos de umas férias, também não aguento mais ficar tanto tempo no restaurante. — Me recosto na cadeira ao terminar de comer e olho para o centro da mesa.
Assim que Jeongin termina também, eu junto nossos pratos e os coloco na pia.
— Deixa a limpeza comigo hoje, sei que está cansado. — Ele diz e eu agradeço mentalmente, quase não me aguento em pé.
O abraço apertado por trás e ele reclama como o habitual, me fazendo rir. Assim que ele começa a lavar a louça eu percebo uma mancha preta no braço esquerdo.
— O que é? Parece tinta de caneta. — Esfrego o polegar em cima com um pouco de água para limpar a mancha.
— Ah, que bom que você viu, eu já ia esquecer. Você repetiu essa palavra muitas vezes na noite passada, então anotei para te perguntar o que era, mas você saiu mais cedo hoje de manhã. — Ele fecha a torneira e olha para mim. — Você ficava dizendo “Sokcho”.
E como se uma lâmpada se acendesse sobre minha cabeça, eu lembrei. Eu vi essa palavra no meu último sonho com ‘ele’. E hoje, Minji me disse que era sua cidade natal.
Corri buscar o notebook que eu e Jeongin dividimos, o ligando e me sentando à mesa. Innie me olhava com um ponto de interrogação enorme no meio da testa, fiz um sinal para que ele esperasse enquanto eu buscava no Google.
Assim que as imagens da suposta cidade se abriram, eu abri a boca em surpresa. Tinha uma bela praia e... e também a grande montanha que eu havia visto no sonho.
— O que é? — Ele perguntava impaciente, parando ao meu lado e encarando as fotos do lugar. — Uma cidade?
— Innie! — Digo um pouco mais alto que o normal, assustando o menor. — Eu vi essa montanha no último sonho, e a praia e... — Me levantei de supetão, isso significava que... — Será que é onde ele mora?!
Comecei a dar voltas pela mesa, maquinando essa possibilidade na minha cabeça. E se ele realmente morar em Sokcho? E se eu devesse encontrá-lo por que ele é a minha alma gêmea? E se for por isso que eu sonho com ele?
As mãos grandes de Jeongin seguram meus ombros, me obrigando a parar de caminhar.
— Quer parar, homem? Daqui a pouco abre um buraco no chão.
Encaro o rostinho dele e o seguro com as duas mãos, espremendo suas bochechas e o fazendo formar um biquinho.
— Você não vê, Innie? E se ele morar lá e eu sonhar com ele por que preciso encontrá-lo?
— Isso significa que vamos viajar? — Ele diz meio estranho por conta do meu aperto e eu gradativamente solto seu rosto. Acabei de perceber que eu não faço a mínima ideia de onde fica Sokcho.
Me sento novamente à frente do computador e começo a pesquisar. É uma cidade pequena comparada a capital, e por sorte fica só a duas horas de carro daqui.
— Senta aqui Innie, vamos conversar sobre isso. — Bato na ponta da mesa e logo ele se senta. — Olha, não vou tomar nenhuma decisão que o prejudique, certo? Você ainda é minha prioridade. — Bagunço seus cabelos e recebo um sorriso lindo. — O que vamos fazer?
— Você ainda pergunta? Nós vamos para lá! — Ele diz animado, começando a olhar para o teto e gesticulando com a mão. — Imagina só, a viagem dos irmãos Han e Yang, em busca da alma gêmea. — Completou sussurrando o final de modo dramático. Eu o olhei sério.
— E sua faculdade? E meu emprego? Não esqueça que ele é nossa única fonte de renda, por que eu não posso contar com o dinheiro que nossos pais te mandam todo mês, sei que é de coração mas é muito pouco.
— Você mesmo disse que nós precisamos de férias, Hannie. Eu tranco a faculdade e você pede as férias que estão acumuladas. Esqueceu o quanto trabalhou no natal e ano novo? Tenho certeza que isso dá pelo menos um mês de férias, além de que eu tenho umas economias guardadas se nós precisarmos.
— Não vou usar seu dinheiro, Innie. Eu sei o quanto os materiais da sua faculdade são caros, e também sei que no fundinho do seu coração, você ainda ama cursar o que escolheu, só se sente meio sobrecarregado.
— Certo, ai você vai matar você e a sua alma gêmea por conta de algo tão raso quanto dinheiro? — Pressionei meus lábios com força, achei que ele não tinha percebido. — O que? Você acha que eu não vi? Eu te conheço Jisung, sua saúde é ótima, você sempre foi saudável, mas do nada começa a ter quedas de pressão e cansaço excessivo? Não minta para si mesmo, sabe que é sinais da falta da sua alma gêmea. — Ele cruza os braços como se fosse a pessoa mais inteligente do mundo. Argh, eu não merecia estar levando esporro do meu irmão mais novo. Reviro os olhos e desvio do seu olhar. — Sabe que há pessoas mais sensíveis a isso do que outras, a mãe já nos contou que com ela também foi assim. Por pouco ela não falece de fraqueza.
— Está bem, me dê cinco minutos para pensar. — Me levanto e começo a andar pela casa, só assim consigo ter boas ideias.
Jeongin termina de limpar a cozinha enquanto eu pesquiso passagens de ônibus e locais para ficar, pretendo ficar um mês fora, e se der tudo certo, trazê-lo para morar comigo aqui, em Seul.
— Sei que é meio repentino tudo isso mas, você não pode perder essa oportunidade, estamos falando da sua alma gêmea, Hannie. — Jeongin diz logo após me abraçar e deixar um beijinho na minha bochecha. Suspiro acenando com a cabeça e vendo um sorriso grande se abrir.
[...]
Na sexta feira, eu organizo os preparativos finais. Já está tudo certo com a faculdade do Innie, e após eu quase socar o meu chefe, ele calculou minhas férias e disse que eu tenho exato um mês. Aproveitei para me despedir de Minji e contar que estou indo visitar sua cidade. Ela me disse para procurar a cafeteria do Lix, um loirinho fofo que poderia me ajudar, era só dizer que eu a conhecia.
Estava terminando de arrumar minha mala, dobrando algumas camisetas e roupas mais leves para guardar, afinal é verão e lá é um pouco mais úmido que aqui. A ansiedade é o principal sentimento nesse instante, me fazendo ficar paranoico. E se der tudo errado? E se ele me odiar? E se nós morrermos no meio do caminho e ninguém encontrar nossos corpos? E SE ELE JÁ ESTIVER MORTO? Céus, eram perguntas de mais.
— Hannie. — Jeongin me chamou. — Quer parar de se torturar pensando no que pode dar errado?
— Você nem sabe o que eu estou pensando.
— Está a uns cinco minutos segurando essa camisa como se fosse sua vida e olhando para o nada com um olhar esquisito. — Largo a camisa de qualquer jeito na mala.
— Não estou nada.
— Você é meio estranho sabia? — Ele diz e volta a olhar pro celular.
— É de família. — Fecho a mala e pego minha mochila, arrumando o essencial nela. Carregadores, fones, o remédio para enjoos do Innie, identidades e todo o dinheiro que eu consegui juntar, contando com o pouco que eu tinha guardado mais o que consegui adiantado das férias.
Já deixei as malas arrumadas perto da porta e me deitei na cama. Jeongin ressoava calminho em sua cama, e foi ouvindo sua respiração tranquila que também acabei dormindo.
❛ ━━━━━━・❪ ❁ ❫ ・━━━━━━ ❜
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝐀 𝐚𝐥𝐦𝐚 𝐋𝐢𝐥𝐚́𝐬 - 𝐌𝐢𝐧𝐬𝐮𝐧𝐠 🌸
Romantizm"Os olhos são as janelas da alma" e blábláblá, era muito fácil cantarolar isso quando já se tinha achado sua alma gêmea, quando já não se sentia mais incompleto e podia descobrir nos olhos do outro a cor da sua alma. Mas Jisung, um pobre cozinheiro...