4. Mitzvah

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— Acorda, Sehn.

A voz de Phoynikes ecoou no quarto por causa do silêncio na rua. Uma nesga de luz passava pela janela, indicando que o primeiro dia da Aviv avançava, logo as flores nasceriam e os animais voltariam.

– Já está na hora? – O rapaz se espreguiçou. Virou-se para o lado, buscando a coberta. – Me dá mais cinco minutinhos...

– Não. Você já aproveitou sua última noite aqui. É hora de enfrentar seu mitzvah.

Sehn levantou e puxou as roupas para a cama, havia deixado a trouxa em cima de uma cadeira para facilitar o acesso. Enquanto se vestia, escutava o tio descrever o ritual de aceitação dos bnei shoah.

– Hoje é o dia mais importante de sua vida, levanta.

– Sei, sei.

O garoto procurava a corrente que servia de aliança com Maya. Achou a caixinha escondida no travesseiro. Phoynikes olhou para ele, curioso a respeito daquele objeto. Conhecia o sobrinho suficientemente bem para saber que ele aprontara alguma coisa na tarde anterior. Mesmo assim, resolveu não questioná-lo sobre aquilo, Sehn tinha o direito a alguma privacidade.

– Não brinque com essas coisas. A Busca é significativa para nosso povo. A Kabalah virá atrás dos jovens e os levará para o Cenóbio de Ahator. Provavelmente eu só o verei daqui a quatro anos, quando o treinamento acabar. Isso na melhor das hipóteses.

Sehn não deu muita atenção. Tentava arranjar um jeito de enrolar a corrente no pulso. Estava empolgado. Passara pouco tempo com os pais desde que nascera. Os soldados da Kabalah só tinham três semanas de folga durante o ano, tornando as férias datas muito especiais para suas famílias. Neste período, Sehn procurava ao máximo o carinho do pai e da mãe e agora, depois do mitzvah, iria vê-los todos os dias.

– Na segunda parte do mitzvah vocês receberão um banho purificador para se desligarem de suas vidas de criança. A partir daí, serão soldados e mais nada. Terão de esquecer sua vida entre os ggoyim.

Phoynikes agarrou a mão de Sehn e o ajudou a enrolar a corrente. Abriu o fecho com a unha e passou o anel por ele.

– E quando isso acaba? – resmungou Sehn, levantando da cama e passando a camisa sobre a cabeça.

– Na terceira parte. Os veteranos lhes dão uma missão especial. Se forem bem sucedidos, serão aceitos. Se falharem, morrerão.

Sehn passou a mão na camisa para assentá-la melhor.

– Nós nunca falhamos no mitzvah, não é?

– Não – Phoynikes mentiu.

Sehn temia ser o primeiro. Não queria admitir, mas estava apavorado com a ideia de não conseguir superar os desafios vindouros. Era a mesma sensação que o invadira ontem ao beijar Maya: um lado seu ansiava por aquilo mais que tudo, o outro queria fugir.

Depois do desjejum, Sehn e Phoynikes saíram de casa e foram à praia. Os vizinhos os cumprimentaram, deram abraços e presentes. A maioria deles sorria, as senhoras de mais idade abençoavam o rapaz, os homens comentavam orgulhosos sobre os antepassados que haviam lutado, como ele faria.

Quando os dois chegaram à praia, o lugar já estava quase vazio e a maioria dos aeronavios imperiais tinha levantado voo. Boa parte dos ggoyim voltava para casa. Os poucos que tinham ficado apontavam para Sehn e o tio, curiosos com seu atraso.

– Eles já foram! – exclamou Phoynikes – Bom, melhor voltarmos para casa, né?

– Que será que aconteceu? – indagou Sehn. – Todo mundo já foi...

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora