23. Barão

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Asas sombrias bateram com força, levando Edgar entre as montanhas e provocando um forte contraste nos cumes brancos de Hellyah. O farfalhar provocado por elas quebrava o silêncio instaurado pela natureza.

Seu lado arur harmonizava o corpo ágil e misturava-se ao mundo como se fizesse parte dele. Agora que sabia a extensão de seus poderes podia fazer o que quisesse. Era o Messias Sombrio, a criatura feita das partes de Namid. Precisava encontrar os outros. Matá-los para se tornar o único.

Seu lado nabiyim cuidava disso. Edgar previra todas as possibilidades de seu plano dar errado e estudara maneiras diferentes de concretizá-lo com eficiência. Não haveria dia melhor que aquele. O Quinto Império finalmente estava relaxado, haveria uma festa pela fundação de Desdalain, a Guarda Imperial não estaria nas proximidades e os soldados convencionais seriam removidos de perto de sua vítima por Bernard. Edgar voava para matar Ferdinand Leikís, o Barão de Desdalain e Marechal do exército ggoyim.

Atravessou o céu até chegar à cidade. Notou diversos aeronavios abaixo de onde estava, mergulhou nas nuvens e usou seu dom de prever o futuro para esquivar de possíveis adversários. Não podia ser visto, avançava e recuava, pairava acima deles e deixava que passassem. Edgar calculara o ponto exato onde devia ficar e respirou fundo. Apesar de estar no controle da situação o nervosismo atrapalhava. Se Tehom não conseguisse abrir a porta e a janela do quarto, Edgar morreria dali a alguns instantes.

Tirou a espada da bainha e a soltou. A arma foi engolida pelas nuvens e desceu, passou entre dois aeronavios e não pôde ser vista pelos soldados que faziam a ronda. Fogos de artifício explodiram próximos aos cascos das embarcações. Os soldados prestaram atenção neles e não viram o mergulho que Edgar deu em seguida.

Com as asas fechadas sobre o corpo, o invasor mergulhou em alta velocidade e se misturou à bagunça aérea. Podia ver os sessenta e nove obeliscos do Templo de Desdalain a alguns metros. Essa era a parte mais perigosa da invasão, pois se errasse a velocidade ou o lugar onde cairia podia atingir uma destas construções e ser feito em pedaços.

O Templo de Desdalain era uma construção circular que ficava no centro da cidade e era cercada por um alto muro de pedras. Seus sessenta e nove obeliscos haviam sido erguidos para contar a história do Império. O prédio central servia de casa ao Imperador quando este vinha à cidade para as comemorações. O prédio menor ao seu lado era a morada de Ferdinand Leikís, o Barão.

Todos os regentes de Nordara eram parentes diretos de Noah Ahsverus, o Imperador. Cada um estava ligado ao território que governava por um feitiço poderoso que mantinha os Titãs adormecidos. Enquanto suas famílias existissem, seus domínios estariam a salvo. Matando Ferdinand, Edgar libertaria Desdalain.

Edgar emparelhou com a espada e a agarrou, abriu as asas em seguida e deu a volta no prédio. Estava se encaminhando para uma de suas maiores janelas, aquela que lhe daria acesso ao quarto de Ferdinand. Uma lembrança tomou-lhe de assalto, estivera ali com os membros da sheyvet há três anos. Teve saudades, depois raiva.

– Chegou a hora, Namid – murmurou. Deu um rasante e fechou as asas novamente, disparou como um míssil e atravessou o quarto em alta velocidade. Tehom conseguira.

Como vinha muito rápido Edgar precisou de espaço para manobrar. Ele entrou no quarto pela janela e saiu pela porta, escorregando no tapete e indo parar no meio do corredor.

Sem mover um músculo, ouviu os guardas se aproximando. Soldados convencionais, inimigos fáceis de abater. Edgar esticou as asas e elas pegaram fogo, queimando a tapeçaria e os homens mais próximos. Sentiu que um golpe quase o acertou, mas já vira aquele combate em sua mente, conhecia todos os movimentos.

Jogou o corpo para trás, flechas passaram onde deveria estar. Depois, com um giro rápido, espalhou as chamas. Bateu as asas de modo que flutuasse a alguns centímetros do chão, mais flechas passaram por onde estava seu pé.

Ferdinand apareceu na porta do quarto, segurando uma espada, a barulheira do invasor o acordara, pois o homem ainda usava pijama.

– Crow, como você chegou até aqui? – gritou ao ver o jovem de asas negras.

– Bernard se encarregou disso, Barão. Agradeça aos Titãs.

Saboreando o pavor de sua vítima, Edgar sacou a espada de obsidiana e partiu para cima dela. O Barão tentou esquivar, passou incólume por dois golpes, mas foi atingido pelo terceiro. As pernas bambearam e os olhos perderam o foco. O corredor era uma fornalha, os soldados não podiam se aproximar.

– O que é que... – tentou dizer, mas a língua ficou dormente.

Sem pensar duas vezes, Ferdinand saiu correndo em busca de ajuda para o lado oposto do corredor. Edgar não o perseguiu. Sabia o que ia acontecer, já tinha previsto. O Barão deixou um rastro de sangue atrás de si. Tesla emergiu das sombras.

– Nós conseguimos – disse Edgar ao amigo.

Era uma questão de segundos até o Barão cair, seus aliados não o ajudariam. O bnei shoah começou a prestar atenção aos detalhes do prédio: suas paredes eram cobertas com cortinas púrpuras de veludo, as colunas entalhadas em bronze tinham rostos em seus topos, engrenagens apareciam aqui e ali e canos expeliam Névoa nas salas. Em breve tudo aquilo seria pó.

Edgar fez questão de aproximar as asas das paredes, aumentando ainda mais o fogo. O brasão dos Ahsverus se desprendeu quando seus parafusos derreteram. O Templo ardia, transformando-se numa grande pira no meio da cidade. Jamais invadido ou atacado por traidores, o Templo era o símbolo da supremacia do Quinto Império. Até agora, permanecia incólume aos pecados de sua nação.

Tesla viu Tehom se aproximar por onde Ferdinand tinha sumido. Ainda estava na forma de Bernard, mas a pele estava acinzentada.

– Onde está o barão?

– Lá. Não o impedi de fugir – apontou com a cabeça.

– Era o que eu esperava. Ferdinand ainda não pode morrer – disse Edgar.

Foi necessária uma noite, um único cair de sol, para que Nordara visse o sangue real escorrer pela escadaria e coagular aos pés da estátua do primeiro rei. Os cabelos pretos grudados no rosto como uma máscara, os olhos verdes fechando vagarosamente, as pernas falhando a cada passo. Ferdinand tentava falar, mas era impossível. Tartamudeando, o Barão de Shoah tentou se arrastar, mas despencou aos pés da estátua de seu antepassado.

Calmamente, como se aquilo fosse um espetáculo, Edgar se aproximou. A lâmina escura em suas mãos não brilhou. Quando a cabeça real ficou pesada demais, bateu contra a escadaria. Tesla e o falso Bernard olhavam das chamas.

– Devo ir atrás da mulher?

– Sim, caro amigo. Traga Maya Hawthorn a nós e ordene aos Legisladores para se prepararem. – respondeu Edgar. Tehom emergiu nas chamas, gritos agonizantes de soldados ocuparam o corredor e uma explosão fez tremer as paredes.

– Preciso encontrar Hadjakkis, está na hora de ele saber a verdade sobre a Kabalah – sussurrou Tesla.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora