22. Pedra

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Depois de dois anos servindo ao Quinto Império, Sehn Hadjakkis voltava para casa por uma senda humilde que cortava a floresta em direção à estrada principal.

A noite chegava fria e escura. Uma camada de névoa cobria a estrada e a umidade do sereno esfriava as centenas de pedras espalhadas pelo campo, fazendo-as brilhar. O caminho era tranquilo. Sehn explicava a menina os conceitos da Kabalah e das Sephiroth, como seus professores tinham feito com ele no Cenóbio de Ahator. Era engraçado, sempre sonhara em ter aquela conversa com um filho, nunca com uma alma que o seguia de volta para casa.

Era bom passar o tempo com alguém que pudesse chamar de amigo. Sentia falta dos companheiros. Engraçado como, depois de cinco anos numa batalha que não era sua, sacrificando parte de sua vida e juventude, não tinha nada. Herdara um braço dracônico e uma espadasserra. Além do sangue dos pais a conspurcar-lhe o espírito e uma alma de criança seguindo-o por aí, como se fosse algum amigo querido.

Não que não gostasse de Minerva, muito pelo contrário. Amava-a como a uma filha. Na verdade, amava-a porque partilhava sua vida com ela.

Finalmente chegara à estrada principal. Estava no fim do dia e os últimos raios alaranjados do sol eram atravessados por pequenas ondas azuis da noite.

Prestando atenção a duas placas em especial, leu os caminhos indicados nas placas da bifurcação até encontrar o que queria: Latig.

– Tá chegando? – perguntou Minerva ainda procurando Desdalain nas placas.

– Nós vamos para cá encontrar uns amigos e iremos de aeronavio pra Desdalain.

– Aeronavio? – ela se espantou. – Nossa, uma cidade pequena dessas tem porto?

– Tem sim.

Minerva, estarrecida com a calma do companheiro, pegou o fio de prata nas mãos e ficou medindo até onde ele ia. Sehn desaparecera na estrada quando a menina resolveu correr em sua direção. O fio não terminara.

– Credo, não dá pra fugir né? – comentou ao emparelhar com Sehn.

– Não – ele pegou o fio entre os dedos. – Estamos ligados até o fim. Meu ou seu.

O fio de prata e lágrimas os seguiria por toda eternidade. Ou até quando Sehn conseguisse apaziguar a alma da menina.

– Quanto tempo até essa cidade aí?

– Um dia de viagem.

– Ainda bem, tô cansada.

– Quê? Cansada?

– Brincadeira – ela agarrou o braço dracônico do amigo. Pôde sentir o pinicar dos espinhos e das escamas negras. O ombro era protegido por espinhos também, um pouco maiores e mais pontudos; ela olhou para as falanges proximais, afiadas como navalhas, e ficou imaginando como seria levar um soco daquela mão. Pousando os olhos sobre as garras dos três dedos, nem quis imaginar o que elas seriam capazes de fazer.

– Melhor acharmos um lugar pra dormir por aqui. Vai anoitecer e não podemos atravessar a floresta a noite.

– Por quê?

– É péssimo, não dá para ver nada. Vamos nos cansar à toa e podemos nos perder. – Sehn foi até a beira da estrada e se apoiou numa árvore. Minerva sentou-se ao seu lado.

– Sehn, qual era o nome da sua sheyvet?

– A Canção do Silêncio. Meu pai escolheu o nome baseando-se em dois conceitos. O silêncio pelos amigos que se foram e a litania entoada nos templos. Os nomes das sheyvet sempre possuem significado.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora