28. Metal

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Tesla fechou o casaco e calçou as botas Diren empurrou a tampa do bueiro e saiu numa rua escura. Suas mãos rasparam a neve e ele se levantou, ajudando Kadriatus. Como previsto, a rede de túneis fora esquecida pelos invasores. Seus únicos companheiros na travessia foram os ratos e as baratas. Uma vez dentro da cidade deviam tomar cuidado com os inimigos, afinal, não sabiam quem eram os Legisladores ou se a própria Desdalain estava mancomunada com eles.

– Prefiro enfrentar monstros da névoa – brincou Diren. – Pelo menos a gente não fica na dúvida.

Kadriatus olhou para o tourbillon, a luz de Sehn não piscava mais. Sentiu um aperto, teriam feito a escolha certa? Se o amigo estivesse aqui, saberia o que fazer.

– Está ouvindo isso? – perguntou Diren. Kadriatus assentiu. Os dois saíram do beco.

Houve uma explosão na rua, um rojão violeta pintou o céu e bombinhas estouraram aos pés de Kadriatus.

– SÃO APENAS TRÊS DIAS DE FESTA, ENTÃO APROVEITEM E ESCOLHAM AS MELHORES CAMAS ANTES QUE NÃO SOBRE NEM A DISPENSA! – gritou uma mulher na porta da estalagem.

Diren saltou de volta para o beco e sacou as machetes.

– AH!

– Não! – Kadriatus se pôs ao seu lado, impedindo companheiro de rasgar a garganta da mulher.

– A invasão não começou. Os Legisladores vão esperar Edgar libertar Desdalain para agirem. Quanto mais tarde, mais fracas as defesas estarão. Vai demorar um pouco até que a notícia se espalhe, essas pessoas não sabem o que aconteceu no centro, ainda – voltou para a rua com Diren em seu encalço.

– Eles já deveriam estar aqui. Invasão esquisita essa – olhou ao redor. Desdalain crescera muito nos últimos anos. Prédios de dez andares se espalhavam em cada quarteirão, lojas de roupas substituíam casas e havia, pelo menos, cinco lojas de carro numa mesma rua. Havia portos, como em Latig, infestando as muralhas e tão apinhados de aeronavios que seus cascos batiam entre si e seus capitães xingavam-se mutuamente. Na praia, fileiras e mais fileiras de barcos a vapor traziam cavalheiros de cartolas com bengalas e damas com grandes vestidos e sombrinhas.

De resto, todo tipo de maluquice podia ser vista desafiando as leis da natureza: um pássaro de metal cruzava os céus trazendo passageiros; uma espécie de tatu emergira no meio da rua e impedia os carros de passar, de sua lateral abriu uma porta e mais visitantes chegaram. A milícia estava enlouquecida tentando arrancar aquela monstruosidade de ferro dali.

– O exército convencional desapareceu. Só a milícia está fazendo a guarda, notou que somos os únicos soldados da Kabalah na rua?

– Sim – respondeu Diren. A barulheira atrapalhava seus sentidos aguçados. A cabeça começava a doer e ele sentia um medo irracional tomando-o lentamente. – Não perceberam o templo?

– Não sei, talvez achem que faz parte da comemoração, alguma novidade criada pelos kohanim – Kadriatus estava preocupado.

– Verdade – Diren procurou uma saída. Algumas das ruas estavam interditadas, ele viu destroços dos barcos enfiados nas casas. O chão abrigava fileiras de corpos cobertos. Deu um cutucão no amigo, os dois olharam a milícia trazer os mortos.

– Temos que sair daqui. Esses foram só os primeiros Legisladores a atacar. Quando souberem que seus aliados foram derrotados, vão nos caçar de novo.

– Achar uma sheyvet? – Diren replicou.

As ruas estavam travadas num congestionamento abissal, a praia estava tomada de barcos voadores, dirigíveis cortavam o céu, carruagens buzinavam pedindo passagem, cavalos mecânicos usavam as calçadas para seus senhores poderem andar.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora