7. O Tenente

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Lukas estava caminhando até o bar onde combinara de se encontrar com sua namorada, Andrea. Passou por uma ponte e percebeu os dirigíveis iluminados atravessando o céu. Possuíam o formato de um charuto, eram uma das coisas mais bonitas que ele já tinha visto. Mesmo não sabendo como funcionavam, tinha vontade de viajar em um deles. Eram mais lentos que os aeronavios, mas, diferentes destes, permitiam civis.

As ruas de paralelepípedos eram cercadas por prédios de quatro e cinco andares. Construções semelhantes aos antigos casarões, derrubados para dar lugar a coisas mais atuais. Cada prédio era iluminado por eletricidade, uma força natural gerada a partir da água. Lukas não conhecia muito bem seu funcionamento, preferia a Névoa, mas o pai já andava flertando com esta nova energia para a empresa.

Lukas percebeu que seu mundo, ao invés de integrar passado e futuro, cada vez mais os segregava. A tecnologia da Névoa ficava restrita aos bnei shoah, enquanto a eletricidade, o carvão e o vapor comum eram mantidos com os ggoyim.

Havia, é claro, o problema diplomático com Latakia, a terra dos syrians, capaz de criar um tipo de Névoa alternativa que não influenciava a natureza, porém, sua criação exigia um sacrifício que o Quinto Império ainda não estava pronto para aceitar: vidas humanas. Os syrians eram um povo avesso à luz do sol, que se alimentava de sangue e que cobrira toda luz de seu reino com a fumaça de suas fábricas. Os humanos que moravam em suas terras eram muito bem pagos, mas deviam contribuir, de tempos em tempos, com sangue para seus patronos, o que os levava à fraqueza e, em muitos casos, à morte. Lukas nunca se interessara pelo assunto, mas às vezes se pegava pensando se não seria uma boa oportunidade aprender com os syrians.

Dando uma baforada nas mãos a fim de aquecê-las, esfregou-as e atravessou a rua. Instintivamente enfiou a mão no bolso do jaleco e sentiu uma chave de boca. Esquecera o objeto ali e agora estava com preguiça de devolvê-lo. Tinha saído apressado do serviço, levando consigo a ferramenta. Seu pai cansara de avisá-lo para não guardá-la no bolso, e lhe daria uma advertência se perdesse mais uma. Como todos seus pensamentos estavam voltados ao bar logo em frente, não notou a aproximação do carro, que passou em uma poça de água e o lavou com sujeira.

– Desgraçado – murmurou, enquanto prestava atenção nos detalhes.

Era um veículo militar com motor exposto por não ter capô, gancho e rolo de corda na parte frontal. Os passageiros não tinham proteção, além de seus próprios casacos. O vidro da frente estava rachado e o motorista carregava uma garrafa de vinho. Os pneus do carro eram grossos e a suspensão era barulhenta. De seu escapamento saía Névoa.

Estacionaram ao lado do bar, mas seus passageiros não desceram. Pegaram mais garrafas, que estavam espalhadas pelo assoalho do veículo e entornaram-nas em suas bocas.

– Um brinde ao Império! – regozijou-se o tenente na direção. Os companheiros dele ergueram as garrafas.

– Viva!

Lukas passou por eles sob o olhar maligno do tenente. Irritado, o garoto abriu a porta do bar e entrou. Detestava soldados convencionais, eram ggoyim como ele, mas dotados de uma arrogância absurda. Para Lukas, as pessoas deviam providenciar sua própria proteção, sem depender do governo para isso. Não via necessidade na criação do exército convencional tendo a Kabalah como elite.

Teve um pressentimento ruim. Tremeu, apesar do casaco grosso e da camisa que o protegiam do frio. Procurou pela irmã, que estava sentada numa mesa afastada.

– Licença – disse ele ao passar pelas pessoas.

As pernas estavam frias, por causa do banho que o carro lhe dera. Foi em direção a Maya, mas procurava uma garçonete específica. As pessoas o olhavam com desconfiança. Aos treze anos, Lukas tinha o porte de um rapaz de dezoito. Ombros largos, braços fortes e um rosto quadrado, cercado por uma cabeleira preta e encaracolada e fiapos de barba. Mesmo assim, seus olhos traíam a idade.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora