17. Mentiras

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O cemitério onde a família Hawthorn tinha um terreno ficava na área mais afastada de Desdalain. Era um terreno plano, bonito, com vegetação baixa exceto pelas bétulas. Tinha um templo e um lago, estátuas em cada corredor e uma loja de flores e caixões, onde as famílias organizavam os funerais.

– Você tem que parar de se torturar desse jeito – Lukas falou, aproximando-se de uma laje tumular. Maya estava em frente a ela, de cabeça baixa, quieta. Voltara a usar roupas caras e os cabelos estavam bem tratados e perfumados. Nem parecia a mulher que desafiara o exército.

A ruiva, com os olhos vermelhos de tanto chorar, não respondeu ao irmão. Permaneceu quieta, rezando pela alma daquele soldado. Lukas parou ao seu lado, mas não rezou. Ficou esperando a irmã se pronunciar.

Ambos dividiam a culpa pela morte daquele soldado, mesmo não sendo indiciados pelo crime. As versões oficiais contavam que os irmãos Hawthorn foram assaltados por um grupo e o pobre soldado convencional, Sanmuel, tentara salvá-los, porém, ao custo de sua vida. A ponte recebera seu nome, como uma homenagem ao convencional que era um exemplo de altruísmo e ousadia.

Como Albert, por vergonha de ser humilhado por dois adolescentes, desapareceu, e o outro soldado que o acompanhava confirmou a versão, o exército deixou por isso mesmo.

– O que deu em mim para enfrentar um soldado de mãos nuas? – Maya perguntou de repente.

– Ele ia nos matar – falou Lukas.

– Ia mesmo? Ou aquilo era só outra briga de bar? Já parou para pensar que nós começamos isso, Luk? – diferente do irmão, seu arrependimento não diminuíra. Maya visitara a família de Sardeck diversas vezes até ter certeza que a esposa e a filha pequena do soldado estavam bem. Em nenhuma dessas visitas ela contou a verdade.

– Nós? Mas eles provocaram! – o irmão argumentou. Na verdade, falava mais para si mesmo, tentando se convencer disso, do que à irmã. Porém, em seu íntimo, sabia que estava errado, ou, no mínimo, enganado.

– E nós continuamos – ela replicou.

– Você sabe tanto quanto eu, Maya, se tivéssemos parado, eu não estaria aqui hoje. Eu vi a raiva nos olhos daquele homem. Ele não ia nos deixar viver.

– E por isso eu tinha de matar? Era a única alternativa? – Maya se virou para Lukas, os olhos mareados.

– Nós o enterramos, não? – Lukas respondeu virando o rosto para o lado oposto.

– Era o mínimo que podíamos fazer. Você viu a forma como a filha dele olhava para gente? – Maya retrucou. – Desde aquele dia eu não consigo ter uma noite de sono tranquila. Queria que Sehn estivesse aqui.

– Essa era outra coisa que eu deveria te dizer. – complementou Lukas.

– Que foi? – Maya entrou na frente do irmão e segurou seu queixo, de modo que ele não pudesse mais desviar os olhos. Dessa vez não foi necessário, ele afastou a mão da irmã e lhe contou:

– Maya... sobre seu casamento...papai me disse que... Papai conversou com o senhor Fletcher ontem, Phillip fez uma proposta de casamento a você.

– Como é? – Maya gritou revoltada.

– Exatamente o que você ouviu. Mamãe o convenceu a aceitar o pedido, e como nenhum dos dois sabe da promessa que você fez a Sehn, eles decidiram ajeitar as coisas. Desculpe não te contar, Maya.

– Não pode ser, eles não fariam isso comigo. – Afastando-se, Maya chutou uma pedrinha para longe. Enfiou a mão dentro da blusa e retirou a fada de prata. Ficou com ela entre os dedos.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora