10. Monstros da Névoa

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A Nepl era refinada nas montanhas de Hellyah, a cordilheira que ocupava todo o norte do Quinto Império. Qualquer fábrica que desejasse produzir a Névoa e vendê-la devia criar suas instalações naquele local, por que ela evaporava rapidamente em contato com o sol. Muito mais barata que carvão e vapor comum, a Névoa também era mais confiável que a eletricidade, recém-descoberta.

No entanto, ela tinha um efeito colateral terrível sobre a natureza, algo com que o Império tentava conviver, sem sucesso – os monstros.

A Névoa, ou Nepl, se originava nas entranhas da terra. Muitos diziam que, na verdade, ela era a respiração de um Titã. Se isso fosse verdade, seus efeitos sobre as plantas e animais eram esperados.

Todos os monstros vistos em terreno selvagem eram animais que tinham acasalado depois de expostos a grande quantidade de Névoa. Geralmente a primeira geração de monstros morria cedo pela intoxicação, mas suas crias adquiriam uma resistência progressiva aos efeitos químicos do combustível e despertavam estranhas habilidades.

Era muito difícil para um humano vencê-los em combate direto. Mesmo o exército convencional e a Kabalah tinham dificuldades de destruir tais criaturas. Geralmente, quando eram registradas ocorrências o Império se encarregava de enviar duas sheyvet para a região, mas o ataque à Dubliner era um registro novo e ele não sabia como agir. Por isso, a Canção do Silêncio foi enviada para lá, já que tinham um excelente histórico.

O vilarejo despertou lentamente, esmagado pelo silêncio e o medo. Cães e gatos recolhiam-se embaixo das camas, aguardando seus donos saírem de casa para acompanhá-los.

A camada de sereno ainda cobria as ruas quando os dois homens se encaminharam para o arco de pedra na entrada. Das janelas de suas casas os moradores observavam, como se fossem eles os responsáveis por sua desgraça. O maior usava chapéu coco, colete e calças pretas com suspensórios. O menor era atarracado, apoiado numa bengala e com uma cartola.

– Raul – cumpri4mentou o mais baixo.

– Castellini – respondeu o mais alto. Passaram em frente ao único templo da região, cujo símbolo de Shoah, a Árvore da Vida, insistia em aparecer na rosácea, apesar da idade avançada e das intempéries.

Com olhares amedrontados para a floresta, os dois aceleraram o ritmo.

– Vai chover – Castellini arrumou a cartola.

– Tomara que não. A chuva só vai atrapalhar. A estrada e a ponte vão ficar intransitáveis.

Raul olhou para a ponte, poucos a usavam devido a seu estado precário. Ela só se sustentava por que as cordas doadas pelos moradores ainda não tinham se rompido. Mas não ia aguentar muito, os rangidos estavam cada vez maiores, e tábuas se soltavam quando o vento batia.

Dubliner era um vilarejo em expansão por estar localizado numa encruzilhada que dava acesso a três grandes cidades do baronato de Shoah: Latig, Desdalain e Tosten. Especializara-se em servir de hospedaria aos inúmeros viajantes que por ali passavam.

O lado norte do vilarejo era coberto por uma densa floresta, que começava a ser derrubada para dar lugar às novas casas. Tratores enferrujados estavam estacionados em círculo, aguardando seus motoristas. Davam a impressão de que estavam esperando há muito tempo.

– As obras estão atrasadas, Castellini. Tem certeza de que o Império virá? – continuou Raul. Ele olhava para os tratores com tristeza, queria que seu vilarejo crescesse. Era o responsável por aquele lugar e depositava nele muito amor e dedicação.

– Eles não vão nos abandonar – respondeu Castellini.

Pararam próximos aos tratores. Raul acariciou o veículo com tristeza.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora