29. Salvação

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Maya demorou a chegar ao bar. As ruas principais apinhadas de gente estavam intransponíveis, obrigando-a a usar rotas alternativas. De qualquer modo, esperava ter chegado a tempo de impedir o irmão.

Na esquina estava o carro de seu pai, um veículo prateado, baixo, esguio, que lhe lembrava um peixe. Maya diminuiu a velocidade e passou por ele, sem ver ninguém. Preocupada, estacionou alguns metros à frente. Caso precisasse fugir, poderia atravessar uma das pontes que davam acesso à praia e seguir pela orla.

Não sabia como agir agora. Talvez o irmão não tivesse feito nada de errado, e fosse só sua imaginação trabalhando. Talvez já estivesse morto ou começado a namorar alguma garçonete diferente. Quis que Sehn estivesse ali para aconselhá-la. Sentiu-se sozinha pela primeira vez em anos. Apertar a fada e pensar no noivo não a reconfortava mais, pelo contrário, trazia-lhe sofrimento.

A porta do bar se abriu e um soldado bêbado atravessou a rua em direção ao carro. Maya se abaixou para não ser vista e ficou observando pelo retrovisor. Lukas estava atrás do homem, conversando animadamente com ele. Mas não era uma alegria inocente de amigo, era algo sutil, enganador.

Os dois pararam de repente e Lukas abriu o porta-malas. Maya não viu o que aconteceu, mas eles começaram a discutir e entraram no carro, berrando. As pessoas não lhes davam atenção, estavam bêbadas ou ocupadas demais com a festa para se importarem. O soldado olhou para baixo, e então houve um clarão. Seu corpo tombou contra a porta e Lukas o arrumou de modo a parecer que estava dormindo.

Antes que ela pudesse sair do veículo, um soldado veio do bar, procurando os dois. Quando viu Lukas no carro se dirigiu a ele, esbravejando. Mais três soldados apareceram e ela notou a preocupação de Lukas com os recém-chegados. Ele não parava de olhar para baixo, não havia escondido a arma. Então, decidiu sair e ir de encontro ao homem que terminara de atravessar a rua.

O soldado parou do lado do passageiro e olhou para o amigo, quando ia se virar, Lukas lhe deu um chute na pena e ele tombou. O trio tentou chegar até eles, mas uma multidão fechou a rua, impedindo-os de passar. Maya viu o irmão bater a vítima contra a janela do carro e quebrar o vidro, prendendo o soldado lá dentro. As pessoas começaram a gritar e apontar, um dos militares entre elas atirou para o alto. A rua foi tomada de pânico e a multidão correu, sem se preocupar com quem estivesse na frente.

Maya desceu do carro gritando também.

– Para Lukas! – Ele não lhe deu a mínima, só parou quando o corpo do soldado pendeu na soleira. A porta estava coberta de sangue, assim como suas botas. O rosto de seu irmão não era mais o do menininho que vira crescer. Havia algo de mau nele, um ser transtornado que não encontrara ninguém para ajudá-lo. Maya se culpou, passara tanto tempo pensando em Sehn, resolvendo os próprios problemas com a família, que ignorara completamente sua dor.

– Chega, ela não vai voltar.

– Meus sonhos disseram que ela vai – ele retrucou, a voz lenta, diferente dos movimentos.

Lukas se abaixou, pegou uma pistola de cada soldado. A gritaria na rua atraiu a atenção dos militares do bar, e cinco deles saíram para ver o que estava acontecendo. Ao perceberem o amigo no chão e o rapaz ensanguentado, agiram como esperado. Sacaram as pistolas e atiraram. Maya recuou até o próprio carro. Foi pura sorte não levar um tiro. Lukas se escondeu atrás da porta ensanguentada, os disparos atingiram o soldado à sua frente e algumas pessoas na rua.

– Está vendo, Maya? Olhe o que eles fazem em nome da justiça. Veja o crime do Império! – ele se levantou e atirou com uma precisão que Maya desconhecia.

Maya entrou no veículo de Phillip, deu partida e o jogou contra os militares. Lukas aproveitou para andar atirando, acertando mais dois deles na cabeça.

– Lukas, para!

– Não, Maya. Só quando todos eles morrerem.

Uma saraivada de tiros destruiu o para-brisa do carro. Maya levou um tiro de raspão na perna, o sangue se espalhou e ela ficou desesperada, achando que ia morrer. Lukas entrou no carro, atirou no peito de um soldado.

– Isso é pela minha irmã... agora, tira essa merda daqui, Maya!

Forçando a perna, ela manobrou o veículo. Um segundo movimento a fez sangrar muito. A calça colou ao corpo. Ela girava o volante, mas nada acontecia.

Os soldados cercaram o carro e atiraram mais uma vez. Lukas tentou se levantar, usou as pistolas para revidar os ataques, mas errou por causa da posição desfavorável.

– Saiam do carro! Vocês estão presos! – ordenou um dos soldados.

– Só morto! – respondeu Lukas, atirando no homem. Houve mais uma saraivada. Não teriam sorte por muito tempo se os adversários continuassem a atacar.

– Maya, tente acelerar quando eles recarregarem.

– Não dá. Alguma coisa quebrou quando batemos, o carro não anda.

Os soldados prepararam mais uma saraivada, àquela distancia não errariam nenhum tiro.

– Última chance! – gritou o líder deles.

Lukas reconheceu o homem, era Albert. Ele não o encontrara dentro do bar, de tão cheio que estava. Então decidira se vingar em um de seus companheiros de farda. Seu primeiro erro como o justiceiro que pretendia se tornar, jurou não repeti-lo. Preparou para dar um último tiro, sabendo que estaria morto depois disso. Mas não se importou, teria sua vingança. De repente, o choro de Maya chegou até seus ouvidos, ela se esforçava para acelerar o carro e tirá-los dali. Uma pontada de arrependimento o invadiu, ficou indeciso se deveria se entregar e salvá-la, ou matar o inimigo.

Maya acelerou de novo, tentou engatar a ré, mas o câmbio rangeu. Ela encostou a cabeça no volante e rezou. Sentiu o cano quente da arma em sua têmpora e a voz de Albert.

– Sem mais chances, ruivinha.

Um dos soldados gritou, desesperado. Albert escapou de ter a garganta cortada por uma lâmina. Seus companheiros foram atingidos por golpes rápidos, um homem os agredia. Albert o reconheceu como um soldado da Kabalah, não quis enfrentá-lo e correu.

– Nossa! – Lukas exclamou. Dante passava as espadas tão rápido que elas moviam o ar. Quando a batalha acabou, ele fez uma mesura aos soldados.

– Os senhores lutaram bem, merecem as honrarias – Depois se dirigiu aos irmãos. – Prazer, Dante Wadencliff. Sehn me mandou aqui para salvá-la.

– Mas ele não morreu? – Hawthorn questionou, cheia de esperanças.

– Morreu, mas é tão teimoso que me mandou mesmo assim.

Tehom atravessou Desdalain com um rufar de asas ensurdecedor. Por instinto, Dante se abaixou, mas continuou a conversa.

– Vocês poderiam ser rápidos? Temos um mundo a salvar.

O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora