Edgar pousou em cima de um parcel, ao lado de Tesla. Não perguntou como o companheiro chegou até lá, apenas pegou em sua mão quando se equilibrou.
– Eu nasci ali – disse Tesla, apontando para o leste da cidade, a área mais próxima às montanhas de Hellyah.
– Não faz diferença. Nada mais fará diferença daqui a algumas horas. Cada vestígio de família que tínhamos não passará de cinzas e lembranças. Talvez apenas cinzas, ou menos que isso. – respondeu o arur apertando seus olhos sombrios.
Não há mais espaço para mentiras – emendou Edgar. Dois aeronavios passaram voando acima do mar. Viu o amigo acompanhá-los.
– Os ggoyim devem pagar pelo que fizeram. Nós não somos fantoches.
– Sabe o que é mais engraçado? – interrompeu Edgar. – Hoje é o aniversário da cidade. Desdalain completa cento e cinquenta anos. Que belo presente, não?
– Dos melhores. – O loiro sorriu. Respingos soltavam-se de sua cabeleira.
– Mesmo que os outros queiram, nada poderão fazer para nos impedir. Não há como mudar os caminhos, eu sei disso, eu tentei. Vi cada possibilidade antes de desistir. Será que nós erramos, Tesla? – Edgar comentou com uma ponta de arrependimento na voz.
Finalmente suas profecias se concretizavam. Pensou um pouco, lembrou-se da mãe e suas últimas palavras antes de morrer: "A hora chegará, você marchará com os Titãs e derrubará o legado dos homens. Nunca deixe tirarem isso de você, meu pequeno pássaro".
– Não, caro amigo. Nós nos esforçamos, demos nosso melhor para salvar este mundo de si mesmo. Sehn me matou, eu achei que isso faria alguma diferença. Mas o espírito de Namid me trouxe de volta – Tesla ergueu a mão livre e apontou para o céu. – Assim como trará qualquer um de nós que morrer. Somos imortais agora. Nós estaremos sempre juntos. Nós sempre nasceremos lado a lado, como amantes, irmãos ou inimigos.
Edgar estremeceu, o poder de Tesla era muito maior do que o seu. Não entendia como alguém ludibriava as forças primevas para voltar a viver. Teria o companheiro se unido de tal forma a Namid que se tornara um Titã? Acima deles, entre as nuvens, a sombra de Tehom.
– Apesar de tudo, nunca fomos o que somos agora.
– E o que somos agora, Tesla Lenora? – perguntou Edgar, curioso.
– Deuses.
– Só precisamos dele. Desdalain, o segundo Titã. – Tesla apontou para o Obelisco.
Naquele momento, Edgar pensou em Sehn. Não sentia mais a presença do amigo. Queria o rebento dos Hadjakkis ali para contemplar sua vitória. Mas algo estava errado, a alma de Sehn e a parte de Namid dentro dele tinham desaparecido. Edgar não acreditava que ele tivesse morrido em Latig, ao enfrentar a medusa. Era impossível, ridículo até.
Irritado, mal ouviu Tesla dizer:
– Nós conseguimos.
Edgar virou-se. Encarava o amante como se fosse um estranho. Seus olhos negros caçavam na alma de Tesla um sinal de que aquilo era verdade. Depois de tanto tempo, era difícil acreditar.Aproximou-se daquela figura clara e loira e acariciou-lhe a face; sorriu e passou a mão em seus olhos, fechando-os. Declarou:
– Nós sempre vencemos, meu amor.
Edgar abraçou Tesla, abriu as asas e arremeteu.
***
A corneta soou novamente, desta vez num toque longo e forte. Os Legisladores se recolheram no templo.
– Canção de Guerra. – disse Kadriatus.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio - Edição Wattys 2018
FantasyO Baronato de Shoah - A Cançao do Silêncio, venceu o Wattys em 2018 na categoria "Construtores de mundo"; está de volta ao Wattpad após uma pesada crise de antisedade que eu tive em 2018/19. Peço desculpas aos leitores por ter retirado a obra do ar...