11. Violino e piano

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Admito que nos primeiros dias foi bem difícil me adaptar a uma nova pessoa dentro de casa. Jun-ho e eu não nos dávamos muito bem - não que eu pudesse explicar o porque - saindo sempre no mesmo instante em que eu entrava pela porta. Não discutiamos, nem algo do tipo, apenas nos ignorávamos, e isso durou mais de uma semana, onde só o silêncio predominou entre nós. Com o passar dos dias, um "bom dia" e um "até mais" foi reaparecendo. Talvez no fundo, toda aquela magia e alegria de quando éramos crianças, tenha sido enterrada no passado. Apesar de disso, éramos extremamente parecidos um com o outro. Ambos haviam perdido as suas mães, seus pais, só tinham uma senhora para chamar de família e um amor inestimável pela música. Descobri sua vocação pela música ao encontrá-lo na sala de estar tocando violino.
Jun-ho estava de olhos fechados, enquanto tocava uma perfeita obra melódica. Agraciando delicadamente cada corda, libertando uma das tão belas composição de Vivaldi - seu cabelo castanho-escuro balançava quando a música ficava mais intensa - Até que os seus dedos se afastam das cordas e a última nota ecoa pelas paredes. Não resisti e o aplaudi, fazendo-o se assustar e logo depois rir envergonhado. Foi a primeira vez que o vi sorrindo assim.
- Um violinista? - Pergunto dando início ao nosso primeiro diálogo desde o dia que o encontrei no piano
- Surpresa? - ergue uma de suas sobrancelhas
- Um pouco! - Sorrio gentilmente
- Você toca piano, certo? - Foi mas uma afirmação do que uma pergunta
- Sim! Melhor que você! - Zombei
- Não sou um dos melhores no piano, mas acredito que seja no violino.
- Tanto porque no piano, aparentemente, você só conhece três notas.
- Porque não toca então? O que acha de fazer um dueto comigo?
- Por mim, tudo bem. - Digo e me sento no banco - Algum pedido?
- As quatro estações de Vivaldi.
-Inverno? -Pergunto
-Inverno. - Ele afirma

Começamos a tocar juntos. Eu em teclas e ele em cordas, o que trás uma bela melodia. A música não é muito extensa, mas estava disposta a tocar mais. É confortável e aconchegante tocar acompanhada. Talvez um sentimento que o meu pai nunca tenha sentido, pois suas partitiras no diário revelavam músicas que necessitavam de outros instrumentos. Sua intenção nunca foi tocar só, mas em dueto, onde diferentes sons se uniam, se tornando apenas um som. A música começou a diminuir, até que chegou ao seu fim. Dou a última nota que vibra.
- É melhor do que imaginava! Foi divertido!
- Sim, foi! Obrigada! - Coloco a meche de cabelo atrás da orelha - Obrigada mesmo!
- Pelo que?
- Por me lembrar que tocar pode ser divertido e não apenas uma competição.

Eu havia me esquecido disso.

- É o que você gosta certo? Como não seria divertido? Só se torna cansativo e competitivo quando saímos do foco e permitimos isso. 
Essas palavras me fizeram lembrar de Choi. Seus pais ainda acreditavam que ele era um aluno de medicina e não tinha coragem para falar a verdade. Porque as vezes é tão difícil fazer aquilo que gostamos?
-Nem sempre é fácil. -Deixo escapar, ainda pensativa
-Se tiver que arriscar, faça isso com algo que você ama. -Ele cochicha
O que me surpreende.
Jun-ho olha para o relógio.
-Preciso estudar.
-Estudar? Está na faculdade? -Pergunto
-Quero conseguir uma bolsa no exterior. Pra isso, preciso estudar muito se quiser concorrer com outras pessoas.
-Você é uma pessoa focada Jun-Ho. -Confesso
Ele ri e vai até a cozinha se despedir da minha avó.
-Até mais, Sthepanie. -Ele abre a porta
Após sair, envio uma mensagem à Choi, pedindo para nos encontrámos.

(Stephanie) - Podemos nos encontrar na estação de metrô?
(Choi) - Claro! - Respondeu dois minutos depois

Não morávamos perto um do outro, então se eu quisesse vê-lo, deveria pegar o metrô até Seul.

Porque eu estou fazendo isso?
Porque eu quero ajudá-lo.
Mas porque me intrometer na vida dos outros?
Irei ajudá-lo.

Você não é assim!

Discuto comigo mesma por todo o caminho de casa até a estação do metrô. Paro, retorno o camimho para casa, paro de novo e prossigo. Quem passava poderia pensar que eu estava louca, mas era difícil aceitar que eu queria ajudá-lo, ou pelo menos retribuir o que ele fez, quando comentei sobre a minha mãe. Estava me aproximando da estação, quando avisto Choi, encostado em uma parede, me observando ao longe.
- Vocês está bem?
-O que? -Coro ao imaginar que ele me viu andar de um lado para o outro -Estou. Por que está em Busan? Eu iria te encontrar em Seul. -Troco de assunto
-Estava na livraria da minha mãe. -Ele explica
-Ah, bem. Me desculpa por te chamar essa hora. - Digo olhando para o chão - Precisava falar com você pessoalmente.
- Vamos conversando pelo caminho. Tem algo que também preciso lhe contar.

Caminhamos em silêncio, onde o único barulho a nossa volta eram dos nossos próprios passos. Já estávamos próximos da livraria, sem que nenhuma palavra fosse dita. Elas simplesmente engasgaram em minha garganta. Permaneci em silêncio, até perceber que causei um grande desconforto, então me virei em sua direção.
- Conte a verdade, Choi!
- O que? - Pergunta sem entender
- Você é um excelente desenhista. Não faça aquilo que seus pais querem, por não querer decepcioná-los. Faça o que gosta de fazer e dê orgulho a eles! - Dei uma pausa enquanto ele me olhava assustado, como se nunca esperasse isso de mim - Pode parecer uma tremenda loucura, mas não é melhor quando nos divertimos com o nosso trabalho? Quando você traça um caminho admirável, no qual você se orgulha e sente desejo de contar para todos. Não é assim com você? Não vale a pena correr o risco pelo que você ama?

Irei levar as palavras de Jun-Ho para o resto da minha vida.

Ficamos imóveis por uns segundos, encarando um ao outro, até que ele me abraçou. Fiquei sem reação quanto a isso.
- Obrigado por vir aqui pessoalmente me dizer isto. - Sussura em meus ouvidos - Não sabe o quão confuso eu estava. Obrigado por ser a primeira a me ouvir e a última a me aconselhar.

Sinos do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora