1. Sonhos

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Ouço o barulho de algo se quebrando, o que faz meu coração acelerar. Era difícil dizer se aquilo era real ou um simples sonho, ja que tudo era embaçado demais. Mesmo que eu tentasse fechar os olhos com as minhas mãos, era capaz de ouvir vozes tristes e confusas e um tintilar de sinos ao fundo, balançando rapidamente.
De repente o cenário ganha cor e nitidez.
Via uma menina, uma senhora, um policial e uma jovem mulher. Todos os rostos eram fáceis de decifrar e identificar, com exceção da jovem mulher. O seu rosto era apagado e eu não conseguia entender quem era.

Era mais uma manhã nublada, onde acordo assustada ao ouvir o barulho das janelas sendo abertas pela minha avó.
Como de costume, Eliza entrava no meu quarto todas as manhãs, para abrir as janelas da casa. Vivemos em uma simples, mas aconchegante casa na cidade de Busan, na Coreia do Sul, um lugar longe do tumulto e carros barulhentos. Minha avó estava sorridente como sempre, trazendo até a cama um grande copo de chocolate quente, sendo tradição nos dias frios.
- Veja Stephanie! - Aponta para o lado de fora - O dia está lindo, não acha?
- O céu está cinza como ontem e antes de ontem. Não há nada de lindo nisso. - Bebo um pouco do chocolate
- Claro que há! - Alega ela
- Me pergunto porque você está sempre feliz. - Digo prevendo uma possível resposta poética
- Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". Ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. - Disse ela inspirada
- Deixa eu adivinhar, Augusto Cury? -Reviro os olhos e rio
Ela balançou a cabeça orgulhosa. Minha avó com certeza era uma das maiores fãs de poema, ao ponto de termos um espaço no corredor reservado para os seus livros. 
- Como sempre, você responde uma pergunta com um poema. Acredito que não haja ninguém com tanto amor as palavras como você.
- E eu não conheço ninguém que ame mais um piano do que você!

Nisso ela estava certa, eu era fascinada pelas lisas teclas pretas e brancas que emitiam sons delicados e únicos. Vovó sempre contava as inspiradoras histórias sobre meu pai. Sobre ele ser um grande pianista, apesar de não alcançar o sucesso como queria. Das madrugadas que ele acordava para tocar e o quão lindas suas melodias e sua composições eram.
"A música está no seu sangue"
É o que ela dizia para mim. Embora eu não me lembre dele, fico feliz de ter tido alguém tão incrível como meu pai foi. Infelizmente ele morreu em um acidente de carro a caminho de casa, quando eu tinha apenas 4 anos e minha mãe desapareceu logo depois. Meus tios do interior contam que ela fugiu para outro país após saber da morte de seu marido, outros preferem não comentar sobre o caso. Me pergunto como uma pessoa pode abandonar sua própria filha em uma situação difícil como essa. Saber disso, me faz perder cada vez mais o interesse por ela e minha avó também sempre evitou ao máximo tocar no assunto. Hoje, aos 19 anos, mesmo sem um pai ou uma mãe presente, me tornei uma jovem universitária, estudante de música de uma das universidades mais concorridas e renomadas da República da Coreia do Sul. A Seoul National University.

Na época, nem eu mesma acreditava que tal milagre havia acontecido, apesar de ter passado horas e horas estudando para a tão disputada vaga.
- Hedley e Ayla estão te esperando na cozinha! - Eliza avisa
Hedley e Ayla eram as minhas duas melhores amigas desde o jardim de infância, que também haviam sido aprovadas. Apesar de estarmos na mesma universidade, éramos de cursos diferentes. Ayla era a mais ousada e engraçada. Sempre que estávamos com fome, ela vinha com seus biscoitos caseiros que aprendeu com sua mãe e por isso escolheu aulas de gastronomia.
Já Hedley era mais séria, talvez a pessoa mais centrada que conheci. Ela escolheu o curso de Belas Artes, que é um dos cursos mais caros da universidade. Fazia diversas pinturas artísticas, como paisagens e auto retratos de aquarela e tinta óleo que eram sua especialidade, assim como quadros de um lindo céu estrelado. Talentosa o suficiente para se intitular a próxima Van Gogh.
- Devo ser filha dele! - Disse Hedley balançando seus curtos cabelos alaranjado
- Eu sei que você é ruiva e tem olhos verdes, mas acho que ele não teve filho! -Ayla contesta
-Se a Hedley realmente for da familia dele, quero ficar perto dela quando descobrir e ficar rica. - Brinco ao descer da escada
-Não irei me esquecer de você, Stephanie! Pode ficar tranquila. -Ela ri - Se arrume logo, já estamos quase na hora da aula.
-Ou se preferir, pode ir de pantufas. Nada contra! Podemos normalizar as pantufas como sapatos. - Ayla aponta para as minhas pantufas de bichinho de pelúcia e ri
-Vou deixar isso para outro dia. - Ironizo

Os meus dias são sempre mais divertidos com elas aqui. No início, tive receio de embarcar sozinha na vida de universitária, mas ao saber que elas também estariam comigo, mudou tudo. Não sou a garota que cresceu e conquistou tudo sozinha, sou a garota que tem amigas ao meu lado. As mesmas  que fazem questão de irritar e alegrar a minha vida.

Sinos do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora