5. O passado terminou?

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O sótão era o único lugar da casa onde eu poderia achar coisas antigas, que me ajudasse a recordar de algo do passado.
O único lugar da casa que eu nunca me atrevia a entrar, por conta da intensa poeira e do pouco fluxo de ar, no entanto, estava desesperada por alguma resposta.
Situações desesperadas pedem medidas desesperadas, mesmo que seja apenas um sótão.
Chegando em casa, subo em um pequeno banco velho e empurro o trinco da porta que se localizava no teto, fazendo a escada descer lentamente até o chão. Esperava não fazer barulho, para não chamar a atenção da minha avó. Claramente ela não entenderia se eu explicasse que estou alucinando e por isso preciso subir tarde da noite no sótão.

A poeira começa a subir conforme as caixas que estavam sobre o chão iam sendo abertas. Me forço para não ter um ataque de espirros.
Observo que apenas uma das caixas estava lacrada e distante do restante.
Me abaixo para pegá-la em baixo de uma mesa antiga de madeira e retiro o lacre vagarosamente para evitar qualquer tipo de ruído.
Conseguindo abrir, resolvo levá-la para o meu quarto. Desço com a caixa em uma das mãos e levanto a escada para fechar o trinco. Chegando ao quarto, coloco o pacote sobre o tapete e começo a retirar os objetos de dentro.
Havia um ursinho de pelúcia marrom.
Então me recordo da menina pedindo um ursinho ao seu pai.
Encontro também algumas pautas com notas musicais do piano, que ao observar nota por nota percebo que daria exatamente a melodia da primeira lembrança, a melodia que eu tentei tocar no recital. Continha também, um pequeno bloco de anotações com uma foto ao seu lado.
Uma legenda dava ênfase na foto.
"O terceiro aniversário da nossa Stephanie".
-O que?
Na foto, um grande bolo estava a frente da garotinha. O seu papai estava sorrindo à esquerda e sua mãe a direita.
-Eu...eu não acredito. Isso não pode ser verdade.
Busco outra foto no bloco, tendo dessa vez a minha avó, Eliza ao meu lado.
De fato eu era a garotinha das lembranças.
- Então tudo aquilo era real? Mas porque? Porque só agora? - Questiono a mim mesma ao olhar para a foto da mulher que aparentemente era a minha mãe. Nunca tinha visto o rosto dela em foto alguma.
-Então você é assim? - Observo o seu rosto - É tão bonita.
- Stephanie! -Alguém chama
Em um susto, guardo tudo dentro da caixa rapidamente e empurro para debaixo da cama.
- Hedley e Ayla passaram aqui à alguns minutos, mas não queriam te incomodar. - Minha vó abre a porta do quarto pensativa, como se precisasse de uma resposta -Vamos descer para comer?
Sigo atrás dela e pego uma tigela com macarrão ao chegar na cozinha.
- Tem algo que queira me contar?
- Sobre? - Não sabia ao que exatamente ela estava se referindo. Esperava que não fosse referente ao sótão
-Na faculdade, talvez. -Ela supõe
- Eu fiz tudo errado. -Confesso, aliviada por um lado
- Como?
- Fracassei! No recital de hoje.
- Fracassou?
- Sim! No piano. Errei as notas na frente de todos. - Explico
- E vai desistir?
- Claro que não! Na verdade, não sei. Eu me esforcei tanto para tocar e na hora não saiu nada. Eu não deveria errar.
- Você acha que Beethoven nunca errou?
- Se errou, ninguém se concentrou nisso, mas apenas em seus acertos! E também, eu não sou ele, apenas sonho ser.
- Provavelmente ele errou, mas se concentrou em acertar e não se lamentou como você.
- Não estou me lamentando! Só é frustrante!
- Todos erram Stephanie! Essa é uma das características dos seres humanos. Erros são tentativas que acabaram não dando certo, mas eles não são o fim do mundo. Reveja as suas notas para não repeti-los da próxima vez. Dê uma folga a si mesma, mas não permaneça fugindo pelo medo de como as pessoas irão te olhar ou julgar. - Ela da uma pausa, direcionando os seus olhos para o teto - Em dias assim, costumava preparar chá quente para o seu pai. Farei um pouco para você! Quando terminar o chá, durma um pouco. Se sentirá melhor quando acordar.
-Obrigada! Me pergunto o que seria da minha vida sem você!

Ela sorri.

Na manhã seguinte não tinha mais chuva, porém o chão ainda estava humido e o céu obscuro. O tempo estava frio e calmo sendo típico de dias de inverno. Era possível enxergar minha respiração como uma grande fumaça branca, enquanto olhava a rua pela janela do quarto do segundo andar.
Vovó estava sentada no primeiro andar, em sua cadeira de balanço, recítando os poemas de seu livro preferido, como todas as manhãs.
- O arrependimento é desnecessário. No prado solitário, a desilusão permanece.
Um amor passado vai além do oblívio. - Finaliza ao me ver chegar
Me sento sobre o banco do piano, pensando em alguma melodia que faria uma perfeita junção as palavras que minha avó recitava.
- Algum pedido? - Me direciono a ela
- Erik Satie -Gymnopédies, 1. Lent et douloureux. Era o preferido de seu pai!
- Ele tinha um excelente gosto! - Alego e começo a tocar
A melodia invade toda a casa trazendo a harmonia e a paz a todos que ouviam. Um momento único e repentino que terei o prazer de guardar em minhas lembranças, como a mais preciosa.

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