7. Decisão

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O dia se inicia na movimentada estação de metrô de Busan.
As ruas próximas de casa eram sempre vazias, mas as estações sempre lotadas.
Finalmente um dia claro e radiante, sem nenhum vestígio de chuva. A brisa do vento descia pelas escadas e chegava até nós, nos dando fôlego para mais um dia de aula. Por algum motivo, me sentia muito bem.
Hedley brincava com um gato preto de olhos verdes que se escondia embaixo dos bancos da estação, enquanto esperávamos o metrô chegar.
- Ele é muito dócil! Parecer estar sozinho. - Ela o acaricia
- Ele tem coleira. -Observo
Uma bonita coleira com um sino preso, soava conforme ele se mexia e dava cambalhotas.
- Ele se parece com o seu antigo gato, Stephanie! - Ayla Lembra
-É mesmo! Ele se parece com o Ga-eul! - Hedley diz

Ga-eul era o gato que adotei quando tinha cinco anos. O havia encontrado brincando em uma pequena montanha de folhas vermelhas recém caídas das árvores. Por isso lhe dei o nome de Ga-eul, que significa outono em coreano.
Ga-eul morou comigo por cerca de três anos. Foi um grande amigo para uma criança que cresceu sem os seus pais. Ele me fazia rir em todos os momentos e isso era revigorante.
No entanto, os dias de felicidade dessa criança não duraram para sempre, pois em um dia quente ele apenas desapareceu. Desde então, nunca mais o vi.
- Você deve estar com fome. - Supôs Ayla ao gato que a olhava e miava - Vou comprar algo para ele comer! - Avisou levantando-se
- Estamos no verão. Devo te chamar de yeoleum? - Pergunto cariciando o macio pelo do gatinho
O barulho constante do sino que estava em seu pescoço me permitiu lembrar de uma mulher.

Minha mãe.
Agora que eu havia descoberto seu rosto por um foto recém encontrada no sótão, tinha plena certeza de que era ela.
Em minha curta lembrança, pude perceber que estávamos na mesma estação de metrô, sentadas sobre o banco de madeira branca, onde a minha  "eu" mais nova, segurava fortemente uma cordinha presa à um balão amarelo, enquanto ela colocava uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
- Você é tão bonita! E está tão crescida! - Ela elogia
- Para onde vamos, mamãe?
- Nós iremos para algum lugar distante. Apenas nós duas!
- E o papai? E a vovó? Não vão?
- O papai... - As lágrimas começaram a descer pelo seu rosto - O papai não pode vir.
- Porque? Ele está doente?
- Ele, ele.. - Gagueja -Eu acho.. Acho que você ficará bem melhor aqui! -Ela muda de ideia - A vovó cuidará de você. Então, seja obediente à ela, tudo bem?! O metrô está chegando! Fique com isso! - Ela coloca um cordão em volta do meu pescoço
- Um cordão de sinos?
- Sim! Você sempre gostou muito dos sinos, não é? Haviam muito sinos em nossa antiga casa, se lembra?

Choi tinha razão.
Os sinos fizeram parte do meu passado, por isso tenho lembranças quando ouço o som deles.
Mas estão, foi assim que ela partiu? Me deixando sozinha na estação? Era pior do que eu pensava. Talvez seja por isso que minha avó nunca mencione o nome dela.

- Ei, Sthep! Achamos comida! Quem diria que na estação venderia comida de gato! - Alegava Ayla contente, se abaixando para alimentar o felino.

Simplismente gostaria que essas lembranças não voltassem mais.
- O metrô chegou. Se despeça do gato. -Aviso a Ayla
- Até mais gatinho! Tenha uma boa vida! Espero que encontre donos tão bom quanto eu! - Ela grita, acenando para o gato
As portas se abrem no comprido vagão, fechando-se rapidamente. Enquanto procurávamos um lugar para nos sentar, Hedley começa a nos contar sobre o seu novo trabalho.
- Amanhã começará a aula de pintura em dupla. Meu par é um dos alunos mais talentosos da sala. Estou um pouco nervosa! Mês passado, ele fez uma mini réplica perfeita da escultura de Michelangelo, a famosa estátua de David. Como posso trabalhar ao lado de alguém como ele?
- Entendi! Mas ele é bonito? - Ayla Pergunta
- E isso importa? - Hedley fecha os braços
-Ele é? - Pergunto, esboçando um sorriso
- É.. - Ela ri e revira os olhos - Ele é muito bonito! Talentoso e bonito.
-É o pacote perfeito! Só falta cozinhar bem. Ainda não trabalhei com nenhum garoto bonito! - Ayla diz pensativa -Já a Stephanie, tem o desenhista Choi..
- Um amigo! - Interrompo ela - Apenas um amigo!

Elas riem.
A família de Choi partirá em uma viagem de negócios à China nas próximas duas semanas, já que estaríamos de férias.
Seu pai não é apenas médico, mas também, professor de medicina e participará de um convento entre os médicos de referência da Coreia, Japão e China.

Alguns dias se passaram, quando descobrimos que havia uma forte possibilidade da minha mãe estar residindo na China e Choi não exitou em me convidar.
-O que acha de viajar conosco? -Ele propõe
Mas o quão louca eu teria de ser para viajar por quase dois mil quilômetros para conhecer alguém, que eu nem sabia onde estava, no qual a minha avó seria totalmente contra. Era uma ideia imprudente que não daria certo.
- E então?
- Não é algo que eu possa pensar da noite para o dia. E também, não sabemos aonde ela mora.
- Em uma pequena região do Sul. Não há muitas casas por lá. -Alega
- Seus pais irão para o centro da China!
- Isso não é um problema.
Por um lado eu me sentia animada por finalmente estar perto das respostas sobre minha vida, mas por outro lado, me sentia intrigada por Choi que sempre havia uma resposta para tudo, me deixando cada vez mais ansiosa com tudo aquilo. Um dado momento senti raiva dele, em outro, pensava na mentira que convenceria minha avó de que eu estaria perto e segura. Me entristeci comigo mesma ao perceber todos os pensamentos em que havia pensado. Levantei os olhos calmamente em direção a Choi que me olhava esperando uma possível resposta. Suspiro alto e sorrio gentilmente.
- Tudo bem! Vamos a China!

Glossário:

Yeoleum - Verão
Ga-eul - Outono

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