4. Gota

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"Eu sempre quero ser o melhor!
Então eu sempre fui impaciente e ansioso.
Me comparar se tornou algo diário.
Minha ambição, que costumava ser uma arma, se tornou uma prisão e um laço.
Mas olhando pra trás, pra ser honesto.
Eu não acho que queria ser o melhor.
Eu queria ser o conforto de alguém.
Eu queria tocar o coração de alguém."
- Magic Shop

A minha frente, se encontrava um quadro com a pintura de uma menina, sentada de costas para os apreciadores da obra, que era todo o tumulto a minha volta. A modelo estava sentada sobre o banco do piano, com um longo casaco vermelho, um cachecol quadriculado envolvido em seu pescoço e seu liso cabelo castanho estava preso em um rabo de cavalo.

-Eu não acredito. -Digo boqueaberta
- Quem fez este quadro? - Hedley pergunta. Seu olhar reveza entre mim e o quadro
- Eu acho que foi o estudante de belas-artes. Não me lembro o nome dele. - Responde um jovem aluno de arquitetura que estava ao meu lado direito
-Meu Deus. -Ayla fica pasma com o desenho -Stephanie?! Alguém pode explicar?
-Não fazia a menor ideia desse quadro. -Alego
- Este quadro é realmente divino! Representa muito bem a visão e a audição. É como se eu pudesse escutar a melodia que a menina do quadro está tocando. - A professora se aproxima e  elogia a arte
-Com certeza, você não pode ouvir a música. -Cochicho
Hedley me puxa pelo braço e me leva até o outro lado da sala de exposição.
-Se lembra que você me perguntou sobre o lápis de sombra? Que alguém deixou cair?
-Sim, lembro.
-Tinha mais alguém no auditório? -Pergunta
-Eu estava sozinha.
-Alguém devia estar te vigiando. - Hedley supõe -Não tem outra explicação para a sua pintura estar exposta na parede.
As pessoas ainda não repararam que é você, ainda mais porque a menina na pintura está de costas.
- Stephanie? - Ayla se aproxima
- Sim?
- Você irá tocar amanhã, não é mesmo?
- Ah, sim! Estou um pouco nervosa!
- Tenho certeza que você irá se sair bem! É a melhor pianista que eu conheço.
- E você conhece outros? - Questiona Hedley
- Não! Mas se eu conhecesse, Sthep continuaria sendo a melhor! - Sorri

De primeiro momento não estava nervosa, mas depois de descobrir que metade na universidade estaria amanhã no auditório principal me ouvindo tocar, comecei a me preocupar.
Na verdade, o que eu estava sentindo era uma junção de preocupação intensa, excessiva e persistente com um imenso medo de fracassar.

O dia seguinte chegou mais rápido do que esperava, trazendo a si um dia de muito frio e muita água. Hoje seria o dia da grande apresentação do grupo da audição, onde eu teria de tocar algo que agradasse a todos.
Quando entro no auditório, os diretores já se acomodavam nas poltronas acolchoadas da grande sala. De vez em quando, seus olhos disparavam furtivamente sobre cada pessoa que ali estava, principalmente para os alunos que viriam a tocar.

Minhas mãos tremiam.

Com as luzes apagadas, o refletor branco e azul que estavam sobre o palco criava um ambiente mais estressantes e caótico para mim.
- Lembrem-se de serem os melhores! Essa universidade não é para fracos! Então dêem o seu melhor! - Anuncia a  professora de prática musical

Isso com certeza não era o tipo de incentivo que eu esperava.

O primeiro músico pianista entra e a sala é tomada pelos aplausos. Conseguia sentir o nervosismo dele de longe, pois assim que começa a tocar, logo na terceira nota ele desafina.
-Ele é algum pianista do jardim? Errou logo no inicio da música. - A professora cochicha
Eu realmente passaria mal se passasse mais um segundo ali. Então saio para tomar o chamado " ar puro ", mas sentia como se todo ar do mundo tivesse sido retirado de mim naquele momento.
Eu sabia desde o inicio que esse era um caminho difícil a ser percorrido. Queria ser mais do que o meu pai poderia ter sido, alguém que desse o orgulho que só ele poderia sentir. Só me pergunto, por que o meu coração dói tanto.
Eu era a única pessoa ao lado de fora, estando próxima a porta, observando as gotas de chuva que caiam e formavam grandes poças sobre o jardim da entrada. O fato da porta estar aberta, permitiu que o forte vento entrasse e derrubasse todos os papéis que estavam em minhas mãos. Em meio a todo o alvoroço, na tentativa de recolher todas as folhas antes que chegasse ao jardim e fosse molhado pela chuva, percebo que não estava sozinha.
Junto a mim, havia um garoto de cabelos castanhos claro recolhendo os seus desenhos que voavam pela grande entrada. Ele se abaixou, assim como eu, causando o amasso de algumas folhas pela força de suas mãos.

Sinos do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora