Capítulo XLV

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Sempre adorei trepar, sou um admirador irreparável do calor e das curvas femininas e desde que me tornei sexualmente ativo, os únicos dias que passei sem comer uma boceta e estocar numa boca vermelha foram os que sucederam a morte de Aurora, com exceção desta época, toda a minha vida foi preenchida por muita safadeza e putaria mesmo quando feitas com uma mulher só. Entretanto, nos últimos anos tudo que tive foi satisfação carnal, não importava o quão incrível e deliciosa era a mulher com a qual passava a noite, na manhã seguinte, muitas vezes depois de dispensá-la com a promessa de um telefonema que nunca viria, nem me lembrava do rosto dela. Fui um canalha, um homem abjeto do qual não me orgulho nem um pouco, não conseguia sentir empatia e consideração por nenhuma daquelas mulheres, eu as via como um corpo gostoso, entorpecentes para minha dor, nada além disso. Hoje, quando faço uma retrospectiva do que foram os meus últimos 5 anos, não me reconhecer na imagem que o espelho refletia naqueles tempos sombrios, aquele sou eu, mas é como se não fosse e essa confusão de percepções me deixa atordoado. Meu encontro emocional com Esmeralda foi o gatilho que acionou essa nova forma de enxergar, na verdade me fez regressar ao ponto inicial, graças a ela pude voltar a ser que era antes de sucumbir ao luto e embora essa explosão de sentimentos esteja me deixando mais perdido do quê cego em tiroteio, jamais poderei agradecê-la o suficiente por realizar esse milagre, ela me trouxe de volta a vida e apesar desse meu renascimento esta sendo acompanhado por dezenas de fantasmas, nenhuma força negativa é maior do que a dádiva recebida.
Sou eu mesmo de novo, consigo reconhecer cada detalhe do homem espelhado pelo retrovisor, Lúcio Sandoval, é esse o homem que vejo na minha frente, quando digo isso não me refiro somente a imagem literal, falo principalmente daquela que transcende o brilho dos meus olhos. Quando criança, via em meu semblante a mesma luz que sempre reconheci na minha mãe, porém, essa semelhança foi se apagando com o passar dos anos e depois da morte de Aurora, criou-se um abismo intransponível entre as duas versões de Lúcio Sandoval, infelizmente, estava no extremo negro quando ele se formou e lá fiquei... até o dia que Esmeralda cruzou meu caminho, graças a Deus.
Ainda estou com o pensamento totalmente voltado para Esmeralda quando a voz de Noah reverbera no carro.
- Chegaremos em 10 minutos, filho. - Respondo, depois de passar 30 segundos tentando lembrar da pergunta que a criança acabara de fazer.
- Acha que ela vai gostar dos bombons?
- Ela vai adorar, principalmente depois que souber do sacrifício que teve que fazer para manter a caixa intacta.
Antes de seguirmos em direção a casa da amiga, Noah me fez encostar numa doceria e levou meia hora para escolher uma caixa de bombons. O garoto foi convidado para fazer um trabalho de escola na casa da menina há 3 dias e desde então não fala noutra se não nisso. Confesso que o assunto repetitivo tem atribulado minha paciência e às vezes a vontade de mandá-lo calar a boca por alguns minutos bate forte, mas passa logo, pois percebo que o menino não faz nada além de emular minhas próprias atitudes. Tenho imposto a todos a tarefa de me aturar repetindo o nome de Esmeralda incontáveis vezes há semanas, e embora não exista assunto mais agradável, imagino que seja um irritante para qualquer pessoa que não a respire 24 horas por dia como eu.
Alguns minutos depois o falatório animado do meu pequeno garoto é substituído pela bela voz de Ana Carolina, e embora eu mesmo tenha escolhido a playlist e aumentado o volume, a última coisa que faço é prestar atenção nas letras ou mesmo na melodia da músicas. Meus olhos estão concentrados na rua a minha frente e as mãos não abandonam o volante nem por um segundo, porém, meu pensamento não poderia está mais longe.
Tenho sentido na pele e alma uma felicidade que há muito julgava perdida. Se há dois meses alguém me falasse que meu coração voltaria a bater forte por uma mulher, minha primeira reação seria soltar uma retumbante gargalhada e a segunda, mandar o atrevido para o quinto dos infernos, afinal, meu eu do passado jamais toleraria tamanho deboche. Nunca poderia imaginar que o destino usaria de tamanha irônia para comigo, mas agora estou aqui, com o peito transbordando de amor...e carregando sobre a consciência o peso do universo inteiro. Não sou capaz de colocar em palavras a dor que me toma quando lembro do enorme segredo que existe entre Esmeralda e eu, o vejo como uma rusga no nosso relacionamento, a única coisa que me separa da plena paz, mas mesmo o problema se mostrando sem nenhuma dúvida diante dos meus olhos e sendo teoricamente fácil de solucionar, não consigo colocá-lo pra fora, travo sempre que decido contar a verdade, ao invés de avançar rumo a libertação acabo dando dois passos para trás e não me culpo 100% por isso, porquê a verdade é que o meu medo de perder Esmeralda é maior que qualquer coisa. Não preciso ter o poder da telecinese para saber o que passa pela cabeça da minha namorada, os olhos dela fazem jus ao título de espelho da alma, por isso não é difícil advinhar quando está feliz, triste e incomodada, e a semelhança com Aurora é algo que a incomoda bastante, muito por minha culpa inclusive, só que quanto a isso não há mais nada que possa fazer além de esperar e torcer que tempo varra para longe as péssimas consequências das comparações. Contar a ela sobre o transplante só nos trará complicações, então não vejo razão para fazê-lo. Para quê jogar areia sobre uma chama que arde tão forte? Isso me parece absurdo, o cúmulo da estupidez e é completamente aceitável a minha decisão de seguir aliado ao silêncio, mas não é um caminho confortável, muito menos seguro. Me sinto terrivelmente culpado por esconder um fato tão relevante da mulher pela qual estou apaixonado, no entanto, existe na contramão desse sentimento um outro segredo que só me traz felicidade, e trará a ela também.
Esmeralda não é possessiva ou invasiva, todavia, sei que minha ausência nas últimas horas deixou-a com a pulga atrás da orelha, considerando a quantidade de atenção que tenho lhe dedicado desde que passamos a nos relacionar. Hoje foi folga dela, então não nos vimos pessoalmente. Ela me telefonou durante o almoço e apesar da vontade de ouvir sua voz ser quase tangível, ignorei a chamada e não retornei depois. Fiz tudo isso por uma razão; não quero correr o risco de estragar a surpresa que estou preparando a tanto tempo e com todo o esmero do mundo.
A chegada de Esmeralda trouxe muitas bençãos a minha vida, e uma das maiores é sem sombra de dúvida ter sido premiado com o privilégio de usufruir da companhia de dona Teresa, que em muitos aspectos lembra a minha própria mãe. Não foram poucas vezes que fui convidado para jantar com elas em sua casa, e enquanto Noah auxiliava Esmeralda no preparo de alguma coisa na cozinha, Teresa e eu ficávamos na sala entretidos com longas conversas. Três dias atrás no meio de um desses papos, finalmente consegui obter uma das informações que mais desejei na vida, pela primeira vez ouvi o relato completo sobre o estado de saúde do pai de Esmeralda.
- O médico responsável disse que nunca viu a DA evoluir tão rápido. - Lágrimas escorriam pelo rosto marcado pelo tempo e eu só conseguia sentir pena e tristeza.
- Em alguns casos a sobrevida pode chegar a 20 anos, dona Teresa. - Tentei confortá-la, todavia, os dados acumulados até aquele momento me levavam a crê que só um milagre o faria viver tanto tempo, na verdade, mesmo 6 meses parecia um sonho impossível.
- Ah, Lúcio... - A ternura em seu olhar era tão grande que ofuscava a imensurável angústia existente ali. - Você é um rapaz de ouro e tenho certeza que seu único desejo nesse momento é diminuir a minha dor, mas não precisa. Antônio é a metade da minha alma, sinto aqui dentro que ele está indo embora. Só que isso não dói, porque desde o primeiro dia que o vi tenho uma certeza enraizada no peito... Quando a hora dele chegar, terá chegado a minha também.
- Não diga isso. - Seguro em suas mãos e as beijo. - Eu sei o quanto dói perder a pessoa que mais amamos no mundo, mas a vida continua, com muitos espinhos e lágrimas, mas ela continua. - O seu amor ainda está aqui, Lúcio. Sempre esteve.
Seus olhos seguiram o caminho de um velho porta retrato disposto sobre o rack, onde o lindo rosto de Esmeralda brilhava mais do que o sol e naquele instante descobri algo que por medo e culpa teimava em deixar sob as sombras. A mulher que enterrei há 5 anos foi uma grande e inesquecível paixão, a pessoa a quem serei eternamente grato por ter me dado o presente mais precioso que um homem pode sonhar em receber, mas nunca foi o amor da minha vida. O amor da minha vida é Esmeralda.

Lúcio- O Renascer De Um CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora