Capítulo XX- Lábios magnéticos Primeira parte

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As horas passaram mais rápido que o normal e não demorou muito para que a única iluminação do lado exterior de minha janela fosse a fornecida pelas luzes artificiais oriundas da agitação noturna.

Como a batida que ouço na porta não foi precedida pelo toque do telefone, suponho ser Álvaro.

— Entre! — Ordeno, colocando os óculos e me concentrando em alguns papéis aleatórios, exatamente como fiz mais cedo com Esmeralda.

Ouço o ranger da porta, em seguida, passos firmes ecoam no ambiente silêncioso.

— Decidi jantar na casa dos tios hoje, não quer vir comigo? — Questiona.

— Adoraria... — Clareio a garganta e direciono o olhar para meu primo. — Mas estarei de plantão esta noite.

— Pensei que seu plantão fosse amanhã.

Álvaro está certo, mas não posso participa-lo do que farei com Esmeralda, ele não entenderia, por isso, penso numa desculpa.

— Precisei trocar os dias... Tenho um encontro amanhã.

Um sorriso de cumplicidade surge no rosto de Álvaro.

— Sempre na ativa, hein primo? Quem é a mulher, eu conheço?

— Não, ela não é do nosso ciclo... Na verdade eu a conheci em minha última viagem à Nova Iorque, e agora ela está no país.

— Bom, nesse caso trabalhe bastante hoje e divirta-se amanhã.

Inverto mentalmente a ordem dos tempos utilizados na frase de Álvaro e sorrio.

— Não tenha dúvida de que irei me divertir bastante, talvez me livrar de um grande problema.

O que falo faz nascer uma linha de preocupação na testa do meu primo.

— Não entendi, mas isso não vem ao caso... Tenha uma boa noite, Lúcio.

O ponteiro menor está a poucos minutos do algarismo 9, e eu aproveito o tempo restante para ajeitar os últimos detalhes do teste. Conecto o projetor ao notebook e isso faz com que o espectro da logotipo do Sandoval surja gigantesco na parede branca.

Sento-me na poltrona e me concentro no grande símbolo azul, sentindo o peito estufar de orgulho por tudo que ele representa. O hospital foi fundado há quase 50 anos por meu avô, claro que inicialmente ele não era nada além de uma pequena clínica que expandiu em ritmo rápido e uniforme, duas décadas depois este grande prédio onde estou saiu da planta, e a primeira clínica fora do território nacional foi inaugurada. Hoje a rede Sandoval consiste em 5 grandes hospitais, 2 laboratórios de biomedicina, 72 clínicas espalhadas por três continentes e 50 big farmácias.

Ainda estou imerso em meus pensamentos quando a estridente onomatopeia produzida pelo toque do telefone preenche o ambiente outrora tranquilo.

— Doutor Lúcio, a enfermeira Esmeralda Montserrat está aqui, deixo-a entrar? — Pergunta a recepcionista noturna, com a qual eu pouco convivo.

— Sim, estou esperando por ela.

Depois de desligar o telefone um estranho nervosismo me toma, algo que não sentia há muito tempo, e esta sensação se torna ainda mais forte quando a figura de Esmeralda surge na frente da porta.

Concedo-me o direito de observa-la por arrastados segundos. A enfermerinha tem a pele ligeiramente bronzeada, entretanto, agora me parece tão pálida quanto uma folha de papel, seus olhos indicam que ela está travando uma árdua batalha entre o medo e a curiosidade.

— E então Esmeralda, descansou? 

— Bastante, na verdade eu dormi por mais horas do que nos últi...

— Ótimo! Temos uma longa noite pela frente. - Assevero.

Visivelmente receosa, ela se aproxima da mesa e toma assento na poltrona de frente a minha.

— O senhor disse que fará um teste comigo hoje e bem... Estou pronta para provar que está errado em absolutamente todas as suas convicções a meu respeito.

A enfermeirinha demonstra uma qualidade que admiro muito em qualquer pessoa, autoconfiança, ela acredita piamente em sua capacidade, mesmo que aos meus olhos isso seja equivalente a crê em seres mitológicos.

— Vou pedir que tragam café para nós. — Anuncio, já com o telefone em mãos. — Greta, quero que tragam duas xícaras de café e uma porção de pães de queijo ao meu consultório.

A expressão que vejo no rosto de Esmeralda indica que ela não esperava tal atitude, o que é compreensível, uma vez que meus atos até agora passaram anos luz da gentileza.

Não trocamos muitas palavras enquanto aguardamos o lanche, mas olhares furtivos foram flagrados de ambos os lados. Mais de uma vez, a apanhei me observando, e mesmo ela tentando fingir displicência, seus olhos verdes deixavam claro um interesse muito maior do que aquele que pensava transparecer.

Por mais que não queira, é impossível desviar os olhos dela enquanto come, seus lábios são os ímanes mais poderosos do mundo, atraem minha íris de uma forma irresistível.

— Bem, agora que já comemos, acho que não há mais nada o impedindo de falar o que espera de mim.

— O que eu espero de você... — Travo uma batalha interna para eliminar a associação imediata que minha mente fez entre a pergunta de Esmeralda, e o foco que detinha toda minha atenção há alguns segundos. — O que você acha?

Lúcio- O Renascer De Um CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora