Capítulo XIII- Insônia

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Ai, mãe!— Reclamo, tirando os pés da água fumegante. — Isso tá quente.

— Claro, Esmeralda. É um escalda pé, a ideia é ser quente mesmo. — Contra minha vontade, mamãe coloca meus pés de volta na bacia. — Dói agora, mas se sentirá muito melhor depois.

— Bobagem, mãe, sabe que sou contra esses métodos arcaicos. Por mim, só passaria uma pomada e deitaria.

— É contra agora, mas quando era pequena não reclamava.

— Claro, no dia seguinte você me deixava correr a tarde inteira. Eu fazia por puro interesse.

Me faz bem lembrar destes momentos serelepes da minha infância, pois foram poucos. Aos 9 anos descobri a falha em meu coração e a partir daí, não pude mais levar a vida daquela forma, tudo era regrado, comedido, as melhores brincadeiras estavam extintas para sempre.

— Você lembra daquele quintal enorme, filha?

— Claro que sim, eu adorava brincar ali, haviam tantas árvores...

Meus olhos lacrimejam com a força desta recordação, pois lentamente ela se tornou sombria. Dói no fundo da minha alma lembrar o quanto meus pais amavam aquela casa e o tamanho do sofrimento pelo qual passaram quando precisaram vendê-la para pagar o meu tratamento.

— Pronto, fim da tortura. — Diz mamãe, retirando meus pés da água e os envolvendo na toalha que descansa sobre seu colo. — Depois disso tenho certeza que dormirá a noite inteira e acordará refeita amanhã.

— Deus lhe ouça. — Recosto-me no sofá macio e gemo de prazer, sentindo toda tensão desse dia frenético sse esvaindo gradativamente. — Pretendo visitar o papai amanhã, depois do expediente.

— Que bom minha filha, tenho certeza que isso fará muito bem a ele,

— Eu imagino que sim... — Abaixo os olhos e um suspiro arrastado me escapa. — Só preciso torcer para que ele me reconheça.

Nos últimos meses minhas visitas a clínica tem sido um pesadelo, pois sempre vou com o coração aquecido de esperança e volto frustrada, ao constatar que meu rosto continua como uma página em branco nas memórias de papai.

— O seu pai te ama minha querida, aliás... Ele nos ama. — Seu olhar materno é como um afago no meu coração. —Embora essa maldita doença tenha feito isso com ele, eu repito o que já te disse tantas vezes... Nem mesmo um vendaval seria capaz de arrancar o imenso amor que seu pai nutre por você, nunca se esqueça que seu nascimento foi o nosso maior e mais esperado presente.

Suas palavras me alegram ao mesmo tempo que trazem um sentimento de nostalgia muito forte, pois era exatamente isso que meu pai dizia todas as manhãs, que eu havia sido o maior presente que a vida deu a ele, e agora derrepente eu não sou mais nada, nem mesmo uma vaga lembrança.

— Acha que existe alguma chance dele me reconhecer amanhã?

Nenhuma palavra sai de sua boca, mas consigo vê em seus olhos que ela está tão descrente quanto eu desta possibilidade. Meu pai não me reconhecerá, e essa certeza dói como uma faca atravessando meu peito.

Quando deito a cabeça no travesseiro pronta para descansar, tenho o sono novamente roubado por pensamentos desagradáveis. Os fatos do dia passam por minha cabeça como um filme. Primeiro surge a imagem de Lúcio Sandoval me falando todas aquelas crueldades, suas palavras foram tão terríveis e enfáticas que provavelmente não as esquecerei jamais, ou pelo menos não num período longo de tempo. O drama de Laura também rouba boa parte da minha paz, não sei como apoia-la muito menos como ajuda-la a sair da situação terrível na qual se encontra. Com tudo isso, há sem sombra de dúvidas algo que se destaca nesse emaranhado de confusões; A verdadeira face do meu chefe. Colhi muitas informações e com elas pude traçar um vago perfil de quem o respeitado neurocirurgião era antes da morte de sua esposa, mas não é o suficiente, para conseguir me defender de seus ímpetos de desumanidade preciso antes de tudo conhecê-lo em essência, saber exatamente onde estou pisando, para assim adiantar e neutralizar seus golpes de fúria.

Lúcio- O Renascer De Um CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora