Capítulo XII- O Quadro

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Assim que avista meu carro, Noah despede-se de uma garotinha com um beijo no rosto e corre afobado em minha direção, desço do veículo antes que meu filho chegue até mim e estendo os braços para recebê-lo num abraço forte.

— Papai, eu não sabia que viria me buscar hoje! Estava esperando pelos meus avós.

— Decepcionado, parça?

— Claro que não! — Um sorriso lindo surge no rostinho infantil e a temperatura de meu coração vai a mil graus.

Olho para o imenso portão do colégio e encontro os dois pivetes que pertubavam meu filho, quando me vêem trocam olhares apavorados e praticamente evaporam dali.

— Pra dentro do carro, filhão!

Dou uma leve palmada em seu bumbum e recebo um olhar indignado como paga, desde que fez 8 anos Noah odeia isso, mas faço vez ou outra apenas para provocá-lo.

— Pai... — Resmunga, entrando no carro.

Meu filho assume seu lugar no banco do passageiro e coloca o cinto de segurança.

— Vamos passar na sua avó antes de irmos para casa.

— Qual das avós?

— Vó Alice.

Um nó se forma em minha garganta e minhas mãos apertam o volante com mais força. Voltar a casa de Aurora me faz muito mal, pois suas paredes, chão e teto guardam marcas profundas de minha esposa, marcas ainda mais particulares do que as deixadas em nosso apartamento.  Para minha agonia, Noah adora a avó e embora eu goste muito de dona Alice, nunca mais a veria se a razão de minha existência não necessitasse tanto da sua presença.

A casa fica numa região rural, na verdade é uma chácara, e o caminho até lá além de longo e tenso, é íngreme, pois a maior parte do trajeto é feita de estrada de terra com muitas pedras e pequenas crateras.

Para me distrair, ou tentar chegar a bendita casa minimamente disposto, puxo um assunto atrás do outro com Noah.

— Como foi na escola hoje, parça? — Pergunto.

— Foi estranho, mas muito bom! Pela primeira vez ninguém mexeu comigo. O senhor fez alguma coisa, pai?

Mordo a língua para não discorrer sobre minha travessura, não pega bem a um pai dizer ao filho de 10 anos que ameaçou dá umas bolachas nuns moleques de 15. Não posso dizer a verdade, mas também não quero mentir para Noah, por isso trato de escapar pela tangente na primeira oportunidade.

— Quem era aquela garotinha que estava com você na saída da escola?

Olho para Noah rapidamente e vejo suas gordas bochechas corarem como tomates maduros.

— Era a Isabella... Minha namorada.

Sorrio orgulhoso.

— Não sabia que estava namorando. Quando começaram?

— Tem dois dias. Vou me casar com ela.

— Casar? Noah, meu amor, você não acha que está muito cedo pra pensar em casamento?

— Bem, já que o senhor não pensa... Alguém tem que pensar

— Não sabia que esperava que eu me casasse de novo.

— Claro que sim, papai. — Percebo que sua voz abaixa um tom, volto rapidamente a atenção para ele e vejo que está com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado e com o semblante melancólico. — Eu amava minha mãe, e ainda amo... Mas ela morreu há um tempão e vejo o senhor tão triste, acho que precisa de alguém.

— Eu tenho você, Noah.

Depois da morte de Aurora, Noah se tornou meu único motivo para viver, eu sempre soube que não precisava de ninguém além dele e acreditava piamente ter transmitido esta minha certeza para ele, entretanto, agora suas palavras provam que eu estava errado.

— Por que o senhor nunca se casou de novo?

— Porque eu nunca quis ninguém, filho. Eu tenho você, os seus avós e o meu primo, não preciso de outra pessoa na minha vida. Estou feliz desse jeito.

Esta com certeza foi a maior mentira que contei em toda a minha vida. É lógico que não estou feliz, aliás, sequer me lembro a sensação de esboçar um sorriso sincero. Só que desta vez a mentira se faz amplamente necessária, não posso dizer a Noah o quanto sofro, não posso contar ao meu filho que boa parte do meu coração congelou após a morte de Aurora, e não faço isso por medo que ele não entenda, ao contrário, faço porque sei que o meu filho entenderia perfeitamente o sentido de minhas palavras.

30 minutos depois, cruzamos o grande portão que dá acesso a propriedade da família de Aurora. Lembro que este sítio sempre foi lugar de paz para minha esposa e para mim, foi onde nos conhecemos ainda crianças, quando meu pai veio prestar atendimento ao avô dela.

Enquanto meu carro avança pelo longo caminho até a casa grande, vejo-me envolto em mais um dos estranhos djavus que tenho tido.

— Por que esse senhor não pode ir ao hospital, pai? — Perguntei a papai enquanto desciamos do carro para concluir o trajeto a pé.

As duas horas que passamos na estrada minaram completamente minha euforia juvenil. Naquele momento eu estava emburrado e indignado por precisarmos vir até aqui, quando todos os outros pacientes se dirigem ao hospital.

— Porque é um senhor de 78 anos que não pode mais ir ao hospital, Lúcio. — Seus dedos pressionaram a campainha. — Além disso, não disse que queria passar mais tempo comigo? Pois bem, aqui estamos. Agora trate de tirar esta carranca e comporte-se direitinho.

Enquanto eu colocava um sorriso amarelo no rosto, uma mulher de uns 30 anos abriu a porta.

— Olá, doutor Sandoval, que bom que chegou! — Seus olhos azuis e curiosos voltam-se para mim. — E esse rapazinho, quem é?

— Meu filho.

— Ah que alegria! — Ela se afasta um pouco e nos dá passagem para entrarmos. — Também tenho uma filha. Ela acaba de chegar das férias na casa dos avós paternos onde estava cercada de primos, agora se sente entediada. É bom saber que ela terá uma companhia para brincar esta tarde.

— Desculpe, senhora, mas tenho 12 anos, não brinco mais.

— Lúcio... — A voz de meu pai era risonha e leve, mas sua mão apertava a minha com força.

— Eu tô vendo que já é um rapaz, mas Aurora é uma menina muito agradável, tenho certeza que se darão bem.

E como nos demos bem. Depois daquele dia, não houve se quer um instante que meus pensamentos não estivessem voltados para aquela linda garota de cabelos dourados.

— É uma bela foto, né? — A voz altiva de dona Alice me assusta.

Viro-me abruptamente em sua direção, desfocando finalmente do imenso quadro com a imagem de Aurora pendurado sobre a lareira.

— Não estava aqui em minha última visita... — Digo, ainda transtornado pelo espanto que foi me deparar com uma imagem tão grande e perfeita do amor da minha vida.

— Ficou pronto há duas semanas.

Analiso a imagem por alguns instantes. Na foto, Aurora está sorridente, com os cabelos loiros presos num coque alto, e uma coroa sobre sua cabeça, uma foto tirada em seu aniversário de debutante.

— Foi um dia perfeito. — Sussurro. Repassando na mente cada segundo daquela noite inesquecível, na qual demos o nosso primeiro beijo.

Éramos dois jovens inexperientes que estavam descobrindo o amor e a paixão. Embora nossa amizade fosse longa e sólida, nunca havíamos passado dos olhares furtivos e abraços, aquela noite no entanto, foi uma prova de fogo para nossos sentimentos carnais, uma prova na qual não passamos

— Como você está, Lúcio? — Pergunta dona Alice.

— Bem... — Abaixo a cabeça. — Eu estou muito bem. — Enfatizo a mentira.

Lúcio- O Renascer De Um CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora