Lúcio- O Renascer De Um Coração

Capítulo I - Coração Sepultado

Seco as mãos com três folhas de papel toalha e encaro o reflexo no espelho a minha frente. Álvaro tem razão, estou com a aparência cansada e abatida. Duas manchas escuras contornam os meus olhos azuis, que já foram cheios de vida.

Venho protelando a tarefa de aparar a barba há quase duas semanas, por isso, está mais espessa do que nunca.

- Que mudança, homem! - Falo, para mim mesmo, empregando uma boa dose de sarcasmo na voz.

Estou outra pessoa, um caco. A verdade é que sempre fico mais desleixado e despesso nos dias que antecedem o aniversário de morte de Aurora, dentro de 2 semanas completarão 5 anos que a perdi, anos carregados de tristeza, que só foram suportáveis pela presença de Noah, meu filho de 10 anos.

Saio do banheiro no exato momento que Álvaro está entrando em minha sala.

- Como foi a cirurgia? - Pergunta meu primo e colega de trabalho, não antes de acomodar-se numa confortável poltrona branca.

- Longa, você sabe... uma craniotomia é sempre exaustiva. - Estralo minhas costas e cubro os olhos com as mãos. Foram 7 horas de cirurgia e eu estou quebrado. - Mas tudo correu bem, conseguimos remover a bala e acredito que as sequelas serão mínimas.

Álvaro respira aliviado. Mesmo habituados as mais terríveis situações, é sempre difícil lidar com um caso de bala perdida, ainda mais se tratando de um menino de 16 anos.

- Que bom! de resto... - Álvaro cruza os braços e aperta os olhos negros. - Como você está? Eu sei que o aniversário de morte da Au...

Ergo as mãos, indicando que o assunto deve ser cortado por aqui. Nunca me aprofundo nas questões de Aurora, lembrar dela ainda é uma ferida aberta e eu prefiro não expô-la, mesmo para meu primo-irmão e melhor amigo.

- Tudo bem, cara, eu sei que não quer falar dela e não falaremos... - Sua inspirada lenta e profunda demonstra que o assunto não morreu completamente. - Mas você já tem 38 anos, então...- Dá de ombros. - Não acha que já está mais do que na hora de começar a pensar em um novo casamento?

Bufo e reviro os olhos. A idéia de casar-me novamente nunca me pareceu atraente, claro que não sou um santo e não vivo em celibato, mas ir além de uma noite com uma mulher, já não faz parte dos meus planos. Vez ou outra me passou pela cabeça arranjar uma esposa para que Noah tivesse uma mãe, mas, Aurora foi tão maravilhosa no pouco tempo em que esteve com ele, que certamente meu filho não precisa e não quer outra mãe.

- Sabe do que eu preciso irmão? - Coço os olhos, estou baqueado, morto de sono. - Uma xícara de café e uma ducha gelada.

- Posso providenciar isso pra você. - Diz, levantando-se da cadeira. - Já pretendia ir à lanchonete tomar um capuccino, te trago o café e alguma coisa para comer... Que tal um sanduíche de atum?

- Perfeito.

Agradeço-o e o espero sair para abrir minha gaveta e tirar de lá a última foto de Aurora que ainda tenho impressa. É uma do nosso casamento. Ela estava linda, com um sorriso enorme e o vestido mais bonito do mundo. Lembro de como me senti o filho da puta mais sortudo da face da terra por está prestes a me casar com ela.

Nunca me passou pela cabeça que o felizes para sempre se resumiria a curtos 7 anos.

- Como sinto sua falta, meu amor. - Sussurro, apertando à fotografia contra o peito.

Demoro para devolver à foto ao seu lugar, perco-me tão profundamente nas recordações que até esqueço do cansaço e da fome, neste momento eu só queria está com ela novamente, aliás, como tenho desejado desde o dia em que morreu. Lembro do conselho de Álvaro e penso se não seria uma boa coisa trazer uma mulher de volta à minha vida, uma que fosse capaz de me fazer esque... Sorrio sem um pingo de humor, essa possibilidade é tão ridícula que não consigo nem completar a palavra, claro que ainda não nasceu e provavelmente nunca nascerá uma mulher capaz de me fazer feliz novamente, minha história com a mãe do meu filho foi forte demais para que um dia eu possa viver algo remotamente parecido com outra pessoa.