CAPÍTULO 02

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PARTE 1 - A Princesa e o Cavaleiro
CAPÍTULO 2

Em meio ao costumeiro silêncio da tarde, ecoava o som ritmado de saltos batendo contra o piso empoeirado do solar. Em conjunto aos passos ligeiros, a respiração ofegante e o ribombar das fortes batidas do coração formavam uma sinfonia ensurdecedora. Ainda mais ruidosos eram seus pensamentos; estes, porém, não podiam ser ouvidos por outros, apenas ela tinha conhecimento da terrível tempestade que havia em seu interior.

Quando Amber chegou em seu quarto, já estava decidida a fugir. Não poderia permitir que seu pai a utilizasse como uma mercadoria. Impediria que a mesma história voltasse a se repetir.

Sem tempo a perder, trocou o traje que usava por um vestido simples e desfez o penteado feito com tanto capricho por Justine. Dentro de uma pequena bolsa, colocou aquilo que considerava indispensável; não tinha muito dinheiro, mas o pouco que possuía seria suficiente para manter-se por alguns dias. Não havia plano algum, não sabia qual caminho tomaria ou aonde chegaria, mas nada disso importava, desde que conseguisse escapar do conde Welsh.

Após acomodar seus pertences na bolsa, deu uma última olhada no cômodo. A pouca mobília e as paredes desgastadas pelo tempo constituíam o ambiente que abrigava tantas lembranças, desde os poucos momentos de felicidade até as dolorosas lágrimas derramadas ao longo dos anos. Amber caminhou até a pequena janela e admirou o maravilhoso jardim que cultivara com as próprias mãos, do qual sentiria falta.

Apesar do aspecto deteriorado da casa e dos maus momentos que passou ali, não era fácil abandonar, de maneira tão repentina, o único lugar que conhecia como lar, sobretudo em uma situação angustiante como aquela.

Por último, antes de partir de fato, escreveu um pequeno bilhete com as mãos trêmulas:

"Amado irmão e querida Justine,
peço que me perdoem pelo ato imprudente que estou cometendo, mas, se eu ficasse, não seria capaz de cumprir a promessa que fiz à mamãe. Por favor, não me procurem, eu estarei bem, desde que longe da capital. Mandarei notícias sempre que possível.

Amo vocês!

Amber"

Ao finalizar o bilhete, uma insuportável dor se instalou em seu peito por ter que abandonar as pessoas mais importantes de sua vida. Guardaria na memória as brincadeiras e o carinho de Philip, que sempre se esforçou para cuidar dela. Era óbvio que ele ficaria preocupado quando soubesse da fuga, mas a promessa feita à mãe, em seu leito de morte, tinha um peso maior naquela tomada de decisão.

Sentiria saudades de Justine, dos seus ensinamentos e até mesmo das broncas. Amber sabia que não era justo ir embora sem ao menos se despedir da mulher que dedicou sua vida a cuidar de uma princesa renegada sem ganhar nada em troca, mas estava correndo contra o tempo, não podia mais esperar.

Ao sair da residência, a princesa suspirou e olhou para o céu azul, em busca de tranquilidade para o seu coração abalado. Em seguida, apressou-se até o estábulo, pois precisava partir antes que Justine retornasse e tentasse persuadi-la a não ir. Na terceira baia, encontrou sua égua, Corine, de pelo branco lustroso e crina acinzentada. A montaria havia sido presente de Philip pelo aniversário de 16 anos, e desde então Amber a tratava como um bem precioso.

— Oi, menina — a princesa cumprimentou, acariciando o focinho de Corine. — Nós vamos fazer um longo passeio, tudo bem? Estou contando com você.

Usando um lenço, Amber cobriu os cabelos e parte do rosto, colocou sua bolsa no ombro e, por fim, subiu na égua.

Quando exilou a esposa e a filha, o rei proibiu qualquer pessoa de se aproximar da residência, sob a justificativa de que a velha construção poderia desmoronar a qualquer momento. Mas seu real intuito era ocultar o fato de que ambas não estariam mais vivendo no palácio. Por esse motivo, não havia empregados ou guardas na residência. E uma vez que não havia quem a pudesse impedir, foi fácil para Amber sair montada em Corine e tomar o caminho que levava à cidade.

Pela primeira vez, viu como era o mundo além dos limites do solar e admirou tudo ao seu redor. Tantas cores e sons, lugares que jamais imaginou existir, pessoas de diversas classes. O sol estava perto de se pôr, e aquela luz de tonalidade alaranjada tornou o cenário mais encantador, enchendo de brilho os olhos da jovem princesa.

Ao passar pelas ruas residenciais das áreas mais nobres, deslumbrou-se com os casarões imponentes e, seguindo pelas largas ruas, ficou maravilhada ao deparar-se com as luxuosas carruagens e pessoas bem-vestidas.

Mais à frente, cavalgou pelas ruas das regiões mais pobres e não pôde evitar notar a discrepante diferença em comparação com a área nobre. As casas eram simples, menores e possuíam uma cor opaca. As ruas estavam movimentadas por pessoas e carruagens, e os comércios, repletos de variados produtos.

Amber seguiu a cavalgada até não ver nada além da longa estrada à frente. Livrou-se do lenço, libertando seus cabelos, que reagiram ao vento fresco do fim de tarde, e em seguida estimulou Corine a apressar o passo até estar galopando pelas extensas campinas, distanciando-se cada vez mais da capital.

Aquele era o caminho para uma vida nova e desconhecida, e essa constatação despertava medo na princesa. Mas ela precisava ser corajosa, prosseguir com a decisão que havia tomado e deixar de lado os pensamentos receosos, sem olhar para trás e sem arrependimentos. Seguiria firme.

De repente, lágrimas involuntárias começaram a inundar seus olhos, embaçando um pouco sua visão. Toda a raiva, frustração e temor que sentiu em toda a sua miserável vida estavam, enfim, transbordando. Minutos depois, já não se podia distinguir as lágrimas dos pingos da chuva que começou a cair à medida que a princesa avançava.

Conforme o tempo ia passando, a chuva se intensificava, obrigando Amber a diminuir a marcha. Aquilo a preocupava, pois gostaria de estar o mais longe possível quando notassem sua ausência. Embora tivesse escrito no bilhete que não a procurassem, ela sabia que Philip não acataria o pedido.

— Vamos, Corine, só mais um pouco, garota. — Amber deu batidinhas no pescoço da égua, tentando encorajá-la a ir mais rápido.

Ela continuou cavalgando sob o temporal, mesmo estando encharcada e com frio, não descansaria até estar a uma distância segura dos homens que seu irmão mandaria para encontrá-la.

O sol havia se posto e a ausência da sua luz permitiu que as sombras tomassem conta do caminho. E como se não bastasse, ainda não tinha nenhum sinal da existência de uma vila ou cidade pelas proximidades onde pudesse passar a noite. Até lá, tudo o que podia fazer era seguir adiante.

Sem que Amber se desse conta, a campina deu lugar a uma densa floresta. O vento forte assobiava, fazendo dançar as copas das árvores, e o farfalhar compunha uma melodia solitária. Amber imaginou que aquele lugar ficaria magnífico banhado pela luz da lua, mas as espessas nuvens escuras no céu impediram que tal espetáculo fosse possível.

Mas havia algo mais além das árvores: silhuetas montadas em cavalos surgiram, indo em sua direção.

— Não pode ser... Eles já me alcançaram? — disse para si mesma, angustiada. — Eu não vou voltar. Nunca!

Corine foi esporeada com afinco, forçada a acelerar o máximo que podia. Devido à pouca visibilidade que o clima proporcionava, a princesa não conseguia ver com clareza o que estava à frente, mas confiava em sua montaria. Entretanto, o caminho estava lamacento e traiçoeiro, e nem mesmo a experiente égua poderia prever o que encontraria sob suas patas.

Às costas de Amber, ouvia-se o som de cavalos se aproximando com rapidez. O coração da jovem batia descompassado a cada galope, os pingos de chuva lhe açoitavam o rosto sem misericórdia. Corine corria veloz, como se compartilhasse a pressa de sua dona, contudo, não foi capaz de notar a raiz protuberante que havia bem na sua frente.

Sem conseguir impedir o inevitável, a égua relinchou quando percebeu que estava tombando. Amber não teve tempo de assimilar o que estava acontecendo quando uma força a impulsionou para frente. Em seguida, tudo o que sentiu foi uma dor mordaz em sua cabeça.

O Desabrochar da FlorOnde histórias criam vida. Descubra agora