Capítulo 6

593 81 9
                                    

HARRY

Preferia que tivesse batido a porta, bravo, mas, em vez disso, ele a fecha atrás de si com todo o cuidado, produzindo apenas um "clique" sem grande estardalhaço. Digo a mim mesmo que foi uma saída presunçosa e melodramática.

Minhas mãos se fecham em punho, embora eu não tenha certeza se é com a intenção de socar a parede ou de correr atrás dele, enfiar meus dedos em seu cabelo e colar minha boca na sua.

Deu tudo errado. Completamente errado. Só queria assustá-lo, bancando o grandalhão desagradável, mas ele respondeu de forma inesperada. Como se me desejasse. É claro que isso só pode fazer parte do seu joguinho, mas... por um segundo, eu quis que ele me quisesse.

Esse garoto é tóxico. Posso ser legal com um dos cuidadores do meu pai, mas não vai ser com ele. Aceito qualquer pessoa menos ele. Um velhinho trêmulo, uma cristã arrogante, até uma tirana ranzinza, mas não vou passar todos os dias com um garoto que me faz lembrar do que não posso ter. Um garoto que não consigo parar de imaginar em cima de mim, embaixo de mim...

Minha nossa.

Achei que já era tentação suficiente só olhar para ele. Mas assim de perto? É ainda mais bonito, só que a ameaça é ainda maior, porque ele também é ousado, irreverente e corajoso. Essa combinação é mais ameaçadora que seus grandes olhos azuis e que seu corpo esguio.

Quanto tempo faz desde que alguém me desafiou assim? Ou se recusou a se render diante da minha "condição"?

E aquela hora em que ele olhou as cicatrizes — olhou de verdade... Se tivesse ficado horrorizado ou com pena, eu saberia lidar com qualquer uma dessas reações. Estaria preparado. Mas aquele tipo de reconhecimento franco? A postura de "É, seu rosto é feio. E aí?"... Me deixou intrigado.

Não consigo lidar com isso.

Pego o celular. Meu pai atende no segundo toque.

—Escolhe outra pessoa - digo, em vez de cumprimentá-lo.

Ele nem finge não saber do que estou falando. 

—Você já viu todas as outras, Harry. Avisei que não existe um suprimento infinito de pessoas treinadas para cuidar de inválidos.

Em geral, odeio a palavra "inválido", mas não é essa parte que me irrita agora. 

—Treinadas? Está mesmo tentando fingir que esse garoto que acabou de sair da escola sabe fazer alguma coisa além mexer no celular e fazer compras?

O silêncio dele confirma que estou certo. 

—Eu nunca disse que ele era treinado. Mas vai fazer o que for preciso.

—E o que é preciso? Limpar minha bunda?

—Você precisa de companhia - meu pai rosna. —De alguém que tire você desse abismo que colocou entre você e o mundo. Esta virando um animal recluso.

Fico perplexo diante de suas palavras. É claro que ele está certo. Mas ouvir isso do meu próprio pai é...Penso em desligar, contudo ouvir o suspiro dele do outro lado da linha me impede de fazer isso. 

—Fizemos um acordo, Harry.

—Eu sei. É difícil esquecer que meu próprio pai quer me chutar pra fora de casa.

—Você tem vinte e quatro anos. Pare de bancar a criança indefesa.

—Sua gentileza paternal me deixa comovido. Não estou voltando atrás no trato; só estou dizendo que precisa encontrar outro cuidador.

 Um que não me dê tesão.

—Não.- A recusa categórica não é um bom sinal.

—Não estou voltando atrás - repito, mantendo a voz em um volume respeitoso. —Só estou pedindo que venha alguém que não pareça que saiu de um filme de sessão da tarde.

—É Louis ou ninguém.

Louis. Eu já sabia o nome dele? Certamente não nos apresentamos enquanto nos encarávamos, e se meu pai o mencionou antes, não me dei ao trabalho de memorizá-lo. O nome combina com ele. Fico me perguntando qual é a dele. Já fez isso antes? Ajudar outro cara inútil e patético a fazer as coisas mais básicas da vida?

Parece um desperdício. Um garoto daqueles perdendo tempo com a escória da sociedade.

—Esta conversa acabou, Harry - diz meu pai. —Ou passa três meses com ele ou não tem acordo. Você perdeu o direito de exigir qualquer coisa quando espantou a sexta pessoa que mandei.

Afundo na cadeira. Minha perna está me matando, embora não seja nada comparado à pressão no meu peito diante do tom assertivo do meu pai.

—Ele é jovem demais - justifico, odiando o desespero em minha voz. —Deve ter minha idade."

—E?

Minha nossa, ele é assim sem noção? Sem coração?

—Ele é... parecido demais com alguém que eu conheceria... antes. 

Cara, ele parece com alguém com quem eu sairia.

—Talvez isso seja uma coisa boa. - Sua voz denota cansaço. —Vai fazer bem lembrar que, ainda que seu rosto e seus movimentos tenham mudado, você continua a mesma pessoa.

Só que eu não continuo a mesma pessoa. Nem de perto. Minhas piores cicatrizes não são as que vejo no espelho, e eu queria que pelo menos uma vez o cretino do meu pai tentasse entender isso. A culpa que eu sinto.

—Não vou passar os próximos três meses com ele. De jeito nenhum.

—Certo. Vou dizer a Lindy e Mick para fazer suas malas.

Fecho os olhos e me recosto na cadeira, desesperado. 

—Juro por Deus que vou receber bem quem vier depois. Pode ser qualquer outra pessoa.

Ele fica em silêncio, e por um segundo esperançoso acho que vai desistir. Então repete: 

—É ele ou ninguém.

—Que merda! - explodo.

—Tenho que ir. Estou atrasado para uma reunião com o conselho.

Claro. O homem come, respira e caga o trabalho.

Pense em Lily. Pense em Amanda. Faça isso por Alex.

—Tá -murmuro, me odiando por soar como uma criança petulante, mas não vou fingir que concordo com toda essa manipulação.

—Ligo no domingo - ele avisa.

Vou desligar, mas sua voz interrompe o meu gesto.

—Harry?

Não respondo, mas aguardo na linha.

—Vai ficar tudo bem, filho. Você vai ver.

Porra nenhuma.

Mas ele desliga antes que eu possa dizer que faz tempo que parei de acreditar que as coisas vão ficar bem.

votem e comentem!!obrigadaaa!!

Em Pedaços ( Larry Stylinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora