Capítulo 18

537 76 14
                                    

HARRY

Enquanto estaciono e corro para dentro de casa, o ódio que sinto por mim mesmo parece me sufocar. Eu me agarro à raiva como se fosse uma boia de salvação, porque a alternativa é o desespero. E o desespero pode me matar.

Atiro a maldita bengala com um grunhido furioso assim que entro na biblioteca. Nem percebo se minha perna está doendo, mas sei que tenho um machucado no rosto. Um daqueles idiotas me acertou. Não foi um soco bem dado, mas o suficiente para doer.

Eu deveria ter limpado o chão com eles. Hoje, posso até ter causado algum estrago, mas não acabei com eles.

Cara, eu nem deveria estar lá — no bar ou na briga. Mas estava. Por causa dele. Eu queria me sentir normal ao lado de uma pessoa interessante como Louis. Conversar e beber, nada mais. Mas o meu passado nunca me deixava em paz. 

Sirvo uma dose generosa de uísque e começo a virar o copo, mas logo interrompo esse gesto. Não quero ficar entorpecido. Preciso me agarrar à raiva. Preciso me lembrar deste exato momento para não voltar a cometer esse erro. Preciso me lembrar de que não sou normal. Não sou um cara que pode ir a um bar tomar um drinque com um garoto bonito e reencontrar uma velha amiga.

As palavras de Brandon e do garoto não param de passar pela minha cabeça.

Putinha. Aberração. O que você é, um figurante de filme de terror?

Louis que não entende. Ele acha que não tem nada de mais em tomarmos um drinque num lugar público. A pior parte não é nem que ele acredita nisso. Mas não posso o culpar, ele não sabe nada sobre essa história.

Devia ter confiado nos meus instintos. Devia ter ouvido a parte de mim que sabe que as pessoas não são boas. Termino aquele gole do uísque. Tem o sabor metálico de sangue, cortesia do meu lábio cortado. Nem me dou ao trabalho de ir ao banheiro limpar. Como a dor, o sangue é uma boa lembrança da lição que acabei de aprender.

Nunca mais. Mesmo no bar perto da minha casa, na porra do meu quintal, haverá pessoas estranhas. Elas vão olhar, encarar e me lembrar de tudo o que eu passei e de  que gente como eu não fica com gente como Louis.

Estou jogando lenha na lareira, alimentando as chamas devagar, quando ouço Louis entrar no escritório. Seria fácil voltar minha raiva contra ele, mas estou aprendendo que qualquer emoção relacionada a ele é destrutiva. É melhor ignorá-lo.

Isso é mais fácil de dizer do que fazer.

Me preparo pra ouvir "ai, meu Deus, você está bem?", mas ele se mantém em silêncio. Continuo agachado em frente à lareira, ignorando o fato de que essa posição é ruim para minha perna. Também tento ignorar o rosto dolorido. E Louis. Mas falho no último quesito, porque, cara, quero que ele encoste em mim.

Ouço o som familiar de uma tampa se abrindo e do líquido caindo num copo. Por um segundo, acho que ele não percebeu que já estou bebendo e está preparando uma dose para mim.

Daí, ele sai pela porta.

Graças a Deus. Ele só queria pegar uma bebida e deixar o monstro sozinho.

Digo a mim mesmo que estou aliviado, mas a verdade é que só me sinto assim quando percebo que voltou. Meus olhos continuam hipnotizados pelo fogo, mas meus ouvidos escutam o ruído familiar de Louis se ajeitando no que agora considero a poltrona dele.

Louis permanece sentado em silêncio, e eu sei o que está fazendo. Está esperando que eu o deixe se aproximar.

De jeito nenhum.

Espio por cima do ombro, só por um momento, e a visão me tira o fôlego. A luz do fogo faz seu cabelo  brilhar. Seus olhos estão sombrios e firmes, enquanto me observa. Suas pernas estão cruzadas debaixo do corpo, como sempre faz quando vai ler. Está enrolado na minha manta favorita, de pele falsa, como se fosse dele.

Em Pedaços ( Larry Stylinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora